Cobrança em estacionamentos de shoppings de Salvador: constitucionalidade em debate
Randerson Leal opina pela legalidade, mas Bruno Reis é contrário: Constitucionalidade? Cobrança no estacionamentos dos shoppings gera embate; entenda
Por João Tramm.
A Câmara de Salvador realizou, nesta semana, uma audiência pública com o debate: Constitucionalidade? Cobrança no estacionamentos dos shoppings gera embate. O questionamento surge em meio a discussão do Projeto de Lei nº 209/2023, que propõe gratuidade nos estacionamentos de shoppings centers da capital para consumidores que realizarem compras em valor igual ou superior a cinco vezes a taxa cobrada pelo estabelecimento.
O projeto é de autoria do vereador Randerson Leal e gerou polêmica após o prefeito Bruno Reis (União) se manifestar contra a matéria. Segundo ele, a proposta é inconstitucional por não ser assunto de competência municipal.

O benefício proposto no projeto vale para clientes que permanecerem por, no máximo, seis horas no shopping. Também deve seguir gratuita a permanência por tempo inferior a 30 minutos. Caso o consumidor ultrapasse o tempo previsto para a gratuidade, pagará o valor previsto na tabela dos shoppings.
Constitucionalidade? Cobrança no estacionamentos dos shoppings gera embate
Ao Aratu On, Randerson afirmou que a cobrança pelo uso dos estacionamentos é “abusiva e imoral”, violando os direitos do consumidor. Ele defendeu que a proposta tem base legal no Código de Defesa do Consumidor e em dispositivos constitucionais que asseguram competência municipal para legislar sobre temas de interesse local. O edil ainda citou como base legal o art. 30 da Constituição Federal:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
O vereador informou ainda que o presidente da Câmara, Carlos Muniz (PSDB), declarou apoio à proposta e pretende votar favoravelmente no plenário.
Durante a audiência, participaram representantes da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), da Associação Comercial da Bahia (ACB), da Defensoria Pública, do Procon-BA, além de especialistas em direito do consumidor.
A favor da Proposta
Quem também esteve presente na sessão foi o ex-prefeito João Henrique. Até a sua gestão os estabelecimentos comerciais não utilizavam essa tarifa e, segundo afirmou na audiência, a categoria comercial exerceu forte pressão para que iniciasse o pagamento. A medida entrou em vigor em 2012.
O ex-superintendente do Procon-BA, Felipe Vieira, também manifestou apoio à iniciativa e destacou o aspecto social e constitucional do projeto.
“Discutir a constitucionalidade é essencial, mas é preciso lembrar que proteger o consumidor é um dever do Estado. Essa medida está em sintonia com o Código de Defesa do Consumidor, a harmonização das relações de consumo e o estímulo à economia local. Salvador pode ser um exemplo para o país”, afirmou Vieira.
Contra a proposta
Já o vice-presidente da Associação Comercial da Bahia, Georges Humbert, advogado e professor de Direito, contestou o projeto. Ele ressaltou que tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) já consolidaram entendimento de que municípios não têm competência para legislar sobre contratos privados e relações de consumo que interfiram na livre iniciativa.
“O STF tem reiterado que leis municipais que impõem gratuidade ou limites de cobrança em estacionamentos privados são inconstitucionais, por invadirem a competência exclusiva da União para legislar sobre direito civil”, explicou Humbert, citando o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.
A norma afirma que compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Entre as decisões mencionadas por ele estão a ADI 4.862/PR, a ADI 1.918/ES e a ADI 4.008/DF, nas quais o Supremo declarou inconstitucionais leis estaduais e distritais que regulamentavam a cobrança de estacionamentos privados.
Especialista explica:
O advogado Rodrigo Machado, especialista em direito do consumidor, também ponderou que o projeto pode ser considerado inconstitucional, mesmo não proibindo integralmente a cobrança.
“A proposta impõe condições econômicas ao exercício da propriedade privada, viola a liberdade contratual e extrapola a competência legislativa municipal. O STF já tem jurisprudência consolidada nesse sentido”, afirmou ao Aratu On.
Ele citou como exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4862, julgada pelo STF, que declarou inconstitucional uma lei do Paraná que estabelecia regras de cobrança em estacionamentos privados.
Na ocasião, a Corte entendeu que a norma violava a livre iniciativa, o direito à propriedade e a competência privativa da União para legislar sobre direito civil. O relator, ministro Gilmar Mendes, defendeu que o preço deve ser regulado pela concorrência de mercado. Já o ministro Edson Fachin foi voto vencido ao entender que a questão poderia ser tratada sob o prisma do direito do consumidor.
“Essas regras atendem de forma proporcional ao pagamento pelo serviço efetivamente utilizado e concretizam a proteção ao consumidor”, defendeu Fachin, ao votar pela validade da norma.
Apesar disso, a maioria dos ministros seguiu de Luis Roberto Barroso, que ao votar afirmou que a interferência na fixação de preços caracteriza controle de mercado, violando o princípio da livre iniciativa.
“Trata-se de uma norma materialmente inconstitucional. Mesmo que o tema envolva consumo, a lei estabelece um controle de preços que claramente viola o princípio constitucional da livre iniciativa”, afirmou.

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