SEM VOZ: Por que os artistas de hoje não se posicionam politicamente sobre nada?
SEM VOZ: Por que os artistas de hoje não se posicionam politicamente sobre nada?
?Se você vier me perguntar por onde andei, no tempo em que você sonhava
De olhos abertos, lhe direi: amigo, eu me desesperava!
Sei que assim falando pensas que esse desespero é moda em 73
Mas ando mesmo descontente, desesperadamente eu grito em português…?
Os versos reproduzidos acima foram extraídos da música ?À Palo Seco?. A canção que recupera alguns textos do poeta João Cabral de Melo Neto foi lançada em 1974, pelo cantor cearense Belchior, um dos grandes compositores da Música Popular Brasileira.
Morto por causas naturais há pouco mais de duas semanas, o artista fez parte de um grupo seleto de intelectuais que emprestou sua obra à reflexão da geração que viveu nos idos da década de 70, durante o apogeu da ditadura militar brasileira.
LEIA MAIS: ?NÃO TENHO MEDO DA MORTE?: Em conversa com Bial, Gilberto Gil fala tranquilo sobre a morte
LEIA MAIS: ?O QUE ESTÁ EM JOGO, AFINAL??: Os reais significados do turbante para a cultura negra
Na estrofe recortada, o autor faz uma referência implícita ao regime de governo da época, fazendo uma alusão aos golpes militares ocorridos naquele período na América Latina, situação que no Brasil já era uma realidade instalada, desde 1964.
O manifesto político, pela arte, sempre esteve presente ante o governo dos generais. Em meados dos anos 60, enfrentar, sutilmente, o sistema era a marca de poetas como Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré, Taiguara e os criadores da Tropicália: Caetano Veloso e Gilberto Gil, dentre outros artistas, não só da musica, mas também do teatro e do cinema.
Mesmo com o fim da ditadura militar, na década de 80, e com a chegada da chamada Nova República, que fez renascer o alento do regime democrático, a classe artística continuava vigilante e criativa, buscando fazer o seu papel de formar opinião dentro da sociedade.
LEIA MAIS: MEU CARNAVAL: Meninos, eu vi Gil!
O pop-rock passou a ser a bola da vez. As bandas Barão Vermelho e Legião Urbana, sob as lideranças de Cazuza e Renato russo, estavam entre as que faziam essa função. O tom desta geração tinha maior proximidade com a rebeldia, mas não desafinava na intenção de provocar uma maior participação política da grande massa, com foco maior na juventude.
Porém, neste início de século XXI, a impressão que se tem é de que os tempos mudaram, até demais, no contexto. Hoje, quem lê tanta notícia de crimes de corrupção e encontra por entre fotos e nomes, caras de presidentes e figuras das mais variadas correntes políticas, não tem a alegria de ser consolado e instruído em uma canção como no passado.
Nos tempos atuais, ideologia não consegue mais definir um grupo. O Brasil está mostrando de vez a sua cara e gestores da nação estão sendo desmascarados pela justiça. É muito grande o número de envolvidos em esquemas milionários de desvios de verbas públicas e paira no ar o temor de ter sido tempo perdido, tudo o que já foi feito.
Segundo o poeta e integrante do movimento tropicalista, José Carlos Capinam, os artistas ficaram mais tímidos, neste processo, porque não se sentem seguros para tomar uma posição ética e honesta. ?Houve uma mudança muito grande na ?esquerda? do país, há muitas divisões, não há clarezas nem convicções do que é certo ou errado?, comentou em entrevista ao Aratu Online.
O autor de ?Soy loco por ti America?, disse, ainda, que hoje os posicionamentos políticos não vêm mais do coração e definiu como sendo algo que tem à frente uma razão sem lógica, daí esperar, somente, pelos artistas não seria suficiente. ? As universidades por meio dos pesquisadores e cientistas políticos poderiam ajudar no entendimento do que está acontecendo?, salientou.
A professora do Departamento de Ciência Política da Ufba, Victória Espiñeira, compartilha da opinião do poeta, reforçando a tese de que a conjuntura atual é muito diferente daquela vivida no regime militar. De acordo com a especialista, naquele período era possível perceber facilmente quem era o opositor do povo brasileiro.
Em sua avaliação, com o pós-militarismo ocorreu o surgimento de militâncias em diversos grupos sociais. Segundo a professora, esse desmembramento, fortalecido pela nova sensação de liberdade, acaba diluindo, de certa forma, a ideia de multidão.
?Em 2010, na Argentina, tive a oportunidade de ver, de perto, grupos heterogêneos, inclusive, ligados à arte, se unirem em favor de Cristina Kirchner?, pontuou, acrescentando que pode haver unidade sem uniformidade, em torno de uma coesão temática, focada em um direcionamento comum.
Para o mestre em artes cênicas, Gideon Rosa, o analfabetismo político e o não aprofundamento em informações de frentes variadas marcam a formação desta geração. Ele defende que o artista não pode, jamais, perder a perspectiva histórica das coisas, mas observa que isso não acontece pela falta de condição para o desenvolvimento de um pensamento crítico.
O ator lembra que no passado conhecer as obras de alguns filósofos e pensadores era regra nas grades curriculares de ensino. ?Hoje vivemos um verdadeiro paradoxo. Embora exista liberdade de expressão e muito acesso à informação, não existe o aprofundamento do conhecimento?, analisou.
O vocalista e compositor do grupo ?Novos Baianos?, Paulinho Boca de Cantor ? que fez sucesso na década de 70 ? se posiciona de uma forma mais contundente. Segundo ele, os artistas atuais são muito acomodados e só estão preocupados com o sucesso e os holofotes.
Paulinho ressaltou que os Novos Baianos não teve participação em militâncias políticas, mas ocupou um papel importante. ?A gente ajudou a acabar com a ditadura pela nossa postura, com nossa alegria e nossa música?, reforçou.
O cantor considerou, ainda, que com raras exceções a música feita hoje na Bahia não tem conteúdo. ?Fala-se muita besteira ou não se fala nada por falta de argumentos. O que eles querem é balançar o bumbum e curtir o carnaval?, bradou.
Acompanhe nossas transmissões ao vivo e conteúdos exclusivos no www.aratuonline.com.br/aovivo, nofacebook.com/aratuonline e no youtube.com/televisaoaratu.