UFBA x São Lázaro: Área não está claramente delimitada, alerta especialista

Ação judicial envolvendo UFBA x São Lázaro: Área não está claramente delimitada, alerta especialista em direito imobiliário

Por João Tramm.

UFBA x São Lázaro: Área não está claramente delimitada, alerta especialista. A Universidade Federal da Bahia (UFBA) e os moradores e comerciantes do bairro de São Lázaro entraram em conflito nesta última semana devido à determinação de reintegração de posse de uma área onde tradicionalmente há moradores e acontece o Samba de São Lázaro.

Apesar de já ter havido pedido de desocupação do terreno, o advogado especialista em direito imobiliário João Dourado destaca que “a área da UFBA não está muito bem delimitada”. A fala se refere às imagens anexadas ao processo que deram por base a ordem de despejo dos locais.

UFBA x São Lázaro: Área não está claramente delimitada, alerta especialista

UFBA x São Lázaro: Área não está claramente delimitada, alerta especialista

Segundo Dourado, “tem alguns croquis antigos, mas croquis é planta. Não consegue ver exatamente a extensão da área, o desenho, considerando principalmente as mudanças urbanísticas que aconteceram no local ao longo de todos esses anos. O título de propriedade que a UFBA usa é uma matrícula, que é um documento que diz que você é proprietário de fato de um bem, mas muito antigo e com uma descrição muito precária”.

A denúncia da ocupação ocorreu através do portal FalaBR, voltado para denúncias sobre questões com o governo federal e o processo dentro da UFBA existe desde 2007. A ação judicial foi proposta em 2023, e os mandados de reintegração só estão sendo cumpridos agora. Um ato ordinatório do dia 1º de outubro determinou que a UFBA informe a real extensão do terreno e do perímetro a ser reintegrado, o que ainda não está consolidado no processo. Dourado explica que, apesar da UFBA ter juntado algumas fotos, “não consegue individualizar os ocupantes nem saber de fato qual é a real extensão da área a ser reintegrada”.

O relatório da autoridade judicial reforça a imprecisão: 

  • Dúvidas sobre a extensão e abrangência dos imóveis irregularmente edificados no terreno da UFBA.
  • As edificações encontradas in loco apresentavam "características distintas" das descritas no Relatório de Visita e Inspeção de Imóvel usado como base inicial da ação.

Ou seja, a fotografia da realidade fornecida pela própria UFBA estava desatualizada e imprecisa, invalidando-a como guia para uma ação tão drástica quanto a reintegração.

Diante do fracasso da primeira diligência, uma nova tentativa foi agendada para março de 2024. Representantes da UFBA das Pró-Reitorias de Administração (PROAD), de Sustentabilidade e Assuntos Internos (SUMAI) e da Reitoria apresentaram um mapa cartográfico na tentativa de sanar as inconsistências. A iniciativa, porém, se mostrou inócua. Conforme registrado nos autos, a execução da ordem foi novamente impedida pela "imprecisão e desatualização da documentação visual e fotográfica". Além disso, havia a "ausência da nomeação dos ocupantes irregulares". Sem saber exatamente onde e contra quem agir, a força da ordem judicial se esvai.

Além disso, a universidade recusou-se a disponibilizar servidores para acompanhar a diligência, alegando questões de segurança interna. Para Dourado, essa postura cria um paradoxo: "a autora da ação impede que sua própria ordem judicial seja executada de forma eficaz”, explica.

Imagens anexadas ao processo

Briga Fundiária, um problema nacional

Um caso semelhante ocorreu no Rio de Janeiro, envolvendo o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e a Associação de Moradores do Horto (AMAHOR). A solução foi um termo de acordo promovido pela Comissão de Solução Fundiária do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

No acordo, foram estabelecidas diretrizes para permitir a permanência das unidades habitacionais elegíveis, reconhecendo o vínculo histórico da comunidade, muitas vezes centenário, e o estímulo ou anuência do JBRJ. O processo suspendeu os efeitos da reintegração até que o acordo fosse implementado.

Ainda no âmbito nacional, a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê a criação de comissões e determina regras específicas para ações de reintegração coletiva. O Artigo 14 diz:

"A expedição de mandado de reintegração de posse em ações possessórias coletivas será precedida por audiência pública ou reunião preparatória, na qual serão elaborados o plano de ação e o cronograma da desocupação, com a presença dos ocupantes e seus advogados, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de assistência social, movimentos sociais ou associações de moradores que prestem apoio aos ocupantes e o Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem, sem prejuízo da convocação de outros interessados."

Dourado reforça que, para efetivar o plano de ação, “o município será intimado para cadastrar as famílias que ocupam a área e indicar locais para realocação, envolvendo órgãos de assistência social e programas de habitação, observando as decisões do CNDH e resoluções do CNJ”.

Aqui na UFBA o mesmo aconteceu e a Universidade determinou a suspensão temporária da execução judicial para retomar o terreno. A medida segue até a conclusão dos trabalhos de uma comissão que avaliará o caso, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito social à moradia, previstos na Constituição Federal, buscando garantir proporcionalidade e responsabilidade social, especialmente em situações de vulnerabilidade.

Argumentos de São Lázaro

Do ponto de vista técnico, se comprovado que a UFBA é proprietária do terreno, será necessário trabalho de engenheiros, cartógrafos e urbanistas para delimitar a área de forma precisa. Mesmo assim, o impacto humano é inegável, considerando residências, comércios, crianças e animais. Dourado alerta: “Não é simples fazer essa desocupação; não é uso da força bruta. Fazer isso seria, ao meu ver, inadequado”.

Thiago Silva, representante do Samba de São Lázaro, explica que o despejo pode atingir 52 famílias, além de cerca de 10 casas e seis bares. Segundo ele, o espaço abriga projetos culturais e famílias antigas: “Eles vieram na segunda-feira com quatro carros da UFBA e a Polícia Federal, entregaram a documentação dizendo que a gente tinha 30 dias pra sair. Mas tem gente aqui com mais de 70 anos, e o bar da minha família existe há mais de 60. Como é que invadimos em 2023, se temos contas de luz antigas, de 2000?”.

O advogado Dourado afirma que a alegação de usucapião não se aplica: “Se for constatado que, de fato, esses imóveis estão dentro da poligonal da UFBA, não se pode usucapir bem público. Os bens públicos são imprescritíveis. Então, a alegação de usucapião nessa área não é viável”. Apesar disso, Dourado ressalta que a medida de desocupação afetaria muitas pessoas, com comércio consolidado e residências antigas, e que o processo ainda não apresenta contestação por parte dos ocupantes, justamente porque eles não são conhecidos.

O advogado sugere que a solução mais adequada para o caso é a criação de uma Comissão de Solução Fundiária, seguindo modelos já aplicados em outros estados, como o Rio de Janeiro. “Essa comissão poderia identificar a área, verificar quais ocupações são irregulares e propor alternativas para os moradores, observando políticas habitacionais e vulnerabilidades sociais”, explica.

Ele ressalta ainda que a ação envolve bem público, que é imprescritível, ou seja, não pode ser adquirido por usucapião. “Se for comprovado que os imóveis estão dentro da área da UFBA, o direito de desocupação existe. Mas o impacto humano é inegável. Não se trata de usar força bruta; é preciso considerar famílias, crianças, comércio e até animais”, afirma.

Imagens que UFBA anexou ao processo

Próximos passos

O processo segue em fase de consolidação do perímetro da UFBA e identificação dos ocupantes. A expectativa é que, após esses trabalhos, o juiz determine a área a ser desocupada e que a desocupação seja realizada com o envolvimento da Polícia Federal, Polícia Militar, Ministério Público e órgãos de assistência social, seguindo as normas da Resolução 510 do CNJ.

Enquanto isso, a suspensão da reintegração garante que as famílias e comerciantes não sejam removidos de forma precipitada, dando tempo para que a situação seja analisada de forma técnica e responsável.

O advogado sugere que a solução mais adequada para o caso é a criação de uma Comissão de Solução Fundiária, seguindo modelos já aplicados em outros estados, como o Rio de Janeiro. Além disso, outra possibilidade é a Constituição de Grupo de Trabalho Técnico (GTT), com representantes da UFBA, poder público, Ministério Público, Defensoria Pública e comunidade, para propor soluções fundiárias e sociais equilibradas.

“Essa comissão poderia identificar a área, verificar quais ocupações são irregulares e propor alternativas para os moradores, observando políticas habitacionais e vulnerabilidades sociais”, explica.

Novamente samba de São Lázaro pode chegar ao fim

Mais um possível fim do Samba de São Lázaro:

O evento havia anunciado o encerramento definitivo das atividades em novembro do ano passado, após denúncias de moradores devido ao barulho, já que as apresentações aconteciam após as 22h. Logo após os fatos, o samba chegou a realizar uma edição no Pelourinho.

Após reuniões com representantes da Prefeitura de Salvador, moradores da Federação e organizadores do evento, uma das medidas testadas para a retomada ao local original foi o novo horário. Outros problemas apontados na reunião, que a organização do samba se comprometeu a tentar resolver, são:

  • Estacionamento irregular em frente às garagens de moradores e condomínios;
  • Barulho de motos no entorno do evento;
  • Outras ocorrências de barulho e aglomerações após o encerramento do samba.

Em agosto deste ano o samba voltou oficialmente. O dia de sexta-feira foi mantido, quinzenalmente.

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