Brigar com Trump é "good deal" para Lula e péssimo negócio para o Brasil
O cérebro dessa operação é o de Sidônio Palmeira.O baiano, mago do marketing político, precisava de inimigo com pedigree: poderoso, antipático e fácil de odiar. Trump, nesse sentido, foi um achado. Se não existisse, Sidônio teria de inventá-lo
Por Pablo Reis.
Brigar com Donald Trump é, ao mesmo tempo, um presente e uma armadilha. Presente para Lula, que encontrou no magnata americano um inimigo sob medida: arrogante, bufão, com o pescoço sempre vermelho de raiva e a pose de imperador decadente. Armadilha para o Brasil, que pode pagar a conta em inflação, desemprego e pragas agrícolas enquanto assiste, do poleiro, ao espetáculo político.
O “tarifaço” de 50% sobre exportações brasileiras imposto por Trump caiu no colo do Planalto como um presente embrulhado em dinamite. Do ponto de vista político, funcionou. O presidente brasileiro saiu do sufoco das pesquisas e ganhou fôlego. De maio a agosto, sua aprovação subiu de 40% para 46%, o maior índice desde o início do mandato.
A pesquisa Quaest, por exemplo, revelou que entre maio e julho, a aprovação do governo saltou de 40% para 43%, enquanto a desaprovação recuou de 57% para 53%. Em agosto, a aprovação atingiu 46%, o maior índice desde janeiro. Bahia e Pernambuco representaram grande parte desse fôlego renovado do presidente. Na avaliação anterior, em fevereiro, o percentual de baianos que reprovaram era de 51%, enquanto os satisfeitos estavam em 41%. No levantamento mais recente, o jogo virou. A aprovação no estado atingiu 60%, contra 39% de desaprovação. Entre os pernambucanos, o placar bateu 62% contra 37%.
E não foi só no Nordeste que a maré virou: até no Sudeste, entre eleitores com ensino superior e renda média, a percepção de Lula como “defensor da soberania” ganhou tração.
O cérebro dessa operação atende pelo nome de Sidônio Palmeira, à frente da comunicação social do governo, com a grande responsabilidade de viabilizar o sentimento favorável da população para um possível quarto mandato do petista. O baiano, mago do marketing político, precisava de um inimigo com pedigree: poderoso, antipático e fácil de odiar. Trump, nesse sentido, foi um achado. Se não existisse, Sidônio teria de inventá-lo. Até o pescoço vermelho já apareceu de brinde nesse antagonista.
A impopularidade das ações de Trump no Brasil foi um catalisador para a imagem de Lula. Uma esmagadora maioria de 72% dos brasileiros considera que Trump errou ao justificar as tarifas com base em uma suposta perseguição a Jair Bolsonaro. Além disso, 57% dos entrevistados afirmam que Trump não tem o direito de criticar o processo contra o ex-presidente. Essa visão crítica se estende até mesmo à direita, com 52% dos eleitores de direita não-bolsonaristas e 48% dos bolsonaristas considerando a atitude de Trump errada.
Tal cenário unificou a esquerda e os moderados em torno de Lula, enquanto dividiu a própria direita, prejudicando a imagem de Bolsonaro ao misturar questões políticas com o impacto econômico direto sobre o Brasil. O efeito colateral foi empurrar o Jair ainda mais para a defensiva — numa espécie de abraço de urso entre seu passado e seu padrinho americano.
Se, no palanque, Lula cresce, na vida real, o chão treme. Apesar do ganho político para Lula, as tarifas e a escalada da tensão representam um risco real para a economia brasileira. Grande parte da população, 79% dos entrevistados, acredita que as tarifas impostas pelos EUA prejudicarão suas vidas, e 64% esperam um aumento nos preços dos alimentos no Brasil. O medo de dependência tecnológica levou até à pressa em anunciar a criação um sistema nacional de navegação por satélite, para não ficarmos à mercê do GPS americano em caso de crise. Embora a percepção geral da economia estivesse "despiorando", a expectativa para o futuro econômico piorou para 43%, o que pode estar diretamente associado às consequências do tarifaço.
Na ponta da lavoura, o cenário é ainda mais cru. Não é acaso que, apenas um dia antes da divulgação desta pesquisa, eu estivesse entrevistando o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB), Humberto Martins. Ele, que também foi prefeito da cidade de Miguel Calmon, prevê inflação, desemprego e até a possibilidade de pragas como a mosca-da-fruta, sobretudo, em lavouras do norte do estado. Ecoando a voz de centenas de produtores, ele diz que é preferível deixar de colher os produtos da lavoura, porque esse processo já representa 20% dos custos que, somados, a outros 20% para transporte e logística, transformariam até a operação de vender a preço de custo ou doar em gastos considerados inúteis. Caso as frutas fiquem no pé, isso gera a possibilidade de pragas, que já comprometeriam as próximas safras.
No fim, o duelo Lula x Trump revela uma contradição essencial da política brasileira: para ganhar popularidade, às vezes é preciso perder no tabuleiro econômico. O problema é que o espetáculo pode render aplausos hoje, mas deixar a plateia com fome amanhã.
Lula tem essa valiosa oportunidade de recuperar popularidade e consolidar sua imagem como defensor da soberania nacional, unindo diferentes espectros políticos. No entanto, essa "batalha" diplomática traz consigo um custo potencial elevado para o país, com a ameaça de impactos econômicos negativos e o aumento da incerteza para o cidadão comum.
O desafio está lançado: até onde Lula pode usar Trump como escada sem transformar o Brasil em degrau?
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