Vale a pena dar atenção a Roberto Valverde, baiano que fala o não se quer ouvir?
Ele se apresenta como "à prova de cancelamentos", e não tem problema em dizer que um dos objetivos é incomodar. Por que o empresário Roberto Valverde deveria ser escutado, mesmo quando fere os ouvidos mais suscetíveis?
Por Pablo Reis.
No teatro dissonante da opinião pública, há quem suba ao palco para agradar. E há quem prefira lançar tomates — não à plateia, mas às certezas cômodas do senso comum. O empresário Roberto Valverde parece fazer parte desse segundo grupo. É o consultor que provoca urticária em uns, epifania em outros — e que, invariavelmente, tira o baiano da rede da indiferença.
Sim, ele fala o que poucos ousam dizer. E talvez seja justamente por isso que tantos queiram tapar seus ouvidos.
Na entrevista concedida ao programa Linha de Frente, da Rádio Antena 1 Salvador, Valverde atirou sem cerimônia: “Conselhos de administração de empresas públicas, na maioria, são cabides de emprego”; “o Bolsa Família se tornou uma política assistencialista para ganhar voto”; “bairro, para dar certo, não pode ter maloqueiro nem farofeiro”. Frases disparadas como de um revólver sem trava, mirando não pessoas, mas estruturas. O incômodo, claro, é inevitável.
Valverde não tenta agradar. Nem finge empatia quando fala de políticas públicas ou gestão privada. Seu papel — assumido com gosto — é o da pedra no sapato, o alfinete no balão da hipocrisia. Ao mesmo tempo, revela uma espécie de cálculo racional: “Se a política não me atrapalhar, já está me ajudando”, dispara, deixando clara sua aversão à burocracia improdutiva.
Mas há método na provocação. Ele parece se sentir bem no papel do consultor que provoca, e que gosta de tirar da zona de conforto. E, claro, pra isso, parece não se importar muito com os (numerosos) ataques dos haters. Valverde se comporta como alguém “à prova de cancelamentos”.
Roberto Valverde atua como um sismógrafo verbal: detecta tremores subterrâneos que a maioria prefere ignorar. Ao falar de empresas, urbanismo, economia e até futebol, sua linha é uma só — confrontar zonas de conforto, forçar o desconforto fértil, aquele que obriga a repensar paradigmas. É, por assim dizer, um operador do dissenso.
Parece acintoso em alto grau? Tem mais: “a pessoa tá recebendo benefício, ela prefere ficar em casa do que assinar carteira"; “o Vitória precisa olhar para dentro de casa e pensar com modéstia e não fazer o oba-oba”.
Suas palavras escorregam por temas sensíveis como se fossem lâminas afiadas. E aí mora o paradoxo: justamente por serem tão desconfortáveis, elas devem ser ouvidas. Não porque estejam certas, mas porque nos obrigam a revisar os próprios alicerces.
Em tempos de bolhas, onde algoritmos filtram o mundo para caber na palma da nossa ignorância, figuras como Valverde fazem o papel ingrato — e necessário — de quem desafina o coro dos satisfeitos. Há quem se irrite. Há quem o odeie. Mas há também quem pare para pensar. E nesse segundo de silêncio pensante, nasce algo mais valioso que o grito: nasce o debate.
O Brasil pode - e deve - funcionar além das unanimidades - muitas sustentadas por mera covardia. Precisa de atritos que iluminem.Gostemos ou não, Roberto Valverde joga luz nos cantos escuros onde escondemos nossos preconceitos, dogmas e preguiças intelectuais. Não é confortável. Mas talvez seja essencial.
A seguir, os principais temas abordados por Roberto Valverde, em ordem cronológica de menção na entrevista:
-
Governança Corporativa e a Crítica aos Conselhos em Empresas Públicas
Valverde inicia sua análise denunciando a realidade dos conselhos de administração em muitas empresas públicas. Para ele, "a maioria delas são cabide de emprego em que os conselheiros estão lá pela remuneração". Ele argumenta que, por serem "dependentes financeiros" e indicados pelo poder público, esses conselheiros não atuam como independentes, mas sim como "dependentes", transformando a "tão falar da governança corporativa" em "apenas um teatro corporativo em que as pessoas estão ali figurando para falar mais do mesmo e ninguém quer sair da zona do conforto porque senão pode correr o risco do mandato não ser renovado". A crítica ressalta a urgência de conselhos verdadeiramente fiduciários para mitigar riscos e promover a boa gestão.
2. O Impacto da Política na Iniciativa Privada
Quando questionado sobre a influência da política no setor privado, Valverde é pragmático: "para mim enquanto empresário é assim: se a política não me atrapalhar já tá me ajudando". Ele lamenta a falta de "previsibilidade", citando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) como um exemplo de medida que "vai deixar o dinheiro caro para todo mundo", gerando um "efeito cascata que não gera benefício para ninguém" e servindo apenas para "tentar aprovar na tóra (...) umas contas públicas que serão reprovadas novamente". A instabilidade regulatória é vista como um entrave direto ao desenvolvimento empresarial.
3. A SAF (Sociedade Anônima do Futebol) como Caminho Inevitável para a Gestão Esportiva
Valverde demonstra grande otimismo em relação ao modelo da SAF no futebol brasileiro. Ele elogia a postura de grupos como o City, à frente do Bahia, que "pensa a longo prazo né como se deve olhar qualquer companhia". Contrapõe essa visão com a de "um cavalo que queima largada", em referência a gestões focadas no curto prazo. Para ele, a SAF "é um caminho inevitável impossível de não trilhar no futebol saaf ele acaba com as más práticas ele tira a corrupção e profissionaliza a gestão". Apesar de reconhecer que "não existe investidor para todo time de clube" e que o "timing" de uma aquisição é crucial, Valverde vê a profissionalização como a única saída para a saúde financeira e competitiva dos clubes.
Sobre o Vitória, ele diz que o clube não tem comprador. “O problema da SAF é que tipo de investidor você vai trazer pro seu time não existe investidor para todo tipo de clube". Ao ser questionado se não acha que o Vitória conseguiria um investidor no Oriente Médio, ele afirma: "O investidor estruturado não olha um clube só por conta de um ativo de um estádio. Ele olha a estrutura de volume de torcedor, perspectiva para médio e longo prazo, a questão geográfica. O investidor, ele olha pro Brasil e ele vai achar outros times mais interessantes aí pelo Sul, Sudeste, que estão disponíveis. Tudo é questão de preço e momento. Aquisição de empresa é timing, então, o mercado, ele não perdoa se você for ao mercado no momento errado, ou com as premissas erradas você talvez não vai arrumar o investidor ideal"
Valverde sugere que "o Vitória precisa olhar para dentro de casa em pensar com modéstia e não fazer o oba-oba, que o pessoal tá indo pro exterior para arrumar investidor, sendo que nada daquilo existe de fato. Tem que fazer um processo estruturado, conduzido por uma empresa de assessoria para calcular o valor correto da companhia e ver quem são os elegíveis a ser investidor. Eu não tô vendo esse movimento acontecer"
4. Urbanismo, Civilidade e o Papel Ativo da Sociedade Civil
O consultor expressa sua insatisfação com a passividade da população em relação aos problemas urbanos. Ele critica aqueles que "cruzam os braços e não fazem nada e só fazem reclamar e levantar a mão e querer que o poder público resolva sua vida isso não vai acontecer". Valverde defende a necessidade de organização da sociedade civil em associações para "provocar o poder público da maneira correta", buscando melhorias na qualidade de vida dos bairros, com ambientes limpos, seguros e com regras de convivência. Ele aponta exemplos de sucesso em Salvador, como o Horto Florestal, mostrando que "o exemplo tá aí gente é copiar e colar".
5. A Polêmica dos Termos "Maloqueiro" e "Farofeiro" e a Busca por Civilidade
Valverde aborda a controvérsia em torno de suas declarações sobre a Barra, explicando sua definição de "maloqueiro" e "farofeiro". Ele reitera que "bairro para dar certo não pode ter maloqueiro nem farofeiro", mas esclarece que os termos não se referem a classes sociais, e sim a comportamentos: "farofeiro é o cara que esculhamba que não segue regra que faz xixi na rua que joga lata de cerveja no chão que pega o som alto e põe do lado do seu ouvido". Sua fala, que gerou adjetivos como "nazista" ou "higienista" por parte de alguns, visa a um bairro onde "todos possam conviver de uma maneira organizada", reiterando: "esse tipo de público que eu não quero na barra mesmo não".
6. Críticas à Condução de Desafetações de Áreas Públicas em Salvador
O empresário não hesita em criticar a forma como o poder público tem conduzido a desafetação e privatização de terrenos, citando o caso do Morro do Ipiranga. Ele aponta a falta de debate público e audiências, e a aprovação de leis "no último dia de funcionamento da assembleia", como um "empurrar na tóra a privatização de lotes" que está "errado". Além disso, Valverde expressa sua preocupação com "bastidores que tem empresa que tá sendo direcionada para ser favorecida a ganhar um processo que isso já é corrupção eu sou completamente contra". Ele defende que tais processos devem ser transparentes, planejados e estruturados.
7. O Bolsa Família e Seu Impacto no Mercado de Trabalho
Valverde compartilha da visão do empresário Ricardo Faria (conhecido como "Rei do Ovo") sobre o Bolsa Família. Ele concorda "em 300.000%" que o programa desestimula a busca por emprego, citando a dificuldade em contratar profissionais em diversos setores, pois a "pessoa tá recebendo benefício ela prefere ficar em casa do que assinar carteira". Para ele, o Bolsa Família, embora nobre em sua intenção inicial, tornou-se uma "política assistencialista para ganhar voto" e um "sistema doente" pela falta de regras de duração, fiscalização e controle. Ele sugere um modelo com "gatilhos de avaliação" e prazos, inspirado em práticas de outros países.
8. Propostas para Redução da Desigualdade Social via Tecnologia
Para combater a desigualdade, Valverde propõe um "choque de cultura de gestão". Ele reitera que "a população esperar que o poder público faça tudo sozinho por ela vou te dizer lamento isso não vai acontecer". Sua solução é inovadora: o poder público deveria oferecer "benefícios fiscais" para empresas de tecnologia treinarem jovens das periferias para se tornarem programadores. Ele vê nesses jovens, que já têm familiaridade com a tecnologia, um "motor propulsor da economia", capaz de gerar uma mão de obra qualificada com remuneração de R$ 3 a R$ 5 mil por mês, tirando famílias da pobreza.
Siga-me nas redes sociais @opabloreis
Siga a gente no Insta, Facebook, Bluesky e X. Envie denúncia ou sugestão de pauta para (71) 99940 – 7440 (WhatsApp).