Overclean: o que são emendas parlamentares e por que viraram alvo de desvio

Emenda Pix, Emenda de Relator...saiba o que é e onde mora a obscuridade nas emendas parlamentares que permitem esquemas de desvios como da Overclean

Por João Tramm.

A quarta fase da Operação Overclean, deflagrada pela Polícia Federal na última sexta-feira (27), trouxe novamente para o centro do debate o uso e o destino das chamadas emendas parlamentares — um instrumento legítimo do orçamento público que, no entanto, tem sido cada vez mais associado a esquemas de desvio de verbas públicas, como apontam os investigadores.

De acordo com a Polícia Federal, o deputado federal Félix Mendonça Júnior (PDT), teria direcionado R$ 9,2 milhões em emendas parlamentares para as cidades de Boquira, Ibipitanga e Paratinga, onde teriam ocorrido manipulação de licitações e pagamento de propina para liberação desses recursos. Os prefeitos dessas cidades — Humberto Raimundo (PT) e Alan França (PSB) — foram afastados por participação no esquema.

Mas afinal, o que são essas emendas e por que se tornaram um terreno fértil para fraudes?

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Overclean: o que são emendas parlamentares e por que viraram alvo de desvio

O que são emendas parlamentares e onde mora a obscuridade

Em entrevista ao Aratu On, o professor de Direito Constitucional e cientista político, Geovane Peixoto, explicou que as emendas parlamentares são instrumentos que permitem a deputados e senadores indicarem a destinação de recursos do Orçamento da União para suas bases eleitorais. Segundo ele, essas emendas podem ser individuais, de bancada, de comissão ou mesmo do próprio governo. 

O professor criticou a banalização do uso das e alertou que a ausência de controle efetivo contribui para que parlamentares transfiram recursos para prefeituras aliadas, que podem desviar o dinheiro com pouca fiscalização. 

“As emendas ‘Pix’ viraram um instrumento de levantamento de verba sem amarras. O parlamentar simplesmente escolhe para onde vai o recurso, sem apresentar um projeto técnico, uma justificativa. Isso esvazia totalmente o controle e enfraquece a transparência. O que vemos é um uso cada vez mais arbitrário e politizado dessas verbas”, afirmou o professor.

Embora o termo “emenda Pix” tenha ganhado popularidade, por se referir à agilidade e informalidade com que os recursos são transferidos, Peixoto prefere não usar essa expressão. “É imprecisa e desvia a atenção do verdadeiro problema: a deformação institucional do processo orçamentário no Brasil”, pontua.

Ainda há também as emendas do relator, que são um tipo específico de destinação de recursos previsto no chamado Orçamento Impositivo, em vigor desde 2020. Elas permitem que o relator da Lei Orçamentária Anual inclua indicações de gastos que devem ser obrigatoriamente atendidas pelo governo federal. Tecnicamente, esse tipo de emenda é classificado como RP-9, o que as diferencia das emendas individuais ou de bancada

“Não podemos dizer que todas são usadas de forma indevida, claro. Há parlamentares sérios que destinam verbas importantes, como para universidades e hospitais. Mas a falta de transparência e controle facilita muito o uso político e, em alguns casos, corrupto dessas emendas”, acrescentou.

Foto: Marcello Casal Jr. | Agência Brasil

Revisão do instrumento é necessária, avalia professor

Já o professor de Direito Administrativo José Neto, também ouvido pela reportagem, defendeu uma revisão no modelo de emendas parlamentares. “Se elas são eticamente adequadas ao nosso ordenamento jurídico, tem que ter uma reflexão já que estão tendo tantos indícios do seu mau uso”, pontuou.

O professor também alertou para a forma mais recorrente de desvio envolvendo emendas: o envolvimento de empresas com interesses diretos nas verbas públicas, por meio de arranjos com políticos.

“A forma mais comum é que empresas privadas, às vezes, tenham algum interesse e acabem de alguma maneira, ou pagando propina, ou fazendo algum tipo de acerto para que essas emendas saiam e vão para uma determinada finalidade e que de alguma maneira vão beneficiá-las. Afinal, pegar esse dinheiro da emenda e botar no bolso diretamente, qualquer fiscalização no Tribunal de Contas usual pegaria esse tipo de conduta”, explicou.

Falta de transparência favorece fraudes, diz STF

A falta de controle sobre as emendas individuais tem preocupado também o Supremo Tribunal Federal. O ministro Flávio Dino, relator de ações sobre o orçamento secreto, propôs medidas para restringir a liberação de emendas sem justificativa. Para Geovane Peixoto, a atuação do ministro é correta e necessária.

“O ministro Flávio Dino está certo ao tentar glosar (bloquear) a liberação dessas verbas quando não houver transparência ou parâmetros objetivos. Essa medida busca justamente resgatar o mínimo de racionalidade e responsabilidade no uso do dinheiro público”, declarou.

A origem do atual modelo de emendas foi uma negociação política durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que aprovou uma emenda constitucional ampliando o poder do Legislativo sobre o orçamento. A medida visava garantir apoio do Centrão, mas, na prática, reduziu a autonomia do Executivo e aumentou a influência direta de parlamentares sobre o destino de bilhões em recursos públicos.

“Essa negociação política com o Centrão resultou num Executivo enfraquecido e num Legislativo inchado de poderes orçamentários, sem os devidos freios. É a receita da tragédia”, finalizou.

Flavio Dino

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