O Congresso fareja medo, logo, deputados vão atacar (o Planalto)
As avaliações em queda do governo, a desaprovação a Lula e à equipe econômica acedem outro sinal vermelho: o Congresso vai cobrar alto pela manutenção da governabilidade - isso custa dinheiro e custa capital político para um presidente em reeleição
Por Pablo Reis.
A avaliação negativa sobre a política econômica do governo para 88% dos entrevistados do mercado financeiro, pela Quaest, é como uma bomba no colo do ministro Fernando Haddad. A mesma pesquisa, divulgada nesta quarta (19), aponta que 58% do mercado desaprova o trabalho do ministro, 32% acham apenas regular e 10% aprovam. Além dos problemas óbvios desta análise, ainda há o dano colateral que vem quando o núcleo do governo aparenta tamanha fragilidade.
Os corredores do Congresso têm um faro apurado para detectar medo. E, uma vez que sentem a fragilidade no ar, a reação é quase instintiva: atacar. É um comportamento previsível, cíclico, que se repete sempre que o governo demonstra hesitação. O que estamos vendo agora é um desses momentos: os deputados perceberam a vulnerabilidade do Planalto e estão afiando as garras.
O embate entre Executivo e Legislativo no Brasil nunca foi exatamente equilibrado, mas os sinais recentes indicam um Congresso cada vez mais empoderado e um governo cada vez mais acuado. A novela da governabilidade se desenrola em um enredo que mistura chantagem política, pressão orçamentária e uma corrida por fatias maiores do poder.
Vítima das próprias falhas, de promessas não cumpridas, e refém do preço dos alimentos e do desmoronamento do poder de compra do brasileiro médio, o governo vai sofrer com o apetite por proteína da maior parte dos deputados (o grupo que compõe o chamado Centrão). O congresso fareja medo, logo, vai atacar o Planalto.
O conjunto de ações que precisam ser destravadas no parlamento, mais a aprovação do governo, que estava na cobertura no começo e pegou um elevador despencando rápido rumo ao subsolo, fazem crer que o Executivo está refém do Legislativo.
A mini batalha sobre o Imposto de Renda, em que o governo tenta emplacar a isenção para quem ganha até R$ 5 mil, e a oposição faz de tudo para não aumentar a taxação dos 140 mil super ricos do país, é só uma prévia.
Principais Pautas Paradas no Congresso
Regulamentação da Reforma Tributária:
Após a aprovação da Emenda Constitucional 132/2023, que simplificou o sistema tributário, o governo necessita de leis complementares para detalhar aspectos como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a transição de alíquotas. Até março de 2025, esses projetos avançam lentamente na Câmara, com deputados segurando as votações para negociar benefícios. A implementação do Comitê Gestor do IBS, responsável pela arrecadação do imposto, é uma das etapas pendentes.
Orçamento de 2025 e a Regra de Ouro:
O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025, em discussão desde o final de 2024, é um ponto crítico. O governo precisa da aprovação do Congresso para autorizar um crédito suplementar que cubra o déficit projetado na regra de ouro, estimado em cerca de R$ 50 bilhões para despesas correntes, como benefícios sociais. Parlamentares, cientes dessa dependência, podem condicionar a aprovação a uma fatia maior de emendas de relator ou à liberação imediata de recursos para suas bases.
Regulamentação do Trabalho por Aplicativos:
O Projeto de Lei Complementar 12/24, que busca garantir direitos trabalhistas a motoristas e entregadores de aplicativos, é uma bandeira social do governo para reconquistar apoio popular. No entanto, a proposta enfrenta resistência de deputados ligados a empresas de tecnologia e ao setor empresarial, que demandam ajustes. A paralisação desse projeto pode ser usada como moeda de troca para pressionar o Executivo por cargos ou políticas favoráveis a outros interesses econômicos.
Medidas de Ajuste Fiscal:
Projetos como a taxação de grandes fortunas (PL 2.725/23) e a revisão de isenções fiscais estão na pauta do governo para equilibrar as contas públicas e atender às expectativas do mercado. Essas iniciativas, porém, enfrentam forte oposição de parlamentares do agronegócio e da elite econômica, que dominam bancadas influentes. A lentidão na tramitação reflete uma estratégia de barganha, com deputados exigindo contrapartidas como a manutenção de benefícios fiscais ou mais recursos regionais.
Contexto Político: queda de aprovação e fragilidade
Pesquisas de fevereiro de 2025 mostram uma queda significativa na aprovação do governo Lula. De acordo com a CNT/MDA, 44% dos entrevistados avaliaram a administração como negativa, um aumento em relação aos 31% registrados em novembro de 2024. A desaprovação do desempenho presidencial subiu para 55%, enquanto a aprovação caiu de 50% para 40%. Essa queda coincide com a crescente preocupação dos eleitores em relação ao aumento dos preços ao consumidor, especialmente com a inflação anual atingindo 4,96%, a taxa mais alta desde o final de 2023.
A articulação política, antes liderada por Alexandre Padilha, foi alvo de críticas por não conter a fragmentação da base aliada, enquanto o Centrão, com cerca de 300 deputados, mantém o controle do jogo legislativo. A posse das novas Mesas Diretoras em fevereiro de 2025, com figuras como Hugo Motta (Câmara) e Davi Alcolumbre (Senado), reforça um Congresso assertivo, que explora a fraqueza do Executivo. A dependência de Lula de partidos voláteis como PP e Republicanos, consolidada desde 2023 com a entrega de ministérios, não garante lealdade, o que eleva o custo das negociações.
O embarque de Gleisi Hoffman no governo é justamente para tentar estancar a hemorragia. Além de cada vez mais impopular nas ruas, politicamente, o governo segue cambaleando.
A fragilidade como trunfo do congresso
A queda de popularidade enfraquece a capacidade do governo de pressionar o Legislativo com apelo público, deixando-o refém da lógica da barganha. Os deputados, especialmente do Centrão, aproveitam esse momento para:
Exigir Mais Emendas: Com 2026 (ano eleitoral) no horizonte, parlamentares buscam ampliar os R$ 20 bilhões já previstos em emendas individuais e de bancada, pressionando por verbas extras ou maior autonomia na execução.
Negociar Cargos e Influência: A troca de apoio por posições em estatais (como Codevasf e DNIT) ou nomeações regionais é uma prática recorrente que ganha força agora.
Condicionar Pautas Sociais e Econômicas: Projetos como o trabalho por aplicativos ou o ajuste fiscal podem ser aprovados apenas se o governo ceder em temas sensíveis ao Congresso, como a desoneração da folha de pagamento ou incentivos ao agronegócio.
Esse cenário não é novidade. Em momentos de instabilidade, o Congresso se movimenta como um predador que identifica a presa enfraquecida. Foi assim com Dilma Rousseff, quando o Legislativo esfarelou sua base antes do impeachment. Foi assim com Michel Temer, que, ainda que mais habilidoso no varejo político, teve de ceder muito para sobreviver. Bolsonaro, apesar da retórica agressiva, precisou entregar grande parte do poder ao Centrão para evitar uma devoração similar.
A queda de aprovação de Lula amplifica essa dinâmica, transformando o Executivo em um negociador em desvantagem. O que acontece agora é um teste de força. O governo resistirá ou será ainda mais pressionado a entregar cargos, emendas e concessões? Se o Congresso fareja medo, a pergunta é: o Planalto vai contra-atacar ou continuar sangrando até ser engolido?
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