Professores na Bahia relatam desafios de ensinar em tempos digitais

Soluções para educação em tempos digitais envolve formação continuada de professores na Bahia e melhorias na infraestrutura escolar

Por Júlia Naomi.

A cada dia, a expansão do uso de tecnologias digitais transforma a rotina de estudantes e professores na Bahia. Em meio à expansão possibilidades de ensinar e à facilidade do acesso à informação, profissionais da educação pública estadual e municipal relatam desafios referentes à infraestrutura das escolas, além do uso consciente de ferramentas de pesquisa por parte dos estudantes.
Foto: Marcello Casal Jr / Agência BrasilA professora de redação e língua portuguesa Lícia Maria Magalhães, 57, considera que o acesso à internet e tecnologias no ambiente escolar possibilita o aprofundamento dos conteúdos ministrados e a distribuição de atividades que vão além do material didático. 

"Com isso, eu sempre tive muita atenção desses estudantes, porque eles estavam com o objeto de desejo deles na mão, que é o celular. Ao mesmo tempo eles estavam tendo acesso ao conhecimento. Então, para mim foi muito positivo essa inserção da tecnologia na sala de aula", relata.

Ela, que é especialista em gestão escolar pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e doutoranda em crítica cultural pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), vê na infraestrutura escolar o principal empecilho para a educação em tempos digitais. "Ultimamente, o estado nos solicitou que trabalhasse com a Plataforma Plural, que é para fazer recomposição da aprendizagem. Os alunos têm tido muita dificuldade nesse acesso, por conta da internet" declara.

"Então, hoje, para mim o maior desafio é esse, porque lidar com as redes sociais, com o TikTok, com os jogos, eu consigo através do diálogo. Eu sempre procuro ter um diálogo com eles muito franco", ressalta.

Silvana Giffoni, 53, professora de matemática na rede municipal e estadual de Camaçari, reitera o desafio da ausência de internet de qualidade em escolas e aponta a ausência de equipamentos que viabilizem o uso das tecnologias existentes na atualidade. 

Além dos aspectos materiais, a especialista em matemática pela Faculdade Anísio Teixeira e em gestão escolar pela Uneb, considera que existem dificuldades de uso crítico e aprofundado de ferramentas de pesquisa por parte dos estudantes. "Eu acho que a nossa ideia enquanto professores e educadores é os alunos acessem as tecnologias para extrapolar o conhecimento, mas eu não sinto isso", diz.

Ela relata que os estudantes utilizam muito as redes sociais, mas costumam buscar aprofundar conhecimentos em artigos científicos, sites e aplicativos confiáveis. "O primeiro que abre [em uma busca] é o que está acessando. Aí então isso dificulta", detalha.

De acordo com a pesquisa TIC Educação, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade de Informação (Cetic.br), o percentual de estudantes que usam de canais e aplicativos de vídeo, como o YouTube e o TikTok para pesquisas escolares é muito próximo da porcentagem que utiliza sites de busca, como Google e o Bing. Entre o total de alunos entrevistados, a média de procura de informações em sites de busca é de 74%, frente a 72% em aplicativos de vídeo.

Quando considerada apenas a etapa do ensino médio, a fração de estudantes que utiliza aplicativos de vídeo para os trabalhos é de 89%. Este número supera em 1 ponto percentual o uso de sites de busca na mesma faixa educacional. Do total de estudantes desta etapa de ensino, 65% afirmam ter recebido orientações sobre quais sites deveriam usar para cumprir com as tarefas solicitadas.

Ensinar Em Tempos De Educação Digital Foto Caminhos Da Reportagem TV Brasil

Orientação para a educação midiática

Ainda de acordo com o levantamento, sete em cada dez alunos do ensino médio afirmam utilizar IA em pesquisas escolares. Apesar do amplo uso de aplicações como ChatGPT, Gemini e Copilot entre os adolescentes, apenas 32% deles afirmam ter recebido orientações de professores sobre como utilizar estas tecnologias.

Conscientizar crianças e adolescentes nativos digitais sobre o uso responsável de tecnologias, seja nos estudos ou na vida cotidiana, é um processo que exige diálogo. Nesse sentido, Lícia Maria Magalhães relata uma experiência positiva em relação a este processo de orientação. 

"Logo no começo do ano, eu pedi para eles produzirem textos e eles entregavam produções com muita similaridade entre si. Eu percebi que eles estavam usando IA e comecei a levar esse debate para a sala de aula, a dizer que a ferramenta limita muito", relata. "Eu mostro para eles que a gente pode produzir e pedir apenas algumas dicas ou algum melhoramento, sem se limitar a dar o comando: 'Escreva um texto sobre isso para mim'. Então eu comecei a perceber que esse eles melhoraram. Tem autoria nos textos."

Na educação básica, além de mediar a apreensão de conteúdos programáticos, os professores contribuem para a formação cidadã de crianças e adolescentes. Nesse sentido, o professor de história Cristopher Moura, 41, por exemplo, reconhece a importância da facilidade de acesso à informação por meio da internet, mas se preocupa com a falta de aprofundamento das pesquisas e com o acesso de estudantes a conteúdos inadequados.

"Lembro que fiz uma roda de conversa com eles na ocasião do vídeo viral que Felca produziu sobre a exploração de crianças e adolescentes nas redes sociais. Fiz uma enquete sobre quais conteúdos acessavam nas redes sociais, se os pais tinham algum tipo de controle ou acompanhavam, e a maioria disse que os pais não perguntavam nem sabiam os conteúdos que eles acessavam", relata.

Ele, que dá aula em Inhambupe (BA) e Praia do Forte, ressalta as desigualdades sociais que fazem com que os pais, ocupados com a rotina de trabalho, estejam menos presentes na vida dos adolescentes. Moura também considera que a comunidade escolar, que envolve familiares e profissionais da educação, não está preparada para lidar com os avanços tecnológicos vivenciados.

Para Lícia Maria, as gerações mudaram e a educação precisa acompanhar estas transformações. "Infelizmente, eu vejo que isso não é uma preocupação geral. Não é todo o corpo docente que consegue entender quem é aquele estudante [da nova geração]. Ainda insistem em aulas expositivas e em trabalhos que eu fazia na década de 1970 ou 1980."

Formação continuada de professores na Bahia

A TIC Educação também analisa a participação docente em atividades de formação continuada. Dentre os entrevistados em todo o Brasil, 54% relatam que receberam capacitações relacionadas a tecnologias digitais nos 12 meses que antecedem a pesquisa. Em 2021, o percentual era de 65%.

Dos professores que participaram de formações continuadas no período observado, 68% foram treinados em relação a educação midiática e uso crítico das mídias em sala de aula. Já em relação à inteligência artificial em atividades educacionais, o valor foi de 59%.

A professora de matemática Silvana Giffoni destaca que os professores estão sempre em busca de conhecimento e que a rede estadual de ensino oferece cursos para capacitação do corpo docente. Ainda assim, Lícia Maria considera que é preciso mais investimentos em materiais, para que possam executar o conhecimento adquirido. Já Cristopher Moura aponta para a redução ad jornada de trabalho e melhoria da remuneração como forma de viabilizar a qualificação dos professores. 

"Muitas vezes precisamos ampliar a jornada de trabalho para que consigamos ter uma vida mais digna e isso diminui o nosso tempo destinado a leitura e formação. É preciso muita resiliência pra que a gente continue fazendo formação, estudando, dando aula, corrigindo e elaborado atividades. É uma jornada exaustiva", conta o professor.

Entre semelhanças e diferenças nas experiências em sala de aula em tempos digitais, os professores compartilham a fé na educação como instrumento de transformação social e a alegria de ver seus ex-alunos conquistando realizações profissionais.

"Isso me deixa extremamente feliz. Saber que aquelas pessoas em algum momento da vida passaram por mim e, quando me encontram, dizem assim: 'Professora, você fez a diferença"'. Então, isso me deixa extremamente feliz, e levo esse discurso para a sala de aula, em relação ao que eles podem, em relação a onde eles podem chegar", compartilha Lícia.

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