Infraestrutura, insegurança e seca: Desafios do agronegócio na Bahia

Setor responsável por 14% do PIB baiano ainda sofre com dificuldades básicas, segundo informou o Dr. Humberto Miranda, presidente da FAEB

Por João Tramm.

O agronegócio baiano enfrenta desafios históricos que, segundo o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb), Dr. Humberto Miranda, comprometem o crescimento sustentável e a competitividade da produção. Em entrevista ao Aratu On, elencou os fatores como a seca, a falta de infraestrutura e a insegurança são pontos críticos para a área.

O setor foi responsável por 14,3% no primeiro trimestre de 2025, mas ainda é refém de investimentos e planejamento para lidar com questões básicas.

 Infraestrutura, insegurança e seca: Desafios do agronegócio na Bahia; CNA/ Wenderson Araujo/Trilux

Segurança jurídica e violência no campo

Um dos maiores obstáculos apontados é a insegurança jurídica no campo. Miranda relata que muitos produtores enfrentam situações em que, mesmo após cumprirem todos os trâmites legais na aquisição de terras — como registros em cartório e pagamento de taxas —, acabam envolvidos em disputas judiciais anos depois, em razão de erros documentais.

“Não há confiança para investir quando o produtor faz tudo dentro da lei e ainda assim vê sua terra questionada judicialmente anos depois”, destacou.

Além disso, a violência no campo se tornou um fator que agrava a escassez de mão de obra. “Hoje, não conseguimos encontrar um vaqueiro que aceite morar na fazenda, justamente pela sensação de insegurança. Isso compromete o ciclo produtivo e a permanência de famílias no interior”, completou o presidente da Faeb.

Logística: estradas precárias, ferrovias abandonadas e portos caros

Outro gargalo que trava o desenvolvimento é a infraestrutura de transporte. Segundo Miranda, a Bahia sofre com estradas sobrecarregadas e mal conservadas, com altos índices de acidentes, enquanto suas ferrovias estão sucateadas. A tão esperada Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que poderia baratear o escoamento da produção, permanece inacabada.

A Fiol é um dos principais projetos logísticos da Bahia, teve as obras do Trecho 1 suspensas após o rompimento do contrato entre a Bahia Mineração (Bamin) e a construtora Prumo Engenharia. A paralisação ocorreu em 1º de abril, com 75% da construção concluída e investimento de R$ 784 milhões. O governo federal mantém a expectativa de que o trecho seja concluído até 2026, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cobrar agilidade no cronograma.

“Precisamos de investimentos sérios em ferrovias. Esse é o caminho mais barato para escoar a produção, mas infelizmente não sai do papel. Enquanto isso, nossas rodovias não são duplicadas e Salvador segue como uma das poucas capitais brasileiras com apenas uma via de entrada e saída”, afirmou.

Os portos também representam um desafio adicional, com custos de operação considerados elevados em comparação a outros estados, o que reduz a competitividade da produção baiana no mercado nacional e internacional.

Foto da FIOL: Agência Brasil

Falta de barragens e convivência com a seca

No que se refere à disponibilidade de água, o estado acumula um atraso de duas décadas na construção de barragens, elemento essencial para garantir a produção agrícola em períodos de estiagem.

“Temos inúmeros rios, mas um número muito menor de barragens do que estados mais secos, como o Ceará. É inconcebível que em 20 anos não tenhamos investido em um equipamento fundamental para conviver com a seca”, disse Miranda.

Em abril, 92 municípios do estado já estavam em estado de emergência com a situação da estiagem. De acordo com a Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec), a seca vem causando perdas significativas na produção agropecuária e comprometendo o abastecimento de água, sobretudo nas áreas rurais. 

Ele lembra que a seca não deve ser vista como uma fatalidade, mas como um fator a ser enfrentado com planejamento. “A seca não é causa, é desculpa. Sempre foi usada politicamente no Nordeste. Não se combate seca com carro-pipa, mas com políticas de convivência, investimentos e parcerias público-privadas. O Vale do São Francisco é prova disso: mesmo em um território extremamente seco, conseguimos produzir graças ao empreendedorismo. Mas o poder público precisa assumir sua parte com geração de emprego e renda”, ressaltou.

Energia, conectividade e educação no campo

Os pequenos produtores também enfrentam entraves adicionais. De acordo com Miranda, muitos ainda dependem apenas do programa Luz para Todos para ter acesso à energia, que fornece energia apenas para sobrevivência, o básico para casa. O que critica Miranda é a falta de infraestrutura e apoio em iniciativas para a produção de fato.

Na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), o assunto já foi alvo de debate. Na ocasião, o deputado Robinson Almeida (PT) cobrou a implantação de “3º Fio” do programa e destacou que embora o "Luz para Todos" tenha beneficiado quase 17 milhões de pessoas no Brasil, 716 mil na Bahia, desde a sua criação em 2004, pelo presidente Lula, no estado ainda existem mais de 70 mil residências sem acesso a energia elétrica, comprometendo o desenvolvimento social, humano e econômico na zona rural do estado. 

A conectividade é outro gargalo que impede o avanço da modernização agrícola. “Hoje, acesso à internet é tão importante que pode ser considerado o básico. É por meio dela que o agricultor acessa crédito, tecnologia, assistência técnica e até vende sua produção. Sem internet, o campo fica isolado”, explicou.

Outro problema grave apontado é a deficiência na educação. Para o presidente da Faeb, a formação no campo precisa ir além do básico, se não é um incentivo ao êxodo rural. “Não dá mais para trabalhar na agricultura sem qualificação. O mínimo exigido hoje é um curso técnico. Mas enfrentamos problemas sérios na educação baiana, o que dificulta a formação de mão de obra especializada e afeta a produtividade”, pontuou.

Planejamento e políticas públicas consistentes

Miranda alerta que, sem planejamento de longo prazo, a Bahia continuará perdendo competitividade frente a estados vizinhos e até mesmo frente a países que enfrentam condições climáticas mais severas, como Argentina, que produz vinho, Israel, com grãos, oleaginosas, e Estados Unidos, que possui produção de carne em regiões áridas.

“Se eles conseguem produzir vinho e carne em regiões áridas, nós também temos condições de avançar. Mas é preciso sair do improviso e criar políticas públicas consistentes, voltadas para infraestrutura, segurança e tecnologia. O setor privado sozinho não consegue sustentar essa transformação”, disse.

Apesar das dificuldades, o presidente da Faeb destaca a resiliência do produtor rural baiano, que mesmo diante da insegurança jurídica, dos custos logísticos e da falta de apoio público, continua garantindo alimentos na mesa dos brasileiros e movimentando a economia. O presidente da Faeb citou a produção realizada no Vale de São Francisco, que capitaneada pelo empenho empresarial consegue produzir em regiões adversas.

“Não faltam exemplos de superação no agronegócio baiano. Mas precisamos que o Estado cumpra seu papel, para que a produção não fique apenas ao empresário, mas que toda a população possa ter condições mínimas de vida, o que não acontece no árido baiano. O governo precisa oferecer as condições mínimas para que o campo seja, de fato, o motor do desenvolvimento que a Bahia precisa”, concluiu.

Dr. Humberto Miranda, presidente da Faeb

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