Orçamento secreto: Salvador não detalha gastos com emendas de vereadores
No orçamento municipal, a prefeitura apresentou, para 2025, previsão de R$ 51,6 milhões para emendas, mas não divulga detalhes sobre execução; Palácio Thomé de Souza nega irregularidades
Por Matheus Caldas.
A prefeitura de Salvador apresentou, para 2025, previsão orçamentária de R$ 51,6 milhões para custos com emendas parlamentares destinadas a vereadores. Apesar da estimativa milionária, não há disponibilização de mecanismos formais para que os cidadãos acompanhem os gastos.
O Aratu On tenta, desde 2023, obter detalhamento dos gastos da prefeitura com emendas parlamentares, instrumentos que permitem aos vereadores indicar a destinação de recursos do Orçamento do município para suas bases eleitorais. A prefeitura, por meio da Secretaria de Governo (Segov), atribui à Câmara a responsabilidade de divulgar os dados, e vice-versa.
Segundo a Lei Orçamentária Anual de 2025, sancionada pelo prefeito Bruno Reis (União), cada um dos 43 vereadores eleitos tem, neste ano, R$ 1,2 milhão em emendas parlamentares – R$ 300 mil devem ser destinado para educação, R$ 180 mil para Saúde, e R$ 720 mil para gastos diversos.
Em nota, a prefeitura de Salvador nega a existência de “orçamento secreto” em relação às emendas de vereadores. Leia na íntegra: "A Prefeitura de Salvador nega veementemente que haja “orçamento secreto” em relação às emendas de vereadores e informa que não há qualquer irregularidade em relação a elas. Todo o processo é feito com transparência. É importante destacar que não existe na capital baiana uma legislação que trate das emendas. Portanto, elas são fruto de acordo entre os Poderes Executivo e Legislativo. Justamente por isso, elas não são discriminadas na peça orçamentária e vão direto para a execução".
Orçamento secreto na Câmara de Salvador
Como não há endereços formais nos sites municipais para que os soteropolitanos acompanhem os gastos com emendas parlamentares, o Aratu On tentou, em duas ocasiões, em 2023 e 2025, obter os dados via Lei de Acesso à Informação, um mecanismo na legislação federal que obriga o Poder Público a fornecer acesso e transparência a informações públicas.
Apesar da tentativa, a reportagem não obteve sucesso. Em todas as tentativas, Câmara e prefeitura dizem que a responsabilidade não é delas.
Na visão do advogado Pedro Cravo, pós-graduado em Direito Municipal pela Ucsal, Legislativo e Executivo cometem irregularidades ao não disponibilizar as informações à sociedade. “A falta de acesso a informações detalhadas sobre execução e a indicação das emendas parlamentares viola diretamente os princípios da publicidade e da transparência, fundamentais à administração pública”, avalia, em entrevista ao Aratu On.
Cravo destaca que, por se tratarem de recursos públicos, gastos com emendas parlamentares deveriam ser apresentados de maneira facilitada à população.
Segundo o advogado, a responsabilidade é compartilhada entre Câmara e prefeitura. Ao Legislativo, cabe a disponibilização sobre as indicações das emendas. A prefeitura, diz Cravo, deveria divulgar dados sobre as execuções com fornecedores, serviços e onde os projetos foram realizados.
“A prática de uma instituição pública atribuir a outra a responsabilidade pela transparência é o indicativo de que há falta na coordenação e cumprimento na Lei de Acesso à Informação”, adverte.
Para o professor de Direito Administrativo Luciano Chaves, secretário-geral do Tribunal de Contas do Estado (TCE), prefeitura e Câmara devem resolver a situação. “Se a sociedade e os órgãos de controle não têm acesso sobre onde estão sendo aplicados essas verbas públicas que estão indo através do orçamento do parlamentar, como vai se controlar isto?”, questiona.
Ele relembra os casos do orçamento secreto no Congresso, que ganharam notoriedade na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cujas informações ocultas foram alvos do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que houvesse publicização de detalhes dos recursos destinados aos deputados e senadores.
“Não é uma verba privada, é uma verba pública. A natureza continua a mesma e, como tal, tem que obedecer aos parâmetros constitucionais, dentre eles o princípio da transparência, da publicidade, da impessoalidade e da moralidade”, destaca.
Chaves alerta, também, que pode haver punições ao município e ao Legislativo, como desaprovação das contas no âmbito dos tribunais de contas. "Caso continue sendo negado ou empurrado um para outro, as cortes podem tomar providência sanatórias, impondo multa por sonegação de informação. Isto está previsto nos tribunais", explica.
Orçamento secreto pode ser punido?
Em nota, o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) diz que a omissão na divulgação de dados orçamentários e financeiros configura “irregularidade grave, passível de punição”.
“A publicidade dos atos de execução orçamentária é dever constitucional compartilhado entre quem gasta (Executivo) e quem fiscaliza (Legislativo). Portanto, tem obrigação legal a Prefeitura e a Câmara de Vereadores de dar transparência aos valores das “Emendas Pix” aprovadas e executadas”, diz trecho do posicionamento do TCM.
A Corte aponta, ainda, que pode instaurar processo de auditoria especial ou inspeção para apurar se houve efetiva infração no dever de divulgação administrativa. Os gestores responsáveis pela divulgação das informações podem pagar multa por omissão no dever de transparência.
Nos casos mais graves, o TCM diz que pode emitir parecer ou acórdão pela rejeição das contas anuais do prefeito e do presidente da Câmara. A Corte alerta que a situação pode levar a Justiça Eleitoral a declarar a inelegibilidade de ambos.
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) ressalta que a não publicização das emendas parlamentares pode configurar ato de improbidade administrativa, “desde que configurado o dolo específico do gestor de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”.
O órgão ministerial indica que pode mediar a resolução do impasse por meio de termos de ajustamento de conduta entre Câmara e prefeitura.
O MP também ressalta não haver jurisprudência que defina qual instância municipal é responsável por publicizar informações referentes à execução das emendas orçamentárias. No entanto, nos âmbitos federal e estadual, as secretarias da Fazenda têm divulgado estas informações. Para a instituição, “por simetria, poderia se entender que compete à Secretaria Municipal da Fazenda a divulgação das informações”.
A reportagem acionou o MP-BA em junho deste ano para obter acesso às execuções e indicações de emendas parlamentares em 2025. O processo encontra-se em fase de investigação interna do órgão ministerial desde o dia 8 de julho.
O que se sabe sobre as emendas parlamentares em Salvador?
O valor, para 2025, se manteve o mesmo com relação a 2024: R$ 51,6 milhões. A prefeitura reajustou o orçamento no ano passado, em razão da eleição, em 20%. Anteriormente, o valor era de R$ 43 milhões.
Segundo apuração do Aratu On, a expectativa é que a liberação das emendas seja mais tímida neste ano. De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, o prefeito Bruno Reis (União) tem sido mais rígido com as contas públicas neste ano.
Os parlamentares esperam que, em 2026, a prefeitura facilite a destinação de emendas para que os vereadores abasteçam suas bases eleitorais, sobretudo aqueles que irão se candidatar para deputados federal ou estadual.
Siga a gente no Insta, Facebook, Bluesky e X. Envie denúncia ou sugestão de pauta para (71) 99940 – 7440 (WhatsApp).