Provocações no Youtube, gírias e crimes; conheça as facções que espalham terror por bairros da capital
Provocações no Youtube, gírias e crimes; conheça as facções que espalham terror por bairros da capital
O tráfico de drogas tem financiado disputas entre gangues das mais diferentes nacionalidades em todo o planeta, principalmente em países de terceiro mundo. No Brasil não é diferente e, especificamente em Salvador, as facções protagonistas deste enredo de crimes são a Caveira e a CP (Comando da Paz).
O caso mais recente que chegou ao Aratu Online sobre as disputas localizadas do tráfico na capital baiana está acontecendo no Engenho Velho da Federação. Os membros do CP retornaram ao bairro após um período de controle dos Caveiras e estão disputando pontos de venda de drogas. A última vítima do confronto foi um garoto de 15 anos que morreu em uma troca de tiros entre as facções da localidade da Muriçoca e da Lajinha, no último dia 13 de março. Cerca de dez homens e adolescentes participaram do confronto que representava mais uma tentativa de avanço do CP no bairro. O grupo já havia retomado à Muriçoca e estava tentando assumir a Lajinha, que fica do outro lado da comunidade.
Na última semana a polícia realizou uma operação na região e prendeu alguns dos traficantes envolvidos na disputa, tanto na Lajinha quanto na Muriçoca. Um deles, que atualmente lidera parte da venda de drogas no bairro, é membro de uma família já envolvida no mundo do crime e que não tinha em sua lista de prioridades a criação do filho. O rapaz chegou a participar de um grupo social que visava preservar os jovens do Engenho Velho da Federação da influência do comércio das drogas, mas acabou seguindo o exemplo da família. Na casa dele, foram encontradas armas e até uma granada. “Um dia eu perguntei no que foi que eu tinha errado pra eles terem virado traficantes, por que não foi só um aluno, foram alguns. Eles me disseram que não fui eu que errei, que é o Estado que não dá oportunidade alguma para meninos negros que nascem e vivem nos bairros da periferia”, disse o coordenador do grupo, que por questões de segurança, preferiu não ser identificado.
O homem ainda destaca que um de seus ex-alunos lhe confidenciou que se envolveu com o tráfico por necessidade. “As pessoas costumam pensar que esses jovens se envolvem com a venda de drogas para ostentar, usar roupa de grife. Mas não é sempre assim. Um dos meninos me disse que estava no crime para sustentar a família. Para ter o que comer dentro de casa. Se você reparar, aqui no Engenho Velho muitos dos envolvidos nem usam roupas de marca. Continuam usando as mesmas roupas por que o dinheiro é pra sustentar a família”, disse. Ele também destaca que a maioria dos jovens envolvidos no tráfico no bairro não anda armada. “Eles fazem avião, compram, vendem, mas poucos ficam com armas”.
A origem do confronto CP x Caveira
Quem mora em Salvador, mas não frequenta os bairros afetados pelos confrontos, fica sabendo ao menos através da imprensa que algo muito errado está acontecendo nas comunidades afetadas pelo intenso comércio de drogas. Toque de recolher, troca de tiros, execuções… Como exemplo da forte influência do tráfico em nossa sociedade, um delegado, em contato com o Aratu Online, disse acreditar que atualmente cerca de 80% dos homicídios e roubos de veículos registrados na capital têm alguma relação com o comércio de entorpecentes.
Nos últimos meses, os cidadãos da Grande Salvador têm testemunhado uma série de ocorrências relacionadas à disputa pelos pontos de vendas de drogas em diferentes bairros da capital, como Nordeste de Amaralina, Liberdade, Fazenda Coutos e Cosme de Farias. A explicação para a sucessão de ocorrências em diferentes bairros é a reorganização do CP após a morte de Pitty, um dos líderes históricos da facção. Após a morte do traficante, em 2005, o grupo ficou desestruturado, perdendo territórios para os caveiras. Agora, dez anos depois, o CP se reorganizou e está buscando retomar áreas de exploração, o que tem gerado os confrontos.
A reportagem teve acesso a um levantamento feito pelo tenente Danilo Pitangueira, da Polícia Militar da Bahia, que relata o desenvolvimento do embate entre traficantes de Salvador. Na época em que realizou o trabalho, o tenente atuava na 50ª Companhia Independente da Polícia Militar de Sete de Abril. Atualmente, com cinco anos de serviço, ele trabalha no Esquadrão de Polícia Montada. A disputa de poder tem provocado verdadeiras guerras em bairros da capital, vitimando tanto envolvidos quanto inocentes.
A origem do crime organizado
Segundo a pesquisa do tenente, na década de 1990, Raimundo Alves de Souza, conhecido como Ravengar, era considerado o maior traficante de drogas na Bahia. Neste cenário, os grupos criminosos em Salvador eram dispersos e quando estavam na cadeia matavam uns aos outros.
A cena da criminalidade na Bahia começou a mudar com a chegada de um traficante e sequestrador chamado Mário Carlos Jezler da Costa, que já havia frequentado prisões cariocas e paulistas, pois fazia parte da Falange Vermelha. Através da influência do criminoso, os grupos começaram a se unificar na Penitenciária Lemos de Brito.
O resultado da chegada de Mário Carlos e sua experiência em prisões do Rio e São Paulo foi a criação da “Comissão da Paz ou Comando da Paz”, que visava harmonizar a cadeia. Os presos se organizaram para reinvidicar melhores condições e controlar a violência no presídio. A pesquisa mostrou que o grupo era composto por Genildo Lino (Perna), César Dantas (Lobão), Claúdio Campanha e Éberson Santos (Pitty).
A criação do Caveira
Através de seu levantamento, Pitangueira descobriu que, após a transferência de alguns integrantes, Pitty (Éberson Souza Santos), de 26 anos, assumiu o comando, entretanto Perna não concordava com alguns métodos e fundou o seu próprio grupo, o Caveira.
Em agosto de 2005, Pitty morreu em um confronto com a polícia. Ele havia fugido do Presídio Salvador no mês de julho, enquanto cumpria pena por assalto a banco. Após sua morte, quem assumiu o Comando da Paz (CP) foi Cláudio Campanha.
Guerra
Atualmente as duas facções se desenvolveram e disputam pontos de drogas na cidade de Salvador e também nos municípios da Região Metropolitana. Dentro e fora dos presídios e cadeias os dois grupos são inimigos e têm espalhado uma onda de violência pela cidade. A rivalidade entre as facções é tão grande que músicas com ameaças entre elas são divulgadas em canais do YouTube, sem restrições. Confira abaixo:
A guerra ficou ainda mais intensa com a crescente aproximação do Primeiro Comando da Capital, o PCC de São Paulo, e os “caveiras” de Salvador. Em 2010, a disputa se tornou ainda mais acirrada quando entregadores de drogas do PCC para a CP foram mortos, dando início a diversas execuções. Esse episódio foi responsável pelo estreitamento dos laços entre o Grupo de Perna e o PCC.
A pesquisa à qual o Aratu Online teve acesso ainda traz detalhes da identificação dos dois grupos:
Nome: Comando da Paz, Comissão da Paz ou CP
Saudação: Êa
Simbolo: Escorpião
Líder: Cláudio Campanha
Numeração: 315 (CP)
Perfil: Grupo mais pulverizado em relação à liderança, mais violentos e gostam de demonstrar força.
Nome: “Grupo de Perna”, PCC ou Caveira
Saudação: É nós ou é noix
Simbolo: Caveira
Líder:Perna
Numeração: 1533 (PCC)
Perfil: Grupo mais coeso, discreto e racional. Não se exibem tanto.
Em contato com alguns delegados da capital, o Aratu Online recolheu relatos de que os ‘caveiras’ são mais respeitosos, principalmente com policiais: “Eles evitam problemas com policiais e não matam integrantes da polícia”. Vale lembrar que existem outros grupos criminosos, como o Bonde do Maluco.
A divisão dos bairros
O Aratu Online também manteve contato com pessoas envolvidas na guerra do tráfico e com a polícia para tentar mapear a atual divisão das facções nos bairros da Grande Salvador.
Fontes da Polícia Civil contactadas pelo Aratu Online informaram que, atualmente, apenas o Engenho Velho de Brotas pode ser considerado um bairro completamente controlado por apenas um dos lados. Também há regiões independentes, como ilustrado no mapa:
O coordenador do Departamento de Narcóticos de Salvador, André Viana, foi procurado para falar sobre a atuação das facções na cidade. Viana atendeu a equipe, mas informou que não poderia confirmar informações relativas às facções por uma política de segurança da Secretaria de Segurança Pública. Apesar disso, ele confirmou que as brigas são derivadas por disputa do território e disse que as quadrilhas estão sendo identificadas. “A polícia tem agido. Como exemplo, uma quadrilha da área de Valéria já teve seu comando todo desarticulado, com a prisão dos líderes”, informou.
Uma possível solução
Os problemas resultantes do tráfico de drogas não só em Salvador, mas em todo o Brasil, têm levado diferentes organizações sociais a buscarem e discutirem soluções. Hamilton Borges Onirê, da Campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, acaba de chegar a Salvador vindo de um encontro da Organização dos Estados Americanos (OEA). Lá, ele buscou denunciar nas cidades de Washington e Nova Iorque o genocídio praticado contra o povo negro no país. Para Hamilton, grande parte destes assassinatos são ‘justificados’ pela guerra ao tráfico. “O governo não reconhece que existe um problema racial na segurança pública do país”, destaca.
O representante do Reaja acredita que há uma série de questões que levam o tráfico de drogas a não ser combatido como deveria. As principais entravas seriam o envolvimento de policiais no esquema e a falta de interesse da polícia em revelar quais são os verdadeiros beneficiados com o comércio de entorpecentes, no caso grandes traficantes, inclusive internacionais. “O que acontece em Salvador é um tráfico de varejo, mas existe um poder econômico muito forte agindo para perpetuar essa desgraça e é ele quem deve ser investigado mais a fundo. A polícia foca o trabalho nesses meninos pobres, que estão em último lugar na escala dessa indústria, e acaba por criminalizar toda uma comunidade”, defendeu.
Hamilton informou também ter solicitado à OEA uma investigação do crime organizado no Brasil nos mesmos moldes da investigação realizada no Espírito Santo na década de 90. À época, um grupo de extermínio conhecido como Scuderie Detetive Le Coq foi desarticulado, apesar de possuir membros de alto poder aquisitivo e influência social. “Não se criminaliza quem já está sendo penalizado diariamente pelos reflexos da guerra do tráfico de drogas. É necessário chegar aos grandes nomes, em quem realmente ganha dinheiro com o crime e faz as cargas ilegais chegarem ao país, estados e cidades”, defende.
Para o representante da campanha, o problema do tráfico só será resolvido com três importantes iniciativas: a descriminalização e controle das drogas pelo Estado; a investigação dos grandes grupos e o controle do armamento no país. “Com a descriminalização e a taxação das drogas pelo Estado, parte do problema será resolvido, mas os traficantes continuarão atuando. Por este motivo é necessário que as três ações sejam realizadas em conjunto. Para que os grandes traficantes sejam identificados, punidos e desarmados”, concluiu.