Frei responsável pela igreja de São Francisco pode responder por homicídio

O procurador Plácido Faria, que atua no Iphan, diz que a responsabilidade pelo local pertence à Igreja.

Por Matheus Carvalho.

Giulia Panchoni Righetto tinha 26 anos. Ela morava em São Paulo e veio para Salvador a turismo. Com três amigos, visitava a Igreja de São Francisco de Assis, no Pelourinho. Era quarta-feira, 5 de janeiro. Para Giulia, o dia errado, a hora errada, o local errado. Por volta das 14h30, parte do teto desabou. Cinco pessoas tiveram ferimentos leves. Giulia morreu.

Nesta sexta-feira (7), segundo o site Informe Baiano, o procurador federal Plácido Faria, que atua no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), afirmou que o frei responsável pela Igreja de São Francisco poderá responder criminalmente na Justiça por homicídio e até ser preso.

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“Ele tinha obrigação de fechar a igreja, já que constatou perigo aos frequentadores. Ele comunicou ao Iphan 48 horas antes por ofício sobre os riscos e nunca esteve no Iphan pessoalmente”, relatou. Segundo o procurador, o frei deverá responder, no mínimo, por homicídio culposo - quando não há intenção de matar, mas, se o Ministério Público Federal for mais exigente, pode denunciá-lo por homicídio com dolo eventual.

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Foto: Codesal

De acordo com a Defesa Civil, a Igreja de São Francisco está interditada até que não haja risco à integridade física de ninguém.

Ainda na tarde do acidente, a consternação pela morte da jovem já dividia espaço com a apuração de responsabilidades. Se o forro do teto de uma igreja construída no século XVII desmorona e mata uma visitante, é preciso saber de quem é a culpa - por ação, omissão, má conduta ou descumprimento de normas legais.

Antes do fim da tarde do trágico dia 5, as atenções da imprensa se voltam para o superintendente do Iphan, Hermano Queiroz. Cercado de microfones, câmeras e gravadores, Queiroz é taxativo ao dizer que os templos pertencem à igreja e, portanto, é a igreja, não o poder público, quem precisa provocar os órgãos a realizar ações de fiscalização. É mais ou menos como o dono de uma casa, que não pode culpar o estado se a parede da própria residência está rachando e ele não toma nenhuma providência a respeito.

O superintendente destaca que o Iphan tem um papel essencial na proteção dos bens tombados, mas a atuação ocorre dentro de um protocolo formal, sendo acionado quando há notificações ou denúncias. “Este é o procedimento. A vistoria ocorre a partir de um chamado, quando o órgão é convocado”, explica.

Mal anoitece e a TV Aratu obtém com exclusividade uma carta enviada na segunda-feira, dois dias antes do desabamento, pelo diretor da Igreja de São Francisco, o mesmo frei Pedro Júnior Freitas da Silva. Nela, ele solicita a "realização de visita técnica para avaliação da situação e encaminhamentos necessários à sua preservação".

De acordo com a Defesa Civil, a Igreja de São Francisco está interditada até que não haja risco à integridade física de ninguém. | Foto: Lícia Fontenele/TV Aratu

Iphan x Igreja

No fim da noite do dia 5, o Iphan emite uma nota oficial, esclarecendo que de fato houve um pedido e havia uma visita técnica agendada para a quinta-feira (lamentavelmente, um dia após a estrutura ruir) para avaliar uma dilatação do forro do teto da Igreja de São Francisco de Assis.

A nota diz ainda que não havia “indicação de situação emergencial, tampouco houve qualquer comunicado da Defesa Civil Municipal, Corpo de Bombeiros ou outros órgãos a respeito de eventuais riscos”. E acrescenta que o Iphan já havia emitido auto de infração em maio de 2022 à Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil - Comunidade Franciscana da Bahia, proprietária do templo, por causa da degradação, falta de manutenção e conservação.

Reforçou que, por ser uma propriedade privada, a responsabilidade pela preservação do imóvel é do proprietário, assim como a gestão do uso. Para finalizar, destacou os altos investimentos na restauração dos painéis e azulejos portugueses, que ultrapassaram R$ 4 milhões, além da elaboração de projeto de reforma total, atualmente em andamento e com valor de R$ 1,2 milhão.

A Arquidiocese de Salvador também se manifestou, por meio de comunicado da assessoria:

Diante do lamentável acidente ocorrido na tarde desta terça feira, dia 5 de fevereiro de 2025, o desabamento de parte do teto da Igreja de São Francisco de Assis, no Pelourinho, em Salvador, a Arquidiocese de São Salvador da Bahia manifesta a sua mais profunda solidariedade com a Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil, Ordem dos Frades Menores, OFM, com as pessoas vitimadas por esta fatalidade e suas famílias. Rogamos a Deus, de modo especial, consolo para a família enlutada e a plena recuperação dos feridos.

O patrimônio histórico ora afetado é de valor inestimável para a humanidade – Patrimônio Mundial pela UNESCO, para o Brasil e para a Igreja. Testemunho da fé de um povo e, dos Frades Franciscanos Menores, em particular, que por mais de três séculos se empenham na preservação desta obra nascida da fé.

‘Peregrinos de esperança’, sigamos em frente confiando no Senhor que caminha conosco e solidários com os que mais sofrem.

Tombamentos: preservação ou deterioração?

O desmoronamento da Igreja de São Francisco e a morte de Giulia Righetto foram notícia em todo o Brasil e até em veículos de outros países. O presidente Lula deu entrevista para rádios da Bahia um dia depois da tragédia e levantou uma discussão sobre os tombamentos de patrimônio histórico.

Giulia Panchoni Righetto, de 26 anos, morreu no incidente. | Foto: Arquivo Pessoal

É uma realidade dramática na primeira capital do país. Em Salvador, a deterioração dos imóveis do Centro Histórico é flagrante e praticamente todos os anos ocorrem acidentes envolvendo patrimônios tombados. Assistimos à queda de uma marquise no Pelourinho, ao desmoronamento do antigo restaurante Colon, no Comércio e ao desabamento de casarões na Ladeira da Montanha, só para citar algumas das situações mais recentes.

Ao menos 800 imóveis protegidos pelo Iphan aguardam para serem reformados e, sem condição de dar conta da demanda, a prioridade do órgão é realizar obras determinadas por decisões judiciais já transitadas em julgado.

Um decreto-lei de 1937 (!) - que trata da proteção de patrimônio histórico - determina que é do proprietário do bem a responsabilidade de mantê-lo em bom estado de conservação. A mesma legislação diz que, quando o dono não dispuser de recursos suficientes para realizar as obras de conservação e reparação necessárias, deverá informar ao Iphan que em seis meses mandará executá-las e o custo será da União.

No caso específico da Igreja de São Francisco, ao longo dos últimos 15 anos, perícias concluíram que a construção apresentava inúmeros danos estruturais e precisava de uma reforma completa. O Ministério Público Federal tenta, desde 2016, que os franciscanos e o Iphan reformem o teto que desabou esta semana.

A ação civil pública partiu de um inquérito civil de 2014, que foi instaurado após o MP da Bahia denunciar o mau estado de conservação de diversos bens tombados de Salvador, incluindo a igreja de São Francisco.

Quando a Justiça Federal da Bahia acatou o pedido do MPF e exigiu que franciscanos e Iphan realizassem a obra, ambos recorreram. O Iphan apontou que não havia comprovação de que os religiosos não tinham dinheiro para as obras, alegando que o Iphan é que tinha recursos insuficientes. Já a ordem carmelita alegou que é entidade filantrópica e não dispunha de dinheiro para todas as reformas necessárias, necessitando da ajuda do Iphan. 

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