Os políticos fazem rinha, a gente paga a conta: o Tarifaço de Trump

Estratégia exige cabeça fria, olhos no futuro e, principalmente, compromisso com quem carrega o país nas costas — o cidadão comum. Eu, você, nós, que estamos fora dos gabinetes. Rezando para não termos nossas vidinhas atrapalhadas pelos fanfarrões

Por Pablo Reis.

Ah, Brasil. Terra de oportunidades sem limites, de um povo criativo e resiliente. E também, infelizmente, terra onde a política, em sua pior faceta, parece ter um talento especial para encher o saco do cidadão comum e atrapalhar o bom andamento dos negócios. Na terça, em entrevista ao Linha de Frente da Antena 1, o empresário baiano Roberto Valverde, reproduzia uma frase que já ouvi de muitos empresários: "se a política não me atrapalhar, já está me ajudando"

Não é mera lamentação, é estatística emocional do cotidiano. É um hino que reflete o enorme cansaço de quem tenta empreender - ou simplesmente viver - e percebe que as intrigas palacianas e as disputas internacionais, muitas vezes com pretextos obscuros, se traduzem em aumentos de preços, menos empregos e um futuro mais incerto.

Valverde falou na terça, no dia seguinte, a bomba explodiu. Uma artilharia de onde não se esperava, ou melhor, do “inimigo” que mais se temia: os Estados Unidos. O presidente Donald Trump, em uma decisão unilateral, anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os EUA, com entrada em vigor a partir de 1º de agosto. O que já era uma relação comercial importante, mas complexa – os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com um fluxo de cerca de US$ 80 bilhões anuais, e inclusive mantiveram um superávit de US$ 200 milhões com o Brasil por mais de 15 anos – virou um verdadeiro desastre diplomático e econômico.

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O pretexto político e o abismo econômico

Trump justificou o tarifaço com alegações de uma "relação comercial injusta" e, pasmem, ataques diretos à política interna brasileira, criticando o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF e as decisões contra empresas americanas de tecnologia por "ataques à liberdade de expressão". Uma cortina de fumaça política para uma medida que economistas consideram "sem fundamento econômico" e um "exercício de geopolítica imperial". A Confederação Nacional da Indústria (CNI) foi enfática: "Não existe qualquer fato econômico que justifique uma medida desse tamanho".

É muito difícil considerar que o homem da Casa Branca “would move heaven and earth” por causa de político A ou B. Embora o político B esteja citado logo no primeiro parágrafo da carta a Lula, é mais legítimo acreditar em pragmatismo, não que ele esteja tomando as dores da família Bolsonaro. Trump está se precavendo contra a movimentação do BRICS, cuja reunião no Rio de Janeiro teve como tema tirar o dólar do posto de moeda oficial das transações internacionais. 

Está também mandado recado sobre ações na justiça contra as big techs americanas (inclusive, em território americano). A tarifa é retaliação camuflada. Política externa com sotaque de guerra econômica.

O governo Lula responde com a chamada Lei da Reciprocidade Econômica, reafirmando que o Brasil "não aceitará ser tutelado por ninguém". Soberania é preciosa. Mas também é cara. No mesmo dia, o dólar disparou para R$ 5,6213, o Ibovespa recuou, e o IPCA de junho já estourou a meta, acumulando 5,35% em 12 meses. Ou seja, a inflação, essa velha conhecida que corrói o poder de compra do brasileiro, tende a se agravar.

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Cadeias de suprimento em frangalhos e setores estratégicos abalados

No chão da fábrica e do campo, o estrago é mais que simbólico. O tarifaço ameaça apagar os Estados Unidos do radar de muitos exportadores brasileiros. A Bahia também gera negócios que podem ser gravemente afetados, nos setores do agro, siderurgia, e celulose. Especialistas apontam que a medida equivale a um "fechamento de mercado". Pense em setores como:

AGRONEGÓCIO: Embora o Brasil tenha exportado US$ 11,2 bilhões em produtos agropecuários para os EUA em 2023, a carne bovina é um dos mais afetados. Os EUA foram o segundo maior comprador de carne bovina brasileira em 2024, importando 229 mil toneladas que geraram US$ 1,35 bilhão. A medida "diminuirá a competitividade da carne brasileira" e pode derrubar os preços no mercado interno, afetando produtores e gerando sobreoferta. Café, suco de laranja (os EUA são destino de 40% das exportações brasileiras) e frutas também estão na mira. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) já manifestou preocupação, alertando para "impactos no câmbio, no aumento do custo de insumos importados e na competitividade das exportações brasileiras".

INDÚSTRIA: Produtos como aço, alumínio, petróleo, e máquinas estão na lista dos mais exportados. A Embraer, gigante da aviação, é apontada como a principal companhia brasileira afetada, com cerca de 60% de sua receita dependendo dos EUA. Analistas estimam um impacto potencial de US$ 220 milhões no lucro operacional da Embraer em 2025, ou uma redução de 5 a 6 pontos percentuais na margem Ebit com a tarifa de 50%. O setor siderúrgico, que exportou US$ 4,1 bilhões para os EUA em 2024 (60% do total de aço embarcado), pode ver uma redução de até US$ 0,7 bilhão em suas exportações. Na indústria, a bomba é ainda mais precisa.

A incerteza já está paralisando negociações de fusões e aquisições entre empresas brasileiras e americanas. O professor Roberto Goulart Menezes, da UnB, alerta para o "desemprego no Brasil" e a "diminuição da entrada de dólares no país, o que é muito grave". A região Nordeste, com destaque para os estados da Bahia, Ceará e Maranhão, tem negócios da ordem de R$ 16 bilhões ao ano. E eles podem ser significativamente afetados, de acordo com projeção da Sudene. 

Projeções do banco de investimentos Goldman Sachs indicam um impacto negativo de 0,3 a 0,4 ponto percentual no PIB brasileiro, se as tarifas forem duradouras. Cenários hipotéticos do Bradesco preveem desde uma redução de US$ 2 bilhões nas exportações com reciprocidade de tarifas, até uma depreciação cambial de 4% e um aumento de 0,25 p.p. no IPCA caso os EUA apliquem uma tarifa generalizada de 25%. Em um cenário de escalada com retaliação brasileira, o IPCA poderia subir até 0,55 p.p.. No momento, isso equivaleria não a um míssil contra a Faria Lima, mas uma bomba nuclear contra o já ameaçado poder de compra do brasileiro médio. 

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A Política que nos afasta da prosperidade

Este tarifaço é mais um lembrete contundente de como a política, quando dominada por disputas vazias e interesses que nada têm a ver com o bem-estar da população, se torna um fardo insuportável. Para o cidadão comum, seja ele o pequeno empresário lutando contra a burocracia do dia a dia, ou o assalariado que vê o carrinho de mercado minguando com o mesmo dinheiro deixado no caixa, pouco importa se Trump ou Lula estão "certos" na retórica diplomática. O que importa é o pão na mesa, a garantia do emprego e a previsibilidade para planejar a vida.

Nosso país já sofre com uma overdose de burocracia que "trava a roda da economia". O Brasil ocupa a posição 124 no ranking Doing Business do Banco Mundial em facilidade de fazer negócios, e a 184ª em pagamento de impostos, quase o último colocado. Empreendedores gastam em média 180 horas por ano só com burocracia, e 1.502 horas com o pagamento de impostos. Cada revés político é um empurrão em direção ao abismo das armadilhas burocráticas.

Como se não bastasse, as altas taxas de juros e o escasso acesso ao crédito já são entraves gigantescos para quem tenta tirar um negócio do papel. Por aqui, empreender é para os fortes - é um esporte de resistência.

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Quando o cenário político e as relações internacionais se transformam em um espetáculo de "chantagem" e "megalomania", com decisões que "não têm fundamento econômico", a conta sempre chega ao bolso do contribuinte e à vida de quem gera riqueza e emprego. O desastre diplomático e as tensões políticas se transformam rapidamente em uma crise comercial com impactos reais em empregos e preços. 

Vá tentar explicar essas cartas e memorandos para quem acorda cedo, produz, emprega e tenta manter o CPF limpo.No final das contas, as brigas dos políticos só favorecem a eles mesmos, e o povo é quem paga o pato - ou melhor, o IOF, o COFINS, o PIS, o IPI... 

A conta não vem com carimbo de Washington nem com selo do Planalto. Vem no boleto da energia, na inflação do supermercado, na retração do crédito. Enquanto isso, seguimos exportando carne, café e criatividade — esta última, talvez, nossa commodity mais subestimada. O povo brasileiro é resiliente, sim. Mas a resiliência não é um combustível infinito. É hora de sair do jogo das birras diplomáticas e entrar na arena da maturidade política.

Porque, no final das contas, soberania não é grito. É estratégia. E estratégia exige cabeça fria, olhos no futuro e, principalmente, compromisso com quem carrega o país nas costas — o cidadão comum. Eu, você, nós, que estamos fora dos gabinetes. Rezando para não termos nossas vidinhas atrapalhadas pelos fanfarrões. 

 

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