'Roleta-russa' do sexo: psicólogas alertam que desafio não é fato isolado
Roleta russa sexual que terminou com adolescente grávida acende alerta; psicólogas comentam
Por Juana Castro.
A história chamou atenção. Uma adolescente de 13 anos engravidou após participar de uma “roleta russa” sexual. O episódio, relatado por uma professora durante podcast, teria envolvido estudantes de uma escola particular no Brasil.
No vídeo, a professora contou que a adolescente não sabia quem era o pai do bebê, pois, na brincadeira, vários meninos ficavam sentados, com o pênis ereto, enquanto as meninas passavam “sentando” por eles.
Com a repercussão do vídeo - e do caso - surgiram questionamentos sobre o que pode levar adolescentes a participarem de situações como essa; se as redes sociais influenciam e sobre o papel dos pais e/ou responsáveis na formação desses seres humanos.
Para abordar o assunto, o Aratu On conversou com duas psicólogas, Jéssica Castelo Branco e Tatiane Seixas. De acordo com a primeira, o comportamento de um adolescente nunca pode ser visto como um ato isolado ou sem sentido.
“Carrega conteúdos muito profundos e simbólicos de uma tentativa de lidar com vários aspectos internos que ainda estão em formação”, disse, reforçando que é na adolescência - fase a qual chamou de “intensa” - que a pessoa tenta entender e buscar sua identidade, fora da sombra dos pais, e isso vem marcado por dúvidas, conflitos e angústias.
Por isso, a profissional avalia: “Práticas como a roleta russa não são apenas brincadeiras perigosas, mas, assim, muitas vezes, uma dramatização inconsciente desse vazio da desorientação e da necessidade de pertencimento”.
Sexualidade na adolescência
Ainda de acordo com Jéssica, a sexualidade é um tema muito presente na adolescência, mas, muitas vezes, sem a elaboração emocional psicológica. Torna-se, assim, algo de impulso.
“Nesse caso da roleta russa, se a gente for pensar, parece até uma coisa meio ritualística, com os meninos em semicírculo, naquela dinâmica, como se estivessem tentando provar alguma força, alguma maturidade, ou coragem, sem qualquer noção do impacto emocional e até mesmo físico que isso pode causar”, refletiu a psicóloga.
“Vejo também um sintoma de distanciamento dos adultos, ali. Quando os adolescentes não encontram referências seguras nos pais, acabam buscando esse pertencimento, afastando limites uns nos outros, o que é super arriscado”, completou.
Segundo a psicóloga, a falta desse espaço simbólico e saudável onde possam elaborar essas angústias e questionamentos geram uma pressão da própria sociedade, que “valoriza muito a performance, a imagem, o sucesso, especialmente em ambientes privilegiados economicamente”, o que “acarreta em um sentimento de cisão, onde por fora tudo parece perfeito, mas por dentro é um desamparo silencioso, uma falta de elaboração, de acolhimento, de entendimento, que beira em comportamentos perigosos e arriscados com consequências significativas na adolescência".
Redes sociais influenciam?
Para Jéssica Castelo Branco, as redes sociais têm influência sobre “brincadeiras” como a roleta russa sexual, por potencializar esse tipo de comportamento de várias maneiras:
“A própria lógica do algoritmo reforça comportamentos extremos e virais, muitas vezes descolados do sentido mais profundo da experiência. É uma busca, como eu falei, por pertencimento através da exposição e da performance, que é uma coisa que é exigida pela sociedade, e isso pode levar a uma dissociação entre o que se vive de fato e o que se mostra. Acho que a internet, em especial, alimenta muito esse imaginário coletivo dos adolescentes, com conteúdos que podem reforçar essa necessidade de se expor, transgredir ou de pertencer a qualquer custo”.
A psicóloga Tatiane Seixas compactua do pensamento e reforça que “a facilidade de acesso às redes sociais e diferentes mundos na Internet cresce junto com a preocupação de uma maior vigilância dos pais e cuidadores sobre os conteúdos que estão sendo consumidos pelas nossas crianças e adolescentes”.
“Não adianta só orientar sobre os riscos do mundo virtual. É preciso que os cuidadores compreendam esse mundo. É importante buscar entender os códigos, o significado dos memes e a comunicação que está acontecendo ali na troca de mensagens e fotos”, pondera Tatiane.
Para ela, esperar que as crianças e jovens tenham maturidade para darem conta sozinhos diante da "epidemia" de crimes virtuais é exigir uma alta maturidade e estabelecer responsabilidade unilateral:
“Uma criança ou adolescente desassistido no mundo virtual é um terreno fértil para cenários de abusos, assédios e agressões das mais diversas. Muitas vezes sem se darem conta do que está acontecendo ali”.
Por fim, a profissional destaca que o combate a tais riscos é responsabilidade de todos, mas principalmente dos adultos, “que precisam estabelecer uma comunicação que empatize e oriente com acolhimento, além de supervisionar os conteúdos que estão sendo oferecidos e consumidos”.
Desconexão afetiva entre pais e filhos: fator crucial
Jéssica acrescenta que tem percebido uma “desconexão afetiva” entre pais e filhos, fator crucial para comportamentos de risco. “Muitos pais, mesmo bem intencionados, acabam terceirizando o cuidado emocional para a escola, terapeutas, a tecnologia, e perdem a chance de cultivar uma relação de intimidade simbólica com os filhos, que é importante para eles. Claro que todos esses serviços também são muito importantes, mas muitas crianças e adolescentes se veem somente tendo essa rede”.
Os jovens, então, acabam “se separando” dos pais na adolescência, mas de forma não saudável. E quando esse vínculo não foi construído na infância, ou superficialmente, a separação vira uma “ruptura dolorosa”. “Nesse limbo, o adolescente fica vulnerável a vivências extremas, como forma de se sentir vivo, muitas vezes, ou autônomo”, conclui.
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