Descoberta de ossadas confirma maior 'cemitério de escravos' em Salvador

Escavação que revelou as primeiras ossadas foi apresentada nesta segunda-feira (26) ao Ministério Público

Por Anna Caroline Santiago.

Arqueólogos identificaram as primeiras ossadas humanas de pessoas escravizadas no antigo Cemitério do Campo da Pólvora, localizado no Centro de Salvador. O resultado da escavação, foi apresentado nesta segunda-feira (26) ao Ministério Público da Bahia (MP-BA). 

A descoberta confirma que o local foi utilizado, ao longo de 150 anos, para o sepultamento de indígenas, criminosos, suicidas e levantes históricos, como a Revolta dos Malês.

Foto: Divulgação

A descoberta aconteceu em setembro de 2024, quando surgiu a hipótese de que o estacionamento do Complexo da Pupileira pudesse abrigar o maior cemitério de escravizados da América Latina. A confirmação do local exato é considerada um marco que pode aprofundar os estudos sobre a história social do Brasil e ajudar na reconstrução de uma memória que foi apagada.

Desativado em 1844, o antigo cemitério da Santa Casa, primeiro cemitério público de Salvador, desapareceu tanto da paisagem quanto da memória da cidade, sofrendo um processo de apagamento histórico.

Primeiras ossadas encontradas 

A escavação no terreno, que já abrigou um dos principais cemitérios da capital baiana, durou dez dias. A primeira intervenção teve dimensões de 1x3 metros e a segunda, de 2x1 metros. Foi nesse espaço, a 2,5 metros de profundidade, que os arqueólogos localizaram os primeiros vestígios dos ossos largos e dentes humanos.

Devido à acidez e umidade do solo, o material encontrado estava extremamente frágil. Por se tratar de um patrimônio sensível, a equipe optou por não divulgar imagens das ossadas e iniciou um tratamento de conservação, respeitando o prazo limitado para a execução da pesquisa.

Cemitério de escravos. Foto: Divulgação

O projeto, intitulado Levantamento Arqueológico na Área do Antigo Cemitério do Campo da Pólvora, foi financiado pela empresa Arqueólogos (Cotias e Dias LTDA) e teve como base a pesquisa documental desenvolvida pela arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, doutoranda em Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

O local, sob administração da Santa Casa de Misericórdia até meados do século XIX, era utilizado para o sepultamento, ou descarte, de pessoas marginalizadas pela sociedade: pobres, indigentes, não batizados, excomungados, suicidas, prostitutas, criminosos, rebeldes e escravizados.

Com a conclusão desta etapa, os arqueólogos iniciam agora a análise dos dados coletados em campo, cruzando com outras camadas de informação. O objetivo é compreender o processo de deposição dos corpos e, posteriormente, devolver à sociedade o debate sobre o destino do sítio arqueológico.

Cemitério de escravos - Pesquisa

A localização do cemitério, chamado "Cemitério do Campo da Pólvora", foi identificada durante uma pesquisa de doutorado realizada por Silvana Olivieri, pesquisadora no programa de pós-graduação da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufba.

Por meio de comparações entre mapas antigos e fotos de satélite atuais, ela localizou o ponto exato do espaço, próximo à entrada da Pupileira. Registros históricos indicam que, além de escravizados, indígenas, membros da comunidade cigana e pessoas sem recursos financeiros eram sepultadas neste cemitério. O número de corpos enterrados na área ainda é desconhecido.

Descoberta foi apresentada à Santa Casa em setembro. | Foto: Silvana Olivieiri

Em um dossiê, Silvana levantou que os primeiros registros do uso de banguês, uma espécie de maca para transportar cadáveres, pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia, são de 1693. Para a pesquisadora, é possível que a instituição utilizasse esse instrumento para levar os corpos para sepultamento no cemitério do Campo da Pólvora.

Inicialmente, o cemitério foi administrado pela Câmara Municipal de Salvador e, depois, passou a ser responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Registros históricos apontam que o local funcionou por cerca de 150 anos, até 1844, quando foi substituído pelo Cemitério Campo Santo, no bairro da Federação.

"Segundo o historiador João José Reis, inicialmente o cemitério funcionou sob jurisdição da Câmara Municipal. Várias posturas do começo do século XVIII mencionam que servia para o sepultamento de 'negros pagãos', escravizados que não foram batizados no catolicismo, frequentemente abandonados na porta das igrejas, em terrenos baldios, matas e praias. A Câmara se preocupava em enterrá-los apenas para não causarem 'corrupção dos ares' ou os 'cães despedaçarem os corpos como se tem achado várias vezes'. Os sepultamentos desses africanos eram feitos pelos responsáveis da limpeza pública, equivalendo a 'remoção de lixo'", escreveu ela.

Leia Mais: Área de 'cemitério de escravos' na Pupileira passará por escavação

 

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