Governo reabre investigação sobre morte de Juscelino Kubitschek
Revisão do caso busca esclarecer controvérsias sobre acidente ocorrido em 1976 e analisar novos laudos periciais
Por Da Redação.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) decidiram reabrir as investigações sobre o acidente de 1976 que resultou na morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek. A medida ocorre em meio a questionamentos sobre a versão oficial do caso, sustentada desde a ditadura militar. A informação é do jornal Folha de S. Paulo.
A decisão será debatida em reunião da CEMDP marcada para esta sexta-feira (14), no Recife. O colegiado, recriado pelo atual governo após ter sido extinto durante a gestão de Jair Bolsonaro, deve aprovar a reanálise do episódio, que há quase 50 anos levanta dúvidas entre historiadores e especialistas.
De acordo com os registros oficiais, em 22 de agosto de 1976, o Chevrolet Opala que transportava JK e seu motorista, Geraldo Ribeiro, colidiu frontalmente com uma carreta na Rodovia Presidente Dutra, próximo ao km 165, no sentido Rio de Janeiro. A investigação conduzida pelo regime militar concluiu que o veículo teria sido atingido por um ônibus da Viação Cometa antes da colisão fatal, levando à perda de controle. Essa mesma tese foi reforçada por uma comissão externa da Câmara dos Deputados em 2001 e pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) em 2014.
![Ex-presidente Juscelino Kubitschek | Foto: Gervásio Baptista](https://adm.aratuon.com.br/assets/0c49a370-bda9-4899-b666-a6055d5f8387.jpg?width=1280&format=webp&)
Ex-presidente Juscelino Kubitschek | Foto: Gervásio Baptista
Contudo, outras apurações apontam indícios de que JK pode ter sido vítima de um atentado político. Relatórios de Comissões da Verdade estaduais, com o apoio de pesquisadores da USP e do Mackenzie, sugerem que não houve batida entre o Opala e o ônibus e que o veículo pode ter sido sabotado, sofrido um ataque externo ou que o motorista tenha sido envenenado antes do acidente.
O Ministério Público Federal (MPF) também questionou a versão oficial. Um inquérito civil conduzido entre 2013 e 2019 apontou que não há elementos suficientes para afirmar ou descartar a hipótese de atentado. O procurador Paulo Sérgio Ferreira Filho destacou falhas severas nas investigações conduzidas pelo Estado brasileiro e apontou inconsistências no processo que absolveu o motorista do ônibus, Josias Oliveira. Em depoimento de 2013, Oliveira afirmou ter recebido uma oferta em dinheiro, cinco dias após o acidente, para assumir a culpa.
Um dos principais elementos que motivaram a reabertura do caso foi um laudo pericial produzido pelo engenheiro e perito Sergio Ejzenberg, especialista em transportes. O documento, concluído em 2019 e tornado público dois anos depois pelo MPF, questiona a versão da colisão e rejeita a hipótese de que o ônibus da Cometa tenha causado o desastre. Para o procurador Ferreira Filho, essa perícia é "peça-chave" para uma nova compreensão dos fatos.
A reabertura do caso foi solicitada pelo ex-vereador paulistano Gilberto Natalini, que presidiu a Comissão Municipal da Verdade de São Paulo. O pedido foi acolhido por Nilmário Miranda, chefe da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos, e recebeu apoio da presidente da CEMDP, procuradora Eugênia Gonzaga, além da maioria dos membros do colegiado. Segundo o governo, a revisão do episódio tem como objetivo o esclarecimento da verdade histórica, sem implicações indenizatórias.
Alguns aspectos do caso, no entanto, podem ser impossíveis de esclarecer. O laudo de Ejzenberg afirma que "a suspeita de sabotagem mecânica [do Opala de JK] não era infundada", mas que a destruição do veículo pelos investigadores da ditadura inviabilizou uma análise detalhada. Além disso, as perícias médicas realizadas na época não incluíram exames toxicológicos para substâncias além do álcool, impossibilitando a verificação de possível intoxicação ou envenenamento de Geraldo Ribeiro.
Outro ponto controverso diz respeito ao depoimento do motorista da carreta envolvida na colisão, que relatou que Ribeiro parecia desfalecido antes do impacto. Em 1996, durante uma exumação, o perito Alberto Carlos de Minas afirmou ter identificado um orifício compatível com um tiro no crânio do motorista e um pequeno objeto metálico dentro do caixão, que alguns especialistas consideram semelhante a uma bala. Outros peritos, no entanto, alegam que o objeto se tratava de um prego.
![Comissão Nacional da Verdade reforçou tese de que JK morreu em acidente |Antonio Cruz/Agência Brasil](https://adm.aratuon.com.br/assets/be83ab44-460f-43ce-a503-cc1d7b908faa.webp?width=1280&format=webp&)
Comissão Nacional da Verdade reforçou tese de que JK morreu em acidente |Antonio Cruz/Agência Brasil
Juscelino Kubitschek era uma figura política de oposição à ditadura militar e um dos líderes da Frente Ampla, movimento que reunia ex-presidentes e outras lideranças contrárias ao regime. Segundo documentos revelados pelo jornalista Jack Anderson no *The Washington Post*, JK foi citado como uma "ameaça à estabilidade" em correspondências da polícia secreta chilena ao Serviço Nacional de Informações (SNI) do Brasil. A Operação Condor, articulação entre governos ditatoriais da América do Sul para eliminar opositores, assassinou diversas lideranças políticas, incluindo o diplomata chileno Orlando Letelier, morto em um atentado em Washington no mesmo ano da morte de JK.
Para a advogada Lea Vidigal, integrante da equipe que investigou o caso na Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, a ausência de provas conclusivas não exime o Estado brasileiro de responsabilidade. "As provas que demonstrariam que ele foi assassinado foram destruídas e ocultadas. Neste cenário, juridicamente inverte-se o ônus da prova contra o Estado", afirmou Vidigal. "Não é a vítima que tem que provar que foi assassinada. Num regime de exceção que perseguia e matava opositores e que ocultou as provas, é o Estado que tem que provar que é inocente."
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