Bahia em cada fio: algodão conecta moda, inovação e sustentabilidade
Da fibra que sai do campo às peças que chegam às vitrines de Salvador, o algodão baiano percorre uma longa jornada
Por Juana Castro.
Fonte: e Taís Rocha
Em Salvador, o Ateliê Mão de Mãe transforma fios de algodão em arte. Mais que moda autoral, há memória afetiva e identidade em cada peça. No oeste da Bahia, o mesmo algodão passa por rigorosos testes no maior centro de análise de fibras da América Latina, garantindo padrão internacional de qualidade.
Assim, entre artesãs que criam coleções inspiradas no cotidiano e máquinas de alta tecnologia que classificam milhões de amostras por safra, o algodão baiano se firma como elo entre tradição, inovação e sustentabilidade.
Moda com raiz no algodão
Com "fazer coletivo, artesanal e responsável", o Ateliê Mão de Mãe é resultado de um sonho tecido a muitas mãos pelos sócios criadores Vinícius Santana, Patrick Fortuna e Luciene Brito. “O Ateliê surgiu da ideia de enaltecer a mãe do Vinicius, que acabou se transformando também na história de outras mulheres, mães artesãs e crocheteiras”, conta Patrick Fortuna, cofundador e diretor criativo.
A marca aposta em processos criativos orgânicos e sustentáveis, com coleções divididas em temas, referências e storytelling. “Trabalhamos com matérias-primas sustentáveis, como o 100% algodão da marca Pingouin, e o linho produzido no Brasil com quase zero poluentes. Aproveitamos praticamente todos os restos de linha, criando peças únicas”, explica Fortuna ao Aratu On.
E a busca por matéria-prima de excelência está no centro da proposta. “Está diretamente relacionada a conforto, bom caimento e vestibilidade. Todas as peças são estudadas antes de chegar ao consumidor final, para que vistam bem e proporcionem elegância e originalidade.”
Parceiro da iniciativa "Sou de Algodão", o Ateliê reforça o compromisso com a cadeia produtiva nacional. “É um aliado essencial desde o início. Eles valorizam o algodão brasileiro, fiscalizam agricultores, oferecem treinamento e contribuem para a sustentabilidade, sob liderança de Silmara Ferraresi e Manami”, afirma o diretor criativo.
A "Sou de Algodão" é uma iniciativa criada pela Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão) em 2016, lançada durante a São Paulo Fashion Week, para promover a sustentabilidade e o consumo consciente do algodão brasileiro. A ideia é incentivar o uso de ao menos 70% do produto nacional sustentável na composição dos tecidos, além de proporcionar conforto e durabilidade ao consumido.
Bahia, potência da fibra
O Brasil é líder mundial na exportação de algodão e a Bahia é o segundo maior produtor de algodão do país, atrás apenas do Mato Grosso. De acordo com a Federação das Indústrias da Bahia (FIEB), a fibra foi o 5º produto mais exportado pelo estado em 2024.
Esse protagonismo exige eficiência e controle de qualidade. Por isso, desde 2020, todo o algodão produzido na região do Matopiba — Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — passa pelo Centro de Análise de Fibras da Abapa, localizado em Luís Eduardo Magalhães (LEM), cidade referência no agronegócio nacional e realizadora da Bahia Farm Show.
“O processo principal da usina de beneficiamento é o descaroçamento, que separa a fibra da semente. A fibra, que tem maior valor agregado, segue para limpeza e prensagem em fardos, cada um com amostras destinadas à classificação”, explica Sérgio Brentano, gerente do laboratório.
O maior centro de análise de fibra da América Latina
Com capacidade para processar 30 mil amostras por dia, o centro opera 24 horas durante a safra, com até 100 colaboradores temporários. “Esse laboratório foi fundado nos anos 2000 e expandido à medida que a produção cresceu. Hoje, a estrutura está no limite. Por isso, estamos construindo uma nova sede, projetada para abrigar até 32 máquinas, com capacidade para 60 mil análises diárias”, revela Brentano.
O laboratório utiliza equipamentos de ponta, como os instrumentos HVI da marca Uster, e integra o programa Standard Brazil HVI, garantindo padronização nacional. Também adota o Sistema de Condicionamento Rápido, que reduziu o tempo de análise de 86 horas para apenas 24.
Além da classificação, o centro assegura rastreabilidade por meio do sistema SAE, gerido pela Abrapa, que atribui código único a cada fardo produzido. “A rastreabilidade mostra ao mercado que o algodão foi cultivado com boas práticas econômicas e ambientais, trazendo confiança e credibilidade”, acrescenta o gerente.
Sustentabilidade e desafios climáticos na produção do Algodão
À frente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão, Alessandra Zanotto Costa reforça o papel da entidade em conectar o campo a diferentes setores. “Estamos aqui para oferecer soluções ao associado, não apenas para que ele produza mais e melhor, mas também para integrar essa produção a outras cadeias, como a animal e a indústria alimentícia. Esse é o papel da Abapa: fazer conexões, desde políticas públicas até parcerias com instituições.”
“É uma cultura onde tudo se aproveita”, diz Alessandra Zanotto.
Diante da emergência climática, ela ressalta as práticas adotadas no campo: “Os produtores já trabalham com manejo eficiente da água e do solo, contenção de recursos hídricos, mensuração de carbono e operações mais limpas, emitindo menos gases. Tudo isso fortalece o papel do setor dentro da pauta da COP 30.”
Exportação do algodão baiano em alta
O algodão baiano também encontrou novas rotas para o mercado externo. Em 2022, apenas 545 contêineres saíram do Terminal de Contêineres de Salvador (Tecon). Na safra 2024/25, já foram mais de 5,7 mil. A expansão se deve a obras de modernização do porto e a uma nova rota direta para a Ásia, que reduziu o tempo de viagem para 40 dias.
Com isso, a Bahia se aproxima cada vez mais de mercados estratégicos como China, Paquistão e Vietnã. A expectativa, segundo estimativas da Conab, é que o Matopiba produza cerca de 925 mil toneladas da pluma na safra 2024/25, aproximadamente 23% do total nacional.
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Algodão da Bahia: do fio à vitrine
Da fibra que sai do campo às peças que chegam às vitrines de Salvador, o algodão baiano percorre uma longa jornada. Para Patrick Fortuna, essa conexão é essencial. “Estamos nos aproximando da Abapa e em breve vamos realizar um workshop sobre nossa história. É uma parceria fundamental, porque impacta diretamente a qualidade da fibra que utilizamos.”
Entre tecnologia, sustentabilidade e criatividade, o algodão segue sendo um fio condutor que une produtores, estilistas, exportadores e consumidores. Com um ciclo que começa no campo, passa por laboratórios de alta tecnologia, chega às mãos de artesãs e ganha o mundo, a produção baiana constroi pontes enquanto tece.
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