Vereadores ignoram MP-BA e aprovam mudanças em proteção ambiental de Jaguaribe
Projeto de lei, que vai a sanção do prefeito Bruno Reis (União), foi aprovado pela base governista; oposição votou integralmente contrária às mudanças no regramento de proteção ambiental em Jaguaribe
Por, Matheus Caldas e João Tramm.
A Câmara de Salvador ignorou recomendação do Ministério Público da Bahia (MP-BA) e votou e aprovou, na última quarta-feira (24), um projeto de lei que promove modificações em zonas de proteção ambiental em Jaguaribe. O texto inclui alterações na lei de ordenamento do uso e ocupação do solo.
O projeto de lei, que vai a sanção do prefeito Bruno Reis (União), foi aprovado pela base governista. A oposição votou integralmente contrária às mudanças no regramento de proteção ambiental em Jaguaribe.
Para o vereador Silvio Humberto (PSB), a Câmara e a prefeitura promovem retrocessos na legislação ambiental e beneficiam a especulação imobiliária. “A quem interessa isso, se não a esses interesses da especulação imobiliária da cidade? Não se pode ter o planejamento e o desenvolvimento urbanos capturados dessa maneira”, avaliou, em entrevista ao Aratu On.
A recomendação, emitida em 9 de setembro pela promotora Hortênsia Gomes Pinho, do MP-BA, constata que o projeto de lei, enviado por Bruno Reis, “permite a destruição do Parque Ecológico do Vale Encantado”.
Além disto, para a representante do órgão ministerial, o texto permite alteração de zonas de uso importantes da cidade, como Iguatemi, Rio Vermelho e Pituaçu. Ela classifica as mudanças propostas na matéria como “nefastas, ilegais e pessoalizadas”.
Críticas do MP na elaboração do Projeto de Lei
O Ministério Público da Bahia centrou suas críticas nas alterações antecipadas do PDDU por meio do projeto de lei em curso. Ademais, a promotora ainda questiona a falta de diálogo, estudos técnicos detalhados no texto, o fornecimento de mapas genéricos ante o potencial impacto das mudanças propostas. A falta de construção coletiva foi considerada como 'ditatorial' por parte do órgão judicial.
"Seu processo de elaboração é uma arena de disputas entre os vários atores interessados na produção da cidade, beneficiários da regulação urbanística e da distribuição dos investimentos e serviços públicos e a proposta do Executivo do Projeto de Lei 175/2024 apaga toda essa história e retrocede ao período do planejamento ditatorial;", diz.
A promotora destaca que a alteração pretendida ocorre justamente quando em pleno processo de revisão e atualização do PDDU, com investimento de cerca de R$3.600.000,00 para contratação da FGV e com instituição de comissão multidisciplinar encarregada desta atualização.
"Configura-se uma total contradição atropelar o processo de revisão em curso, com alterações e revisões pontuais, direcionadas a interesses privados específicos, esvaziando o conteúdo da revisão multicitada. Qual o motivo da urgência em proibir borracharias na Av. Lafayette Coutinho? Permitir sistema viário dentro do Parque Ecológico do Parque Encantado? E criar novas situações excepcionais de ZUE? Por que essas alterações não podem aguardar a revisão do Plano Diretor em curso?", indaga a promotora.
A LOUOS aprovada, que altera pontos sobre o PDDU, tramitou em regime de urgência. Apesar disso, no art. 351 o PDDU aponta que, em nenhuma hipótese, será utilizado expediente de urgência ao encaminhar a revisão e/ou modificações do Plano Diretor. A velocidade do processo fez com que os pontos fossem aprovados sem o devido debate com a população ou uso de estudos técnicos dos impactos de tais mudanças.
"Há mera menção na mensagem que encaminhou o projeto, que o projeto “está calçado no estudos técnicos e relatórios técnicos do PDDU/2008 e PDDU/2016”, o que é falacioso, porquanto a alteração pretendida exigiria estudos específicos que justificasse a alteração nesse momento, indica o Ministério Público."
Alterações no regramento ambiental em Jaguaribe
A líder da oposição na Câmara, Aladilce Souza (PCdoB), foi a única vereadora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa a votar contra a aprovação do projeto de alterações na proteção ambiental em Jaguaribe.
No voto, apresentado em separado, ela aponta que prefeitura pretende autorizar implantação de sistema viário urbano e linha de transmissão de energia dentro da região do Vale Encantado, uma das últimas áreas de preservação da mata atlântica e da fauna soteropolitana, que sofre sucessivos ataques da expansão urbana.
Segundo Aladilce, a tramitação da proposta descumpriu trechos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). “Todo o processo de alteração das referidas legislações urbanísticas está totalmente eivado de nulidade e ilegalidade porquanto expressamente viola as normas legais previstas no PDDU”, escreveu.
Aladilce sustenta que o projeto não foi debatido pelo Conselho Municipal de Salvador, órgão colegiado previsto pelo PDDU, cuja atribuição é discutir matérias relativas ao planejamento e gestão do uso do solo, habitação, saneamento ambiental e mobilidade urbana.
O parecer do projeto foi apresentado pelo relator, vereador Sidninho (PP), e foi apresentado em reunião conjunta das seguintes comissões: CCJ; Planejamento Urbano e Meio Ambiente; e Finanças e Orçamento.
No âmbito destes três colegiados, apenas Aladilce, Marta Rodrigues (PT) e Randerson Leal (Podemos), todos da oposição, votaram contra o projeto. As atas das sessões, publicadas no site oficial da Câmara, apontam que os seguintes parlamentares foram favoráveis:
- Maurício Trindade (PP)
- Duda Sanches (União)
- Rodrigo Amaral (PSDB)
- Omarzinho (PDT)
- Júlio Santos (Republicanos)
- Daniel Alves (PSDB)
- Roberta Kaires
- Alexandre Aleluia (PL)
- Kel Torres (Republicanos)
- Sidninho (PP)
No voto apresentado em separado, na Comissão de Finanças e Orçamento, Marta Rodrigues critica as emendas apresentadas, sobretudo, por Rodrigo Amaral, e as considera com “conteúdo obscuro”.
Ela versa sobre a criação da Área de Proteção Cultural e Paisagística (APCP) das pontas de Nossa Senhora de Guadalupe e de Loreto, ambas na Ilha dos Frades. A emenda apresentada por Amaral sobre esses pontos cita procedimentos de “atualização de parâmetros e procedimentos urbanísticos, aprimorando sua aplicabilidade”. Marta aponta que “não há nenhuma menção a quais os parâmetros e procedimentos se pretendem "atualizar" ou "aprimorar" com a referida emenda”.
Ela também critica a regulamentação da área de proteção de recursos naturais no entorno da Ilha dos Frades. “Não há o mínimo de nitidez quanto ao teor efetivo da emenda e o seu real propósito, que foi descrito de forma absolutamente genérica”, disse a petista.
Mudanças na Cidade Baixa e em Stella Maris
O projeto aprovado pelos vereadores também cria novo zoneamento nas avenidas Luiz Tarquínio Jequitaia, na Cidade Baixa. Na Luiz Tarquínio, está em curso um projeto da prefeitura para concessão do prédio do antigo Abrigo D. Pedro II à iniciativa privada, com intuito de construir um empreendimento hoteleiro.
O prédio, inaugurado em 1887, é uma dos maiores imóveis residenciais do período da monarquia, e está desativado desde a mudança do abrigo, em 2018, para Piatã - atualmente, o equipamento funciona no Garcia.
Na justificativa, o autor da emenda, que também é Rodrigo Amaral, diz que mudança visa fomentar o turismo náutico e o transporte marítimo de passageiros, pois, na visão dele, “a região (Boa Viagem e Calçada) tem potencial para a instalação de um receptivo de passageiros e turistas para atender à Baía de Todos os Santos”.
No caso de Stella, a região será identificada como zona predominantemente residencial. A legislação municipal indica que essas zonas são porções do território destinadas prioritariamente ao uso residencial, com as seguintes subdivisões:
I - ZPR - 1, de baixa densidade construtiva e demográfica;
II - ZPR - 2, de média densidade construtiva e demográfica;
III - ZPR - 3, de alta densidade construtiva e demográfica.
O que diz outros pontos do projeto
Além de modificações em áreas de proteção ambiental em Jaguaribe, o bojo das modificações em regramentos de zoneamentos urbanos promove outras mudanças. Veja abaixo:
1 - Proibições na Avenida Contorno
O que muda: projeto proíbe a abertura de certos tipos de comércios na avenida.
Com o projeto: não será permitida a instalação de borracharias, ferros-velhos, depósitos de bebidas, postos de gasolina e locais de estocagem de material para reciclagem nessa avenida. O objetivo, segundo a prefeitura, é melhorar a paisagem e o ordenamento urbano dessa área, que será requalificada. A avenida está em incluída num processo de requalificar, previsto para iniciar no segundo semestre.
2 - Ajusta áreas especiais da cidade
- O que muda: O projeto faz ajustes em duas categorias de áreas especiais:
A) Zonas de Uso Especial (ZUEs)
Ele adiciona quatro novas Zonas de Uso Especial (ZUEs) na Lei do Uso e Ocupação do Solo (Louos): ZUE Iguatemi I, ZUE Iguatemi II, ZUE Pituaçu e ZUE Rio Vermelho.
- O que significa: ZUEs são áreas que têm regras de construção e uso diferenciadas, muitas vezes para proteger características culturais, históricas ou ambientais. Em Salvador, este regramento é utilizado para prédios públicos de grande porte, como o porto de Salvador, aeroporto, campi da UFBA, da Uneb, a Arena Fonte Nova o Parque de Exposições, etc.
B) Polo Logístico Valéria
O texto muda a área delimitada para o Polo Logístico Valéria, que é uma região da cidade que recebe incentivos fiscais para atrair empresas de logística (transportadoras e depósitos), no âmbito do Renova Centro.
- O que significa: A área que o município quer desenvolver com incentivos no bairro de Valéria será alterada geograficamente.
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