A realidade virtual e o gerenciamento da dor
A realidade virtual (RV) é uma estratégia tecnológica que permite que o paciente mergulhe no mundo virtual. Trata-se de uma tecnologia multissensorial que tem sido utilizada em uma variedade de situações que comprometem a saúde e a qualidade de vida dos pacientes em diferentes contextos, sejam eles de origem física ou psíquica. Diversos profissionais de saúde têm incorporado a tecnologia na prática diária. Considerando o desenvolvimento exponencial recente nos sistemas de computador e as características das patologias que causam dor, o uso da RV tornou-se um caminho interessante para alívio deste sintoma. Inicialmente a RV foi aplicada com o intuito de reduzir a percepção da dor durante procedimentos médicos dolorosos, proporcionando uma forma avançada de distração e criando o que os investigadores chamam de RV analgésica. Hoje tem-se proposto a aplicação da RV em pacientes portadores de dor crônica.
Embora existam outras estratégias de distração que possam ser utilizadas para reduzir a dor e o sofrimento, a RV é única por ser envolvente, integrando muitas experiências sensoriais, capturando assim um maior grau de atenção. Isso se torna possível através do uso de ambientes virtuais interativos com sistemas de rastreamento do movimento da cabeça, estimulando através de cenários e de outros elementos o feedback do paciente. A RV permite que os pacientes se tornem participantes ativos do seu processo de tratamento, não apenas no "mundo virtual", mas também no “mundo real”.
Os sistemas de realidade virtual (RV) são formados por hardware (fones de ouvido, óculos, luvas, computadores e dispositivos móveis) e software que oferecem um ambiente de RV em múltiplos contextos. O ambiente pode ser construído em um hospital, em uma clínica, em um consultório ou em domicílio. Algumas instituições criam um holograma, que pode interagir diretamente com o paciente proporcionando um ambiente terapêutico adequado para a sua recuperação. Há ainda a realidade aumentada (RA). Enquanto a RV constrói um ambiente holográfico completo, na RA os hologramas são misturados com mundo real em torno de um assunto. A evolução tecnológica crescente das últimas décadas, o desenvolvi¬mento de novos gráficos, o reconhecimento de voz e a criação de novas estratégias de inteligência artificial têm contribuído para que a RV se torne uma ferramenta interessante em situações de aprendizagem, treinamento cognitivo e rea-bilitação, proporcionando ao paciente uma maior compreensão da sua patologia e do seu processo de recuperação.
A dor é uma experiência sensorial, é emocional, é individual. A percepção da dor pelo paciente é complexa. Acredita-se que a RV possa nesta percepção contribuir para minimizar o sofrimento. Diversas teorias foram propostas para explicar por que a RV e a distração por ela proporcionada podem inibir ou diminuir a percepção da dor. Em 1965, Melzack e Wall propuseram a Teoria do portão. Esta teoria propõe que as atividades do sistema nervoso central como atenção, emoção, memória, desempenham um papel na percepção sensorial. Quando os sinais de dor “viajam” pelo corpo, eles devem passar por "portas nervosas" antes que o corpo possa determinar a consciência do fenômeno doloroso. Isto mostra que o nível de atenção dedicado à dor, a emoção associada à dor e as experiências passadas relacionadas a dor, desempenham um papel na interpretação do estímulo doloroso. Este fenômeno é extremamente pessoal. Para percebê-lo é preciso estar atento. Só assim é possível que seja processado como um elemento capaz de causar dor. Isto mostra que se um indivíduo estiver distraído, a percepção da dor não ocorrerá ou diminuirá. Os recursos dos sistemas sensoriais são múltiplos e funcionam de forma independente. Isto demonstra a importância de utilizar distrações multissensoriais e dá suporte a tecnologia da RV multimodal.
Além disto, acredita-se que a RV possa alterar a atividade do sistema de modulação da dor, agindo direta ou indiretamente nas vias de sinalização e na matriz da dor através da atenção, emoção, memória e outros sentidos como toque, audição e visão, produzindo analgesia. Um estudo que testou o efeito de distração na percepção da dor usando ressonância magnética funcional (RMf), demonstrou em relatórios subjetivos de intensidade da dor, que esta foi diminuída. A RMf mostrou uma redução geral na ativação da matriz da dor e um aumento da atividade nas áreas cerebrais responsáveis pela inibição da dor. A RV, indiscutivelmente é um elemento de distração poderoso, capaz de atenuar a percepção da dor, através da atuação em áreas cerebrais específicas. A exploração do uso da RV para o controle da dor é uma estratégia mais nova quando comparada a outras técnicas de tratamento. Apesar disto, já se mostra bastante promissora no gerenciamento de dor.
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.