Gastronomia

A defesa dos quatro cães (leia até o final para entender)

Colunista On: Chef Caco MarinhoTem a missão de tornar mais acessível para todos os alimentos bons, limpos e justos
A defesa dos quatro cães (leia até o final para entender)

Crédito da foto: Pixabay

 


Sei que já há muita coisa escrita sobre o açúcar por aí e sei que isso pode parecer repetitivo para você, mas, insisto, isso ainda é necessário. Extremamente necessário. Daí, trago também algumas curiosidades para que a leitura seja mais interessante. 


Foi da Nova Guiné o primeiro registro sobre a origem da cana-de-açúcar. De lá, a planta foi para a Índia. Passou pelas Cruzadas. Os árabes introduziram seu cultivo no Egito, onde fizeram o primeiro açúcar. Pelo Mar Mediterrâneo, acabou chegando em Chipre, na Sicilia, na Espanha e, enfim, em Portugal. Cristóvão Colombo, genro de um grande produtor de açúcar da Ilha de Madeira, introduziu o plantio da cana na América. Mas, foi Martim Afonso de Souza que, em 1532, trouxe para cá a primeira muda da planta, iniciou o cultivo e construiu o primeiro engenho daqui.


Nas Capitanias de Pernambuco e Bahia, os engenhos se multiplicaram. E as histórias desse tempo remontam às bizarrices e tragédias do coronelismo e da escravidão. Infelizmente, duas realidades presentes, de alguma forma, até hoje.  


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Crédito/Pexels


 

O preço do açúcar já foi o do ouro. Presente de reis. E já foi, também, energético barato, para aumentar a produtividade na Revolução Industrial Europeia . 

Em meados de 1700, descobriram que a beterraba também possuía sacarose. A produção do açúcar seria possível, enfim, em terras de clima temperado. 


No início do século XIX, a Inglaterra bloqueou rotas com o Caribe deixando os franceses sem açúcar. Napoleão, então, conheceu  esse potencial da beterraba e investiu pesado nisso. 


Hoje, cerca de 70% do açúcar no mundo vem da cana, e 30% da beterraba. 


O da beterraba tem aroma terroso e sabor residual de açúcar queimado, enquanto o de cana tem sabor mais doce e aroma frutado.


Mas, em termos de saúde, não importa. São todos iguais quando o assunto é falta de nutrientes e sobra de calorias, e isso não quer dizer que, depois desse texto, você não vai mais poder comer daquela torta que você gosta tanto. É só um alerta para a uma opção de qualidade e para o consumo consciente. Entre um refinado e um mascavo, escolha o mascavo. E coma frutas. O açúcar sabe muito bem onde nos toca a afetividade e, em abstinência, sem comer o doce saudável, terminamos vítima do impulso e do pior açúcar. 


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Crédito: Pexels

 


Massas, biscoitos, bolos, pães. Carboidratos. É tudo açúcar, no final. Além disso, ele também é adicionado em muitos alimentos processados e nos seus rótulos, encontramos alguns dos seus muitos nomes, o que nos confunde deveras: mel, frutose, glucose, maltodextrina, xarope de milho, malte, açúcar invertido, etc. Até o tabaco inglês tem açúcar.


Por que essa chateação toda de açúcar isso, açúcar aquilo? Porque o seu consumo excessivo, seja ele qual for, continua sendo das principais causas de obesidade e de doenças crônicas que correspondem a 74% das mortes no Brasil. Diabetes, doenças cardíacas e alguns tipos de câncer são as mais comuns. Só por isso mesmo. E olha, que nem falei do mal que faz aos dentes.


A OMS (Organização Mundial de Saúde), recomenda 25g ou 6 colheres de chá como dosagem máxima diária e afirma que o brasileiro é o quarto maior consumidor de açúcar do mundo. O Ministério da Saúde informa que aqui consumimos algo em torno de 80g, umas 18 colheres de chá. A maior parte entra nos nossos organismos, não pelo açúcar de mesa, mas pelas bebidas adoçadas. Os refrigerantes, chás, sucos, energéticos, isotônicos, bebidas lácteas, etc. As pessoas tendem a fazer suas escolhas com base na conveniência e na acessibilidade.


Mas, se faz mal, por que consumimos tanto? Porque dá barato. E VICIA. O problema do vício do açúcar deveria ser uma prioridade da saúde pública. Como ele pode se infiltrar assim, com essa desfassatez, nas nossas casas e nas nossas vidas, tão livremente e com esse ar tão inocente, bem de baixo dos nossos narizes? Posso afirmar que vicia mesmo, por experiência própria, porque já andei tentando curar minhas dores existenciais com algumas dessas barras de chocolate, com caramelo e amendoins e com fartas colheradas de leite condensado. Falando nisso, minha boca enche d’água, bate uma vontade louca e diante a minha recusa, vem a abstinência. Tô falando sério. O AÇÚCAR AFETA NO CÉREBRO A MESMA ÁREA DAS RECOMPENSAS QUE A COCAÍNA, área liberadora dos mais deliciosos hormônios neurotransmissores da felicidade. Endorfinas, dopaminas, etc.


Cocaína todo mundo já sabe que é ruim. Mas, por que ainda negamos os malefícios do açúcar? 


A resposta, é: “Porque tem gente nos enganando.” Associações de produtores e de indústrias açucareiras freqüentemente empregam cientistas que selecionam os dados de pesquisas e deixam de publicar estudos que possam impactar seus resultados financeiros. A estratégia “A Defesa dos Quatro Cães” ou “The Four Dog Defense” veio de um advogado, em 1997, para o St. Petersburg Times, como resposta à indústria do tabaco. Os “tabagistas” eram enfáticos, assim como o são os “açucareiros” e diziam: “Fumar não causa câncer”. “Não há consenso sobre as evidências”. “As pessoas optam por fumar, e quem somos nós para impor os direitos constitucionais delas?” E todo tipo de lorota para descredibilizar as pesquisas sérias e a ciência. 


A mesma estratégia também foi citada em 2017 por Nicole Bijlsma, escritora, professora e colunista, de Melbourne, Austrália, que pode explicar melhor a manobra perversa dessas instituições.


1. Meu cachorro não morde


A indústria nega que seu produto seja prejudicial e desacredita ativamente qualquer estudo ou pesquisador que diga o contrário. Ganham tempo - e bilhões de dólares - transmitindo o ônus da prova para os cientistas acusadores.


2. Meu cachorro morde, mas não morde você


Admitem que seu produto pode ser prejudicial quando a evidência se torna grande demais para ser negada, mas não se preocupe, a pessoa média não é exposta. Gastam milhões de dólares em campanhas de relações públicas. Estabelecem empresas sem fins lucrativos ou conselhos consultivos científicos, que parecem ser independentes e imparciais, para produzirem provas em sua defesa.


3. Meu cachorro mordeu, mas não te machucou


Admitem que as pessoas estão expostas, mas não são prejudicadas pelo produto porque a exposição está dentro dos padrões. Padrões que não levam em consideração as múltiplas rotas de exposição, efeitos de mistura, efeitos transgeracionais ou fatores de risco humanos individuais.


4. Meu cachorro mordeu você e machucou, mas a culpa é sua, não minha


Passam a culpa para o consumidor porque os alertou sobre os perigos de seu próprio produto. Como podem impor responsabilidade ao consumidor, quando ele não tem conhecimento para tomar decisão? 


Para não ficarmos tempo demais na denúncia, compartilho soluções interessantes apontadas pela ACT, uma organização não governamental que atua na promoção de políticas de saúde pública, especialmente nas áreas de controle do tabagismo, alimentação saudável e controle do álcool.


Ela propõe a EXTINÇÃO DOS SUBSÍDIOS FISCAIS para as bebidas adoçadas, visto que o estado brasileiro praticamente subsidia a produção dessas bebidas, investindo dinheiro público por meio de renúncia fiscal de uma série de tributos.


E sugere o AUMENTO NA TRIBUTAÇÃO desses produtos, com o objetivo de aumentarem os preços e assim diminuir o consumo. Como reflexo secundário, ainda geraria uma boa receita que poderia ser direcionada para projetos sociais relacionados à saúde e à conscientização do público sobre os riscos do consumo de alimentos ultraprocessados.


Países como Estados Unidos e Inglaterra já adotaram essa estratégia e já reportam benefícios. A diminuição do consumo de bebidas adoçadas e o aumento do consumo de água. 


E Bijlsma me ajuda a concluir:


“Uma sociedade que não protege seus filhos não tem futuro”.


*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.


Importante: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Aratu On.

Chef Caco Marinho

Chef Caco Marinho

Nascido em São Paulo, Caco Marinho se considera baiano por opção. Cozinheiro da Aliança do Movimento Slowfood e fundador do Instituto Ori, tem a missão de tornar mais acessível para todos os alimentos bons, limpos e justos. Ele também registra, divulga e protege saberes gastronômicos de povos tradicionais pelos 27 territórios de identidade da Bahia.

Instagram: @caco.marinho

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