Conheça o Orbitz: clube que forma cientistas, cria impacto social e evita evasão escolar na Bahia

O Orbitz, Clube de Ciências criado no Colégio Central, em Salvador, reúne jovens cientistas e tem desenvolvido projetos de ciência sustentável na Bahia

Por Lucas Pereira.

Quando se ouve a palavra “cientista”, boa parte das pessoas pode imaginar uma pessoa de óculos e com um jaleco, que é sua marca registrada. Apesar dessa imagem construída dos filmes hollywoodianos ser a mais comum, no mundo real, as pessoas que fazem e trabalham com a ciência são de diversas formas, tamanhos, cores. Aqui em Salvador, mais precisamente no Colégio Central da Bahia, os cientistas assumem a forma de jovens estudantes com um fervoroso senso social e uma grande sede de conhecimento.

Os quase 30 membros do Clube de Ciências Orbitz são alunos do ensino médio da instituição de ensino, que juntos integram um grupo focado em apreender, experimentar e também empreender, aplicando diversos projetos práticos para situações cotidianas.

Clube de Ciências Orbitz, do Colégio Central, em Salvador. Foto: Arquivo PessoalIdealizado pela professora Fernanda Brito, no meio da pandemia de Covid-19 em 2020, o Clube de Ciências começou como uma ideia despretensiosa, para manter os alunos estudando.

“A ideia surge de trazer os meninos para o estudo no processo da pandemia. Eu queria muito não parar de trabalhar, e aí surgiram três estudantes que queriam continuar estudando. E aí, online, a gente remotamente, começou a trabalhar o tema de astronomia e continuou fazendo esse processo de pesquisa pós-pandemia. [O grupo] Surge como um projeto de estudo e depois ele aumenta o número de integrantes e passa a ser um projeto de clube de ciência”, explica a professora de Química.

Depois do retorno das atividades presenciais, o projeto foi ganhando forma, membros fixos e finalmente foi batizado, como Orbitz — que significa: “Órbita de conhecimento na Geração Z”. E a escolha do nome não poderia ocorrer de maneira mais GenZ, através de uma votação via Whatsapp. Agora, sob a batuta de Fernanda e da professora Valéria Danielly Oliveira, o Clube de Ciência Orbitz reúne quase 30 estudantes do Colégio Central, que participam de 15 projetos de pesquisa diversos. Alguns deles muito promissores e até mesmo premiados em diversas mostras, feiras e competições; ideias que surgiram do olhar atento e apurado de jovens cientistas baianos.

O Clube de Ciências Orbitz é orientado pelas professoras Fernanda Brito e Valéria Danielly Oliveira. Foto: Acervo Pessoal

 

E-Papel: Solução de papel e coco verde

Alguns projetos do Clube Orbitz estiveram expostos durante o Encontro Estudantil da Rede Estadual da Educação, realizado na Arena Fonte Nova nos dias 9, 10 e 11 de dezembro. Exatamente no Stand 576, encontramos a jovem Camille Santana, de apenas 17 anos, explicando, de maneira própria e madura, o que é esse tal de “E-Papel” que ela pesquisou. 

O projeto de pesquisa, iniciado em março deste ano e auxiliado pelas professoras Fernanda e Danielly, é uma “solução de papel e coco verde”, mais precisamente, fibra de coco. Buscando uma alternativa mais sustentável para a produção de papel, a jovem cientista fez alguns experimentos usando outras matérias, mas foi nas várias cascas de coco, vindas dos coqueiros em volta do Colégio Central e de um ambulante nas proximidades da instituição, que a coisa ‘deu liga’.

Camille Santana, membra do Clube Orbitz. Foto: Henrique Costa/Aratu On

A pesquisa da jovem busca ser uma alternativa aos impactos ambientais gerados pela produção de papel e celulose no mundo. Dados da Klabin, uma das maiores empresas do setor, mostram que para a produção de 1 tonelada de papel são necessárias, em média, 20 árvores, normalmente o eucalipto e/ou o pínus, de onde se retira a celulose, matéria-prima para a produção de papéis. Além da derrubada das florestas, o cultivo do eucalipto, quando feito de maneira irregular e sem os cuidados devidos, corroem o bioma nativo, prejudicam a fauna e comprometem a disponibilidade de água.

Dados divulgados pela Indústria Brasileira de Árvores (IBA 2023) e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (2024) mostram que a celulose é o 8º produto mais exportado do Brasil, à frente de café e carne de frango, por exemplo. Algo que reforça a importância do produto e o quanto o mesmo é explorado no nosso território.

Além disso, o E-Papel busca resolver ainda outro problema bem comum em cidades litorâneas como Salvador: o descarte irregular de coco verde. Graças ao projeto, que ainda está caminhando, a produção do material, descrita como “simples”, é uma boa alternativa para o destino das cabaças de coco.

“O benefício que a gente está trazendo é retirar o resíduo orgânico, que é o coco verde, das ruas e utilizá-lo junto com o papel. Fizemos alguns testes de impressão e deu certo. Dá para escrever tranquilamente. É um papel macio para escrever, com boa resistência, ótima gramatura e que cortamos no tamanho A4”, afirmou em entrevista à revista Bahia Faz Ciência, da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti).

Plantação de eucálipto x plantação de coco. Foto: Ilustrativa

Com uma gramatura — densidade ou espessura — razoável, a estudante afirma que o papel à base de fibra de coco pode ser usado para aquarela, cartões, e também como elementos do universo da hotelaria, mundo a qual Camille está inserida graças ao curso técnico em Hospedagem que faz.

“Pode ser usado naqueles porta-chaves de hotel, cartões, placas de ‘não-pertube’, também tem protótipo em bloco de notas. É aproveitar que vários hotéis estão buscando essa marca de sustentabilidade para fazer essas parcerias para distribuir nossos materiais.

Apoiado pela Secretaria de Educação do Estado, o E-Papel já deixou de orbitar Salvador e cidades baianas para ser visto fora do país, no Paraguai, durante o Encontro Sudamericano de Ciencias y Tecnologías, ocorrido em setembro deste ano. O momento, de acordo com Camille, foi “mágico”.

“Foi mágico, estar mostrando o projeto em outro país, com pessoas que eu gosto, meus amigos, foi uma experiência muito interessante. Já havia viajado aqui na Bahia, em Catu. Mas no Paraguai, sendo o Brasil o único país da América Latina não falante do espanhol, foi uma experiência diferente”, contou a jovem, que revelou ter ainda tentado aprender um pouco do idioma vizinho com o ‘Duolingo’, mas que não resolveu tanto. Ao ser perguntada se a língua espanhola foi a maior dificuldade, Camille respondeu de bate-pronto: “Não, a culinária foi mais difícil. Nunca senti tanta falta do nosso acarajé”.

Foto: Henrique Costa/Aratu On

Do mar à moradia: Resíduos marinhos para revestimento sustentável

Deixando o stand do E-Papel, alguns passos adiante, encontramos, no número 616, uma pesquisa bem interessante, que mistura arquitetura e alimentação. Produzida por Guilherme de Jesus, de 16 anos, o projeto produz placas para revestimento residencial utilizando gesso e cascas/conchas de lambretas e caranguejos.

Ao Aratu On, Guilherme e a colega, Marina Aragão, ambos moradores da região de Boa Vista do Lobato, contaram de onde surgiu essa ideia inovadora de reutilizar os restos desses alimentos, muito apreciados na capital baiana.

“Um dia andando ali na Mouraria, que é próximo da escola, quando a gente ia encomendar um bolo, percebemos que tinha um descarte muito grande de lambretas, dos restaurantes. E sendo da periferia, onde as casas não tem fachadas, pisos, tintas, a gente então decidiu unir esses problemas e criar uma só solução, que foi os materiais cerâmicos de baixo custo, sustentáveis e acessíveis para a comunidade”, revelaram.

Guilherme de Jesus e Marina Aragão, do Grupo Orbitz. Foto: Henrique Costa/Aratu On

O Brasil consome anualmente, em média, 10 kg de frutos-do-mar por pessoa, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O cenário mostra que matéria-prima não será problema. Mas por que utilizar lambreta e outros frutos-do-mar? Guilherme conta que as conchas e cascas são ricas em carbonato de cálcio (CaCO₃), elemento muito usado na construção civil para produção de cimento e cal, especialmente para melhorar a resistência e consistência desses materiais; sem falar no acabamento estético que as peças ganham.

Os revestimentos utilizam ainda isopor, para diminuir a quantidade de cimento utilizada no projeto e para auxiliar no controle de temperatura. Um levantamento feito pelo Orbitz mostra que, em média, o preço da peça “comum”, de cerâmica, é de R$ 15; enquanto que a peça de lambreta custa entre R$ 6 e R$ 7.

Foto: Receitas.com

A versatilidade é outro ponto interessante do projeto de revestimento; além das placas, os estudantes já estão realizando protótipos de pias, saboneteiras e outros utensílios. O projeto ainda está em fase de desenvolvimento e graças a uma parceria com a Universidade Federal da Bahia (Ufba), que está auxiliando nos diversos testes, a expectativa dos jovens para 2026 é enorme, pode se vislumbrar até onde o revestimento vai ser usado.

“A ideia é doar essas placas para moradores da Suburbana, porque é a área onde moramos, e é perto do mar, tem a influência da maresia; então a ideia é trazer esse revestimento para essa comunidade”.

Assim como o E-Papel, o projeto de revestimento sustentável possuí apoio da Secretaria da Educação (SEC), e tem participado de diversos eventos no Estado —  como a 22ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) e segunda edição do Congresso Baiano de Iniciação Científica Jr., ocorridos no mês de novembro. Algo que para Guilherme e Marina é fundamental para o crescimento do produto.

“Participar desses eventos nos traz relevância, além de trazer recursos para a gente conseguir a levar o nosso projeto à frente”. 

Foto: Henrique Costa/Aratu On

EcoAbrigos para animais de rua e placas de papel, fibra de coco e gesso

Somando um pouco de cada um dos projetos anteriores surgiu o projeto “EcoAbrigo”, voltado para os animais de rua da capital baiana. De acordo com a jovem cientista Maria Luiza Dantas, de 17 anos, a pesquisa busca desenvolver abrigos ecológicos para animais abandonados, feitos com fibra de coco, gesso e papel reciclável, como alternativa ao uso do cimento.

Maria Luiza Dantas, do Clube Orbitz. Foto: Henrique Costa/Aratu On

Conforme a estudante explica, com a inserção das fibras de coco na mistura, a quantidade de gesso usada é reduzida drasticamente, sem que haja perdas na resistência estrutural do revestimento.

“Há também a diminuição dos custos para a construção civil, já que são utilizados papel e fibra de coco. Além disso, a proposta dialoga com a economia azul, pois a fibra de coco está diretamente relacionada à cultura oceânica e ao consumo de água de coco. As placas ainda contribuem para o conforto térmico dos ambientes, podendo ser aplicadas em forros ou divisórias, tornando a sensação térmica mais agradável”, disse ela ao Bahia Faz Ciência, lançado em outubro.

Também na estruturação dos Ecoabrigos, são usados moldes feitos com palitos de picolé. Segundo dados do projeto, além de leves e resistentes, os abrigos para pets mostraram melhor coesão entre os materiais graças ao aumento nas proporções de fibras de coco acrescentadas à mistura. Com o andamento das pesquisas, Maria Luiza abriu um novo braço no projeto, voltado agora para o revestimento de interiores.

“No começo do projeto, a gente sonha tinha o sonho, as fibras de coco e o desejo de ajudar os animais. Nosso objetivo principal era ajudar os animais em situação de vulnerabilidade que ficam perto do Colégio. Nosso projeto já evoluiu muito ao longo do ano e os planos para 2026 são que a gente consiga evoluir muito mais”.


Foto: Henrique Costa/Aratu On

Investimentos e fomento à ciência

Mais que uma ideia na cabeça e a vontade de experimentar, fazer ciência demanda investimento e recursos, como a própria Fernanda contou; é necessário que as instituições abracem as ideias, mas que haja investimento e financiamento para os projetos de pesquisa.

Na Bahia, muito tem se caminhado nessa direção de fortalecer o estudo científico nas instituições públicas de ensino, especialmente as estaduais e de nível médio. Em dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) aprovou a criação da Lei Programa PopCiência Bahia, que estabelece ações estratégicas para promover o acesso ao conhecimento científico em todo o estado, fortalecendo a popularização da ciência. 

Cinco meses depois, o projeto foi publicado e já pôde contar com um investimento total de R$ 67,3 milhões para pôr em prática os projetos e também a melhoria de espaços e instituições. Dentre as ações destinadas ao científico, estão a implantação de 180 laboratórios maker em todo o estado, tendo começado em Salvador, com a inauguração do Centro Estadual de Educação, Inovação e Formação (CEEINFOR) Mãe Stella, no bairro do Cabula. A iniciativa é um braço do programa “Mais Ciência nas Escolas”, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). 

Laboratório do

Outra iniciativa voltada para o financiamento na área é o edital de Concessão de Bolsas a Coordenadores de Clubes de Ciências, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti).

Com prazo final para o envio dos projetos e propostas até o dia 17 de dezembro de 2025 e divulgação do resultado em março de 2026, a iniciativa vai contemplar até 400 professores da rede pública estadual, responsáveis pela coordenação de Clubes de Ciências em suas unidades escolares, com investimento de R$ 8 milhões. Serão contempladas até 400 propostas, e a distribuição das vagas será dividida entre diferentes modalidades de ensino: 160 bolsas serão destinadas a escolas de tempo integral, 120 para unidades com oferta de educação profissional e tecnológica, e outras 120 para escolas que oferecem o ensino fundamental (segundo ciclo) e/ou o ensino médio em tempo parcial.

Ciência aplicada como transformação do social

Membros do Clube Orbitz durante o Encontro Estudantil da Rede Estadual da Educação. Foto: Arquive Pessoal

São Camilles, Guilhermes, Marinas e Luizas que vão ter a responsabilidade de cuidar e gerir o planeta nos próximos anos, e para que o caminho seguido por eles seja o melhor possível, a educação se faz fundamental. Tanto é que, para estarem no Orbitz, eles são frequentemente lembrados por Fernanda e Danielly de que não podem se desleixar dos estudos ditos normais.

“O clube de ciências não pode ser mais que a sala de aula. A gente olha nota, frequência, para motivar que esse aluno que está no clube, para que ele entenda que o processo de formação principal, é a sala de aula”, conta a coordenadora.

Mais que o fomento à iniciação científica, o projeto, semelhante a muitos outros espalhados pela Bahia, atua também como um “espaço de oportunidade” para manter o estudante na escola, impedindo a evasão escolar, mas também mostrando caminhos e rumos para os jovens em formação.

Como docente e orientadora, a 'pró' Fernanda sonha em que a semente do Clube de Ciências Orbitz seja plantada em mais escolas e que mais locais possam criar projetos parecidos; que mais educadores participem dessa missão científica, e mais pessoas sejam alcançadas.

“A gente enquanto professor é um agente público e de transformação social. Então, se eu trabalho com gente, eu tenho que ter sensibilidade, eu tenho que entender que eu tô trabalhando com sonhos. Tanto que o nosso clube tem um slogan, que é ser um espaço de oportunidade. Porque a gente acredita que se eles [estudantes] abraçam as oportunidades, os frutos virão e darão um retorno para a sociedade”.

 

 

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