Mulheres sentem mais dores que homens? Como idade, gênero e raça afetam tratamentos
A dor é uma experiência individual e, quando crônica, traz muitos prejuízos, comprometendo a qualidade de vida e a funcionalidade daqueles que a possuem. O alívio da dor é um direito de quem a apresenta e dever de quem a assiste, porém, nem sempre o controle da dor ocorre de forma satisfatória.
A condução da dor crônica é desafiadora, principalmente quando se busca compreendê-la a luz dos diferentes fatores demográficos apresentados pelos pacientes, sejam eles idade, raça ou sexo. Apesar da recomendação de que diferenças nos cuidados a saúde independam dessas características imutáveis, sabe-se que a variação da etnia, gênero e idade interferem na evolução dos pacientes portadores de dor crônica.
Observa-se que pacientes do sexo feminino, extremos de idade e pertencentes a minorias raciais sofrem mais frequentemente de dor de forte intensidade, fato que valida o pensamento de haver uma variabilidade de acesso a um atendimento adequado para o manuseio da dor. Acredita-se que a vulnerabilidade apresentada pelos grupos citados seja agravada pela subjetividade da dor, cuja expressão depende de quem a sente e de fatores cognitivos associados à idade, uma vez que, para eles, comunicar a dor envolve ter que superar algumas barreiras adicionais.
Os profissionais de saúde têm ideias preconcebidas e preconceitos implícitos sobre a presença de dor nessas populações. Um exemplo claro disso é que, até recentemente, acreditava-se que recém-nascidos não apresentavam dor, fato que implicou no sofrimento de muitas crianças. Hoje, já se sabe que eles a apresentam em maior intensidade quando comparada às crianças maiores ou aos pacientes adultos, pois as vias que inibem a dor encontram-se imaturas ao nascimento.
Mulheres sentem mais dor do que os homens, isto é um fato. São mais frequentemente acometidas por patologias como fibromialgia e enxaqueca, sendo mais afetadas negativamente pela dor quando comparadas com os indivíduos do sexo masculino. Um trabalho publicado na New England Journal of Medicine mostrou que as mulheres avaliadas em serviços de dor torácica são sete vezes mais propensas do que os homens a serem mal diagnosticadas e liberadas dessas unidades específicas sem tratamento adequado. Acredita-se que fatores culturais e históricos contribuam para um maior impacto da dor na vida das mulheres, seja no âmbito fisiológico, psicológico ou social.
Quando se faz uma interseção gênero-idade-raça verifica-se que as mulheres, em extremos de idade e negras cursam com dor de maior intensidade, maior incapacidade, maior sofrimento afetivo, maior depressão e isolamento social.
Em geral, as mulheres negras sofrem com fatores sociais que precisam ser modificados. Um artigo de revisão publicado na revista da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor, “Journal of Pain”, demonstrou que a discriminação racial influenciou no controle da dor em 74% dos estudos selecionados e que dentre estes, a raça negra foi a mais prevalente. Mulheres negras têm menor acesso aos serviços de saúde que disponibilizam tratamentos de dor e recebem menos analgésicos independente da intensidade de dor apresentada, com consequente aumento da morbidade e mortalidade. Isso ocorre por ela ter a sua dor, mesmo quando física, avaliada como de origem psíquica, o que implica em subtratamento.
Essas disparidades na prestação de serviços de saúde e a utilização de cuidados pelas mulheres negras tem como consequência um retardo na tomada de decisão sobre o manejo da dor e no desenvolvimento de ferramentas capazes de atender as suas reais necessidades.
Embora a discriminação relacionada ao gênero e raça no controle da dor tenha origem na antiguidade, a preocupação com esse tema parece ser relativamente recente, considerando que só a partir da década de 1990 que estudiosos da área de saúde, preocupados com o controle adequado da dor, passaram a fazer publicações sobre este tema, envolvendo sociedades e instituições que pudessem agregar no combate a este tipo de comportamento. Eles sugerem que só através da criação de protocolos específicos de avaliação e tratamento da dor, e da implantação de atividades de educação que envolvam as equipes de saúde e a população, será possível modificar esta realidade. As disparidades acerca da avaliação e tratamento da dor só poderão ser eliminadas através do acolhimento das diferenças, de uma escuta empática e diferenciada.
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