Psicóloga analisa estudo que traz lista de profissões mais infelizes: é possível ter prazer no trabalho?
Em entrevista ao Aratu On, a psicóloga Vitória Barreto aponta quais fatores podem gerar essa sensação de infelicidade e insatisfação constante entre trabalhadores
Procurar felicidade no trabalho, e apenas nele, nem sempre é o caminho para alcançar uma vida plena. Essa é a conclusão de um estudo da Universidade de Harvard conduzido por 85 anos, que analisou mais de 700 trabalhadores de todo o mundo e os perguntou sobre suas vidas profissionais a cada dois anos.
E aí, veio a conclusão: para ser feliz, a gente não precisa tanto de dinheiro, sucesso profissional ou de uma super rotina de exercícios, mas, sim, de relacionamentos positivos. E qual é o lugar em que a maior parte das pessoas passa a maior parte do tempo? No trabalho. Ou seja: segundo Harvard, não ter boas interações no trabalho aumentam - e muito - o risco de uma infelicidade crônica e frustração pessoal e profissional.
No estudo, os pesquisadores também se preocuparam em listar as profissões que mais levam a esse quadro de melancolia sem fim. Como resultado, a pesquisa apontou que os empregos mais infelizes são, quase sempre, os mais solitários, aqueles nos quais os empregados não têm a oportunidade de trabalhar em equipe. Isso porque, segundo a pesquisa, tarefas solitárias e com pouca interação fazem com que as horas passem mais lentamente, e a solidão faz as atividades parecerem ainda mais maçantes. Home office e empregos com turnos noturnos também estão listados.
Confira a lista dos sete empregos que mais trazem infelicidade para os trabalhadores:
- Entregadores;
- Motoristas de caminhão;
- Guardas;
- Trabalhos com turnos noturnos, como vigilantes e porteiros;
- Trabalhos remotos;
- Atendimento ao cliente;
- Comércio varejista.
Ao Aratu On, a psicóloga Vitória Barreto, uma das colunistas do portal, explica que, além desses, outros fatores podem gerar essa sensação de insatisfação constante entre trabalhadores:
"São muitos os fatores que podem gerar a percepção e sensação de infelicidade e não realização no trabalho. Algumas delas são a precarização social do trabalho, jornada extensa e exaustiva, a polivalência não consentida e não assegurada nos contratos, a não identificação com as funções realizadas em seu cargo, clima organizacional opressor, assédio moral e baixa remuneração. Em uma pesquisa desenvolvida pela Survey Monkey em 2021, 90% dos brasileiros se dizem infelizes ou insatisfeitos com seu trabalho".
Na lista, duas das áreas estudadas chamam a atenção: atendimento ao cliente e comércio varejista. E isso, de acordo com o professor de psiquiatria da Harvard Medical School e diretor do Harvard Study Of Adult Development, Robert Waldinger, tem uma explicação simples: a rotina desses profissionais, geralmente, é inundada de interações ruins, pessoas impacientes e insultos.
"Nós sabemos que pessoas em call centers estão comumente estressadas, principalmente porque elas ficam no telefone o dia todo com clientes frustrados e impacientes. Relacionamentos positivos no trabalho levam a níveis mais baixos de estresse e a menos dias em que voltamos para casa chateados", disse Waldinger ao CNBC Make It, programa veiculado na televisão dos Estados Unidos.
COMO CONSTRUIR RELAÇÕES MELHORES
Segundo Vitória, para evitar que esse estado de infelicidade se estabeleça, é importante que, primeiro, a cultura organizacional das empresas valorize a importância de um ambiente de trabalho saudável e interações positivas.
"As boas relações no ambiente de trabalho devem partir de uma cultura organizacional que valorize e reconheça a importância dos vínculos como fator de promoção de saúde mental. Além disso, a empresa deve estar compromissada desde os mais altos cargos hierárquicos, com a defesa e prática de valores que validem os laços interpessoais como eixo fundamental para uma dinâmica de trabalho que inclua a dimensão afetivo relacional como central na manutenção de um bom clima organizacional. Encontrar espaço no cotidiano de trabalho para cultivar os vínculos deve ser prioridade".
Quando a gente fala em home office, como destaca a psicóloga, dá para reconhecer aspectos positivos e negativos nesse modelo de trabalho que se tornou tão mais comum no Brasil após a pandemia de covid-19. O lado bom é que o fato de não precisar se deslocar ou passar o dia inteiro em um "ambiente adoecedor" reduz, sim, as cargas de estresse; o ruim, como já dá para imaginar, é o isolamento, a redução na interação com os colegas e aquela sensação estranha de que você está sempre no escritório, já que o escritório é a sua própria casa.
"O home office pode trazer alguns fatores de diminuição de estresse, como o deslocamento físico e a inserção em um clima organizacional adoecedor. Por outro lado, limita as possibilidades de convívio interpessoal que poderiam ser saudáveis e favorecer os estados motivacionais associados ao trabalho. Além disso, pode trazer também uma invasão do trabalho para o ambiente de descanso, fazendo com que as fronteiras entre trabalho e descanso sejam mais tênues. Para amenizar isso, é importante organizar material e cronologicamente o espaço e tempo de trabalho, dentro das possibilidades físicas de cada pessoa".
BURNOUT
Mas, além de toda essa questão de interações negativas, relacionamentos ruins e isolamento, há outro fator determinante para essa sensação de frustração e tristeza: a desvalorização do trabalhador, jornadas extenuantes e salários baixos.
"Definitivamente, o fator financeiro é estruturante na relação com os índices de satisfação ou insatisfação no ambiente de trabalho. O salário é o reforço central na relação com o trabalho, já que, não sendo um trabalho voluntário, o retorno financeiro é o principal ou um dos principais motivadores para uma pessoa se inserir no mercado. Mesmo quando há identificação, desejo e prazer em realizar uma tarefa, cada pessoa tem o direito e necessidade de ver sua força de trabalho ser traduzida em poder financeiro. Se ela avalia que essa tradução não é justa, naturalmente, ela se sentirá insatisfeita, e essa insatisfação poderá se traduzir em diversos outros comportamentos, como desmotivação, baixa produtividade e infelicidade".
E aí, quando essa conta não fecha e o trabalhador chega à exaustão, as chances de que ele tenha uma crise de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, aumentam. O Burnout, como explica Vitória, é uma síndrome causada pelas condições de vida e trabalho do mundo em que a gente vive hoje. É uma resposta, e não uma doença de origem biológica.
"É um quadro agudo de desgaste mental e físico associados a uma sobrecarga e a sentimentos e pensamentos negativos relacionados ao trabalho, seja sobre as suas funções e tarefas, ou os fatores do ambiente de trabalho, como competição exacerbada, por exemplo. A pessoa sente que perdeu toda a sua força vital, sentindo-se incapaz de se manter ativa em seu posto de trabalho", pontua.
Caso você se perceba nessa situação, há formas de tentar sair dessa e ainda manter o emprego. Primeiro, ao se dar conta de que está se sentindo infeliz, chame seus colegas mais próximos para conversar. "É importante dialogar com os pares, com os colegas de trabalho, para compartilhar suas experiências e ter outras perspectivas que podem reforçar ou não a sua realidade subjetiva", explica Vitória. Mas, se o quadro negativo não mudar, é preciso parar, respirar fundo e procurar ajuda.
"Se essa tristeza permanecer intensa por um período de tempo e começar a comprometer sua saúde mental, é importante buscar acompanhamento psicológico para que a profissional possa avaliar, acompanhar e mediar o processo de sofrimento mental associado ao trabalho".
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