Importância do cacau na Bahia: tradição, economia e futuro da produção
Da tradição na era dos coronéis ao chocolate premiado, o cacau moldou a história do sul da Bahia e segue de grande importância para a economia, o turismo e com futuro sustentável no estado
Por João Tramm.
O cacau chegou ao Brasil em 1746, transformando a paisagem social e econômica do sul da Bahia. Como destaca Thiago Fernandes, diretor do consórcio Cabruca, “a partir do cacau, a história do sul da Bahia foi construída"
Durante décadas, o cacau foi a base da economia local, moldando comunidades e consolidando o poder da aristocracia rural conhecida como “coronéis do cacau”. Mas a lavoura não estava imune a crises: a praga vassoura-de-bruxa devastou plantações, provocou desemprego em massa e agravou problemas sociais, como favelização. Fernandes explica: “As fazendas demitiram, a população migrou, a região se transformou socialmente, e o estado não tinha como ajudar.”
Queda e recuperação do setor cacaueiro
O renascimento do setor se deu por meio de pesquisa científica, investimentos em cacau fino e políticas de incentivo à produção sustentável. “Hoje, a região se posiciona no cenário mundial não apenas como produtora de cacau, mas também de chocolate premiado”, diz Fernandes.
O sul da Bahia já se destaca em competições internacionais de chocolate fino: pequenas indústrias locais seguem processos rigorosos que incluem seleção manual da fruta, descanso no solo e análise detalhada do produto – um ciclo que dura em média 28 dias. “Ganhar medalhas em competições globais mostra a capacidade do nosso setor em agregar valor ao cacau e colocar o Brasil no mapa mundial”, comemora Fernandes.
Além disso, fazendas centenárias, como a Cruzeiro do Sul, migraram para sistemas orgânicos e biodinâmicos, unindo tradição e inovação. Esse movimento também está ligado ao agroecoturismo, que transforma as fazendas em destinos turísticos com trilhas, cafés e experiências gastronômicas. Fernandes explica: “O turismo deixou de ser só praia e passou a incluir visitas às fazendas, o que agrega valor à produção e fortalece a economia local.”
Produção industrial e desafios do mercado
Atualmente, a Bahia apresenta processadoras localizadas em Itabuna e Ilhéus, responsáveis pelo processamento da matéria-prima nacional. Elas compram cacau de outros estados, como o Pará, mas não estão localizadas nesses polos produtores. Fernandes alerta: “Mesmo comprando cacau de outros estados, essas processadoras são essenciais para a cadeia. Sem elas, produtos como o chocolate branco fino podem desaparecer, porque dependemos da manteiga desodorizada que a indústria produz.”
O setor produz diversos derivados, tais como:
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Licor de cacau: cacau amassado com 55% de pó e o restante de manteiga.
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Manteiga de cacau: grande parte exportada para os Estados Unidos.
O cacau e seus derivados são um dos cinco produtos do agronegócio baiano com maior montante exportado, gerando US$ 433 milhões (6,5% da produção vendida ao exterior em 2024). Com esses números, o Cacau fica atrás apenas da Soja, Celulose, Algodão.
Tarifaço ameaça indústria e empregos
O cenário atual do setor cacaueiro no Brasil é complexo. O aumento do imposto de exportação, conhecido como tarifaço, que passou de 10% para 50%, gera grande preocupação. Fernandes alerta: “Com o tarifaço, não há como ajustar a máquina para retirar menos pó e mais manteiga, que teoricamente vai aos Estados Unidos. Isso significa que parte da produção pode ser desperdiçada, e a indústria precisará importar para compensar.”
O impacto é direto:
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Redução na compra de cacau nacional, afetando produtores locais.
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Demissões nas fazendas e indústrias processadoras.
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Risco para a produção de chocolate branco fino, que depende de manteiga desodorizada da grande indústria. Fernandes explica: “Se a grande indústria parar de processar ou importar cacau, até pequenos produtores que fazem chocolate premiado podem ser afetados.
Setor ainda avalia se deve entrar no programa lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de apoio aos produtores impactados pelo tarifaço. O cacau, como todo o agronegócio baiano enfrenta também desafios históricos, tais como: a seca, a falta de infraestrutura e a insegurança são pontos críticos para a área.
Bahia no cenário global do cacau
Hoje, a região não é apenas produtora, mas referência mundial na produção de chocolate fino. O sul da Bahia ganhou 15 medalhas em competições internacionais, tornando-se a região que mais se destacou no mundo. A aposta em pequenas indústrias que selecionam a fruta, analisam e processam com cuidado mostra que qualidade e tradição caminham lado a lado.
“O produtor precisa se reinventar constantemente para agregar valor e se destacar no mercado global. É um processo histórico, desafiador, mas que demonstra a força e a tradição do cacau na Bahia”, conclui Fernandes.
A produção de cacau exige atenção a fatores climáticos, manejo agroflorestal e inovação constante. As mudanças climáticas tornam o processo ainda mais delicado. Por isso, produtores investem em diversificação e valor agregado: chocolate artesanal, turismo nas fazendas e adoção de métodos orgânicos ou biodinâmicos.
Universidades, institutos federais e órgãos como SEPLAG, UESC e SEBRAE têm papel central na capacitação dos produtores. Fernandes destaca: “O sul da Bahia sempre teve atenção do governo, especialmente nos últimos anos, com estudos, assessorias técnicas e estímulo à inovação. Sem isso, o produtor dificilmente aprenderia a produzir cacau fino de alta qualidade.”
A região desenvolveu o sistema Cabruca, um modelo agroflorestal inovador que combina cultivo de cacau com preservação da Mata Atlântica. “A cabruca é uma invenção nossa e mostra como tradição e sustentabilidade podem andar juntas”, ressalta Fernandes.
Dentre as ações de apoio ao setor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, sem vetos, a Lei 14.877/24, de autoria do deputado baianao Félix Mendonça Júnior (PDT), que institui os selos de produção sustentável Cacau Cabruca e Cacau Amazônia. A medida representa um marco para a economia cacaueira, especialmente no sul da Bahia.
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