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Pesquisas e especialistas apontam perigos da 'romantização da rotina corrida'

Segundo psicólogo, idealização de rotinas com muitos afazeres pode estimular problemas para a saúde mental, como ansiedade e angústia

Por Da Redação

Pesquisas e especialistas apontam perigos da 'romantização da rotina corrida'Reprodução/ Freepik
Quem nunca se culpou por estar “fazendo nada” só por ter um momento livre para usar consigo mesmo? Pois é, esse é o efeito da “romantização da rotina corrida”. O fenômeno se dá pela sensação de as pessoas de que precisam estar trabalhando, estudando, arrumando a casa ou cuidando das crianças o tempo todo. E nunca descansando ou usando o tempo para fazer o que realmente gosta. No entanto, essa romantização pode causar grandes problemas. É o que apontam pesquisas e também o psicólogo Cláudio Melo, ouvido pelo Aratu On.
“É inegável que vivemos em um mundo cada vez mais tenso e ocupado. Paradoxalmente, apesar dos avanços na medicina que nos proporcionam maior longevidade e da tecnologia que acelera as respostas no trabalho e na vida cotidiana, não temos mais tempo para viver plenamente. Ao contrário, encontramo-nos imersos em ocupações e com menos tempo para a vida” , explica o psicólogo.
SAÚDE MENTAL
De acordo com Cláudio, o aumento da ansiedade e dos sintomas de angústia podem ser consequências das demandas da sociedade que aumentam rapidamente. A sociedade, avalia o profissional de saúde, está interagindo menos, o que causa diversas consequências negativas, principalmente para a saúde mental. “Vivemos em nossas próprias bolhas, interagindo mais com máquinas do que com o mundo ao nosso redor - é como se estivéssemos presos em uma realidade simulada, uma Matrix”, analisa Cláudio.
De acordo com o Relatório Anual do Estado Mental do Mundo, divulgado em março, o Brasil está em terceiro lugar de pior índice de saúde mental, ficando atrás apenas da África do Sul e do Reino Unido. Outra pesquisa feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou que 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica, o maior percentual do mundo.
O ator Pedro Chrysostomo conta que chegou à exaustão laboral quando trabalhava com atendimento ao público em uma empresa de telemarketing. Pedro trabalhava seis dias por semana, com jornadas de seis horas diárias. Em abril deste ano, ele saiu da empresa. “Senti uma ausência de movimentação na semana, mas entendo que precisava muito de um descanso, pois era um ambiente que precisava da nossa presença e tem pessoas que não tem psicológico suficiente para lidar com as questões
Em 2019, uma pesquisa divulgada pela International Stress Management Association (ISMA) informou que 32% da população economicamente ativa sofria com sintomas da síndrome de burnout. De acordo com o psicólogo Cláudio Melo, a síndrome geralmente apresenta sintomas depressivos e ansiosos, principalmente relacionados ao trabalho, mas que podem se estender para outras áreas da vida. Isso pode levar à incapacidade temporária no trabalho e na vida social.
“[Nesses casos], a intervenção adequada pode prevenir novos casos, visto que o burnout está intimamente ligado à saúde do ambiente de trabalho”, afirma o psicólogo. Com uma longa carga horária, Pedro sentia muito cansaço mental e físico e a única coisa que ainda lhe dava ânimo era o esporte e o teatro. Quando saiu do emprego, percebeu que o teatro poderia dar uma cor ao dia dele e decidiu investir nessa área que traz uma experiência única em sua vida.
 Reprodução Pedro Chrysostomo
“O teatro é uma ferramenta boa para muita coisa na vida. No momento que pisei os pés no teatro, percebi que a sensação era mágica. O teatro não só melhorou a minha saúde mental, emocional, espiritual, física, mas também a minha disposição”, conta o ator.
HISTÓRIA DO TRABALHO
Apesar de a exaustão provocada pelo excesso de trabalho ser danosa à saúde mental das pessoas, como indicam o psicólogo Cláudio Melo, a pesquisa da ISMA e o relato de Pedro, rotinas exaustivas continuam sendo romantizadas. Mas, por que o trabalho se tornou alvo dessas idealizações ao longo da história da humanidade?
De acordo com o artigo "O trabalho e sua ressignificação ao longo da história", da advogada formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Ana Amélia Sousa, o trabalho está na humanidade desde a época da pré-história, quando ele servia à sobrevivência do Homo sapiens. “A caça e a coleta foram os primeiros modos de subsistência do Homo sapiens, que tinha como instinto retirar da natureza seu sustento, imersos numa rotina nômade”, explica a advogada no texto.
Com o tempo, a humanidade descobriu a agricultura e se tornou mais sedentária. Na Grécia antiga, destaca a pesquisadora, o trabalho era algo desvalorizado, feito por escravos, devedores ou prisioneiros de guerras. O tempo livre, explica Ana Amélia, era considerado mais digno do que o trabalho. “Logo, o ócio seria um estado do ser – o estado de estar livre da necessidade de trabalhar e ter a possibilidade de dedicar-se às ideias e ao espírito”.
Segundo o artigo, na Idade Média, na Europa, a ideia de trabalho se manteve negativa, ligada a ideias católicas de castigo, sofrimento e penitência do homem. “É com o Renascimento que surge a concepção de que o trabalho é inerente ao homem”, diz Ana Amélia. Foi nesse período que a religião protestante trouxe uma nova visão sobre o trabalho. “Os protestantes consideravam a dedicação ao trabalho como uma virtude e essa visão ajudou o capitalismo a ter sucesso”, afirma a advogada, citando o filósofo Max Weber.
Desde então, essa concepção se fortaleceu em todo o mundo ocidental. “Dissemina-se, portanto, a noção de que o trabalho é a condição preponderante (e socialmente aceita) do ser humano realizar-se”, elabora o artigo.
LEIA MAIS: ‘Burnout materno’, ansiedade e depressão: psiquiatra fala sobre transtornos mentais que acometem mães
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