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ENTREVISTA: “Tentar passar uma PEC por vinte anos não tem cabimento”, diz doutor em economia

ENTREVISTA: “Tentar passar uma PEC por vinte anos não tem cabimento”, diz doutor em economia

Por Da Redação

ENTREVISTA: “Tentar passar uma PEC por vinte anos não tem cabimento”, diz doutor em economiaAndré Dusek/Estadão Conteúdo

Aprovada pela Câmara dos Deputados no fim de outubro (ainda precisa passar pelo Senado), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que propõe o congelamento dos gastos do Estado por vinte anos, tem provocado discussões acaloradas no país. Enquanto líderes da emenda afirmam ser esta uma medida necessária para o almejado reequilíbrio fiscal do Brasil, figuras da oposição são enfáticas em dizer que a PEC 241 vai comprometer áreas cruciais para a sociedade, tais como a saúde e educação.


A população, diante disso, muitas vezes apresenta dúvidas acerca do que é a PEC 241 e o que ela significa em várias nuances (na economia, política e socialmente). Pensando nisso, O Aratu Online conversou com o economista e doutor Leandro Moraes para entender como funciona a PEC e quais são as circunstâncias que estão incumbidas nesta caso ela seja aprovada. Leia na íntegra:


Aratu Online: Muitas pessoas têm questionado a PEC 241 no sentido de não entenderem quais setores vão sofrer reduções caso ela seja aprovada. Os defensores da emenda afirmam que a medida não afetará setores como saúde e educação. Você considera que isso é possível tendo em vista o retrocesso dos partidos políticos que estão à frente da movimentação?


Leandro Moraes: Inevitável que essa questão não vá chegar à redução de gastos direcionados à saúde e educação. Inclusive, já existem até alguns estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que dizem que mantendo a medida do jeito que está há uma projeção de perca de cerca de R$950 bilhões dos investimentos, nos vinte anos que vigora a PEC 241, para a educação e para a saúde. Os próprios médicos já estão se posicionando completamente conta a PEC 241. Tem um dado econômico que diz que a inflação de custos na área médica tem um índice muito maior que o índice de inflação oficial da economia. Os custos com a saúde é, por natureza, muito maior. Então, se você congela com base nas taxas de inflações dos anos passados, a área da saúde não fica coberta, trazendo uma consequência para a saúde. E essa não é uma resposta ideológica, de direita ou de esquerda, é uma resposta técnica, matemática. Já as consequências na educação, pelo fato do Brasil ter crescido neste quesito nos últimos anos, principalmente por conta da gestão de Lula, talvez sejam sentidas um pouco mais tardes, porque a base está mais sólida. Tem, também, uma questão institucional, que é antidemocrática: tentar passar uma PEC por vinte anos, quando em 4 em 4 anos, nós podemos rever e escolher novamente nossos governantes. Isso não tem cabimento. Embora eles digam que não vai afetar, eles estão mentindo, é impossível não afetar. Não tem uma justifica para acreditar que isso não vai chegar na educação e na saúde. Os gastos precisam ser revistos, mas eles não estão dizendo que, por trás disso, vai haver uma redução do peso do Estado na economia, o que significa uma redução da participação do Estado na educação e saúde.


Aratu Online: Uma das primeiras pastas a serem prejudicadas por medidas econômicas de redução de gastos é a cultura. Como você acha que a PEC 241 pode influenciar nas políticas públicas para a cultura e na própria condução das medidas de incentivo a esta?


Leandro Moraes: A gente viu que logo que o governo ilegal tomou posse, o Temer já foi dizendo que ia acabar com o Ministério da Cultura. Aí o Ministério acabou, depois, com a pressão do setor, ele voltou atrás. Isso já é um indício inegável do que vai acontecer. Mas a gente vem acompanhando a história. É muito ”simples” manter uma pasta e reduzir os gastos. Em nome da PEC 241, todos os setores sofrerão redução de gastos. Você vota a PEC, mas não vota os instrumentos que vão tornar o funcionamento dela possível. Quando o governo se depara com uma situação de ter que cortar algum segmento, a cultura é uma área que eles parecem achar que não precisa de orçamento público. São pessoas que não entendem a cultura da forma como ela passou a ser vista na época do Ministro Gil. Muitos que hoje fazem parte do governo dizem que a cultura tem muito auxílio, precisa ser revista. Eu não consigo entender quando a cultura tem muito auxílio. Se eles acham isso, é porque acham que pode cortar. Os gastos com a cultura não chegam nem a 1%, e 45% é referente aos impostos. Aí você vê o Ministro da Fazenda, de onde é? Do banco. O presidente do banco central? Banco também. São pessoas que representam muito bem os interesses dos bancos. Porque hoje é muito fácil passar essas informações para a população que não entende muito bem do assunto. Até a classe média mais letrada que tem como fonte primordial de informação a VEJA. É um problema, essas pessoas compram uma retórica de que é necessário reduzir os gastos a qualquer custo.


Aratu Online: O governo federal tem trabalhado para que todos os integrantes do Bolsa Família tenham que ter CPF para poderem ser beneficiados. A realidade social de muitas famílias que integram o programa não é essa, o que pode vir a prejudicar o acesso. Além da cultura, outras pastas são desprivilegiadas quando se fala em corte de gastos, como a social. Você acha que, com a aprovação da PEC 241, o setor social e, com isso, a população mais pobre, é o mais prejudicado?


Leandro Moraes: De fato, quem será mais prejudicada é a população mais pobre. Não só por programas de complementação de renda, mas porque ela é a parcela que mais depende da saúde, da educação pública, da segurança pública… Sem dizer que essa população já tem passado por uma situação de retrocesso no quesito condição social. Pois toda a melhora que teve nesses últimos anos está retrocedendo. É a parte da população que mais vai sofrer. A PEC 241 vai reduzir a transferência que o Estado passa para os municípios, por exemplo. Quanto ao Bolsa Família, especificamente, quem está na frente da PEC 241 não é burro de dizer que o programa vai acabar. Porque ele gasta apenas R$20 bilhões do orçamento federal por ano, o que é, do ponto de vista do orçamento público, muito pouco. Eles também têm medo por conta do ponto de vista eleitoral de dizer que vai acabar. Mas os cortes vão existir, já que o reajuste vai ficar comprometido devido a PEC 241.


Aratu Online: Contrários à aplicação da PEC 241, muitos estudantes têm ocupado escolas, universidades e institutos federais. O Ministério da Educação já determinou a retirada dos ocupantes devido à proximidade do ENEM. Como você acha que os dois movimentos podem coexistir sem que nem os candidatos nem alunos sejam prejudicados?


Leandro Moraes: O ENEM vai ser prestado, digamos assim, pelos dois lados dessa polaridade. Provavelmente você tem uma participação ampla por causa da importância do exame. Vai depender muito da articulação, da capacidade da conversa, daqueles que representam o Enem com os organizados desse movimento de ocupação. Creio que os movimentos de ocupação possam ocupar em outras esferas, em praças, na frentes das próprias escolas, para que não atrapalhem a estrutura do Exame. Mas acho que isso tudo vai depender muito da capacidade de articulação dos dois lados envolvidos.


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Leandro Moraes no 10º Encontro de Jornalistas (Foto: Divulgação/Fundação Banco do Brasil)


Aratu Online: A PEC-241 prevê que o salário mínimo seja reajustado com base na inflação e no crescimento do PIB de dois anos antes. Em 2015 o PIB caiu 3,8% e este ano economistas preveem uma queda de cerca de 3%. Em tempos de crise econômica, você acha que o salário mínimo das famílias será capaz de manter o poder de compra das classes C e D?


Leandro Moraes: Bom, é uma variável que não ajuda no reajuste. O salário (caso a PEC 241 seja aprovada) deve, muito provavelmente, acompanhar apenas os índices de inflação. De fato, haverá uma perda relativa do poder de compra por essas classes. Tem a ver, também, com a questão da previdência social, porque quando os salários crescem, os benefícios crescem juntos. Então, é preciso para que o ??pacotão?? caminhe que eles reajustem o salário mínimo de uma forma diferente. Mas, por ora, está bom, porque se o PIB deu queda, o reajuste vai repor esse poder de compra.


Aratu Online: Uma das grandes dificuldades da população é compreender as medidas adotadas pelos governos devido à linguagem técnica utilizada. Como você definiria, de uma forma acessível, a PEC 241?


Leandro Moraes: Olha, a PEC 241 é uma PEC que lida com a discussão dos gastos públicos, mas que, por sua vez, estão relacionados às receitas públicas. A PEC ela vem para trazer um certo equilíbrio para esses gastos, de modo que eles não possam subir mais que as taxas de inflação do período. Do total, a maioria dos gastos são aqueles determinados constitucionalmente. Ou seja, são gastos que  não pode mudar muito. Então, por isso que essa emenda de proposta vem para poder mexer, constitucionalmente, na distribuição desses gastos. Mas ela não informa que também entra como gastos, aquilo que o governo cobra de juros. Então quando você vem com uma PEC que coloca como grande culpado o setor social, há um desequilíbrio, porque ele não é o grande culpado. Por isso que essa PEC é nociva para população brasileira.


Aratu Online: As eleições municipais deste ano colocaram o PT, que ficou por mais de uma década no poder, em posição de coadjuvante. Em detrimento disso, tendências mais conservadores tem ganhado espaço. Você acha que para quem vive hoje no Brasil se consolida uma ideia de que ??se correr o bicho pega, se ficar o bicho come???


Leandro Moraes: (risos) Olha, o cenário não é fácil, viu?! É um cenário muito difícil, porque mesmo que tudo dê certo, o crescimento só deve vir em 2019. Tem outra questão que vem junto, que é a taxa de juros. Hoje nós pagamos a maior taxa de juros do mundo, isso enterra um pouco a possibilidade de crescimento econômico. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come (risos). Mas vamos tentar ficar e lutar contra esse bicho (risos).


 


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