Wagner é para Lula o que Alfred é para Batman; só que mais poderoso

O senador apaga todos incêndios. “Ele nunca diz que algo é impossível. Ele apenas dá os caminhos e condições para que se torne possível”, confidencia um rival. “Ele não é de atirar pelas costas, não tem pegadinha surpresa”, admite outro.

Por Pablo Reis.

Wagner é para Lula o que Alfred é para Batman; só que mais poderoso

Pensemos no herói clássico sem o seu suporte emocional, intelectual ou físico. O que seriam das batalhas de Asterix, sem a força bruta de um Obelix? Como funcionaria o cérebro superdotado de Sherlock Holmes, sem a capacidade organizacional do Dr Watson? Qual o destino da fúria e da coragem de Batman, sem o planejamento e o municiamento de informações do mordomo Alfred Pennyworth? Alguns exercícios de fantasia criativa poderiam surgir dessas hipóteses porque, mesmo não sendo protagonistas, os atos desses coadjuvantes vão muito bem documentados nas obras de ficção.

Muito mais difícil seria propor o desafio: o que seria do governo Lula 3, sem o trabalho no bastidor do seu líder no Senado, Jaques Wagner? “Eu diria que é um cargo de sacrifício. Porque todo político gosta de estar no palanque fazendo discurso. Quando você é líder do governo, você tá apagando incêndio, para poder acertar aquilo que o governo quer”, sugeriu o próprio senador, na entrevista que me concedeu por mais de uma hora. “E tudo é no bastidor, não é?”, concluiu.

Para entender melhor a dimensão dessa frase (que é quase uma admissão de angústia), é necessário visitar duas cenas. Em novembro de 2023, o Senado aprovou a PEC que limitava o alcance de decisões monocráticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A PEC precisava de 49 dos 81 senadores, e teve 52 votos. Apesar dos parlamentares do PT voltarem contra, Wagner deu voto a favor e justificou que a decisão era “estritamente pessoal”, e que buscava “equilibrar e harmonizar” a relação entre os Poderes

De forma reservada, uma ala do STF atribuiu ao líder uma “traição”, pelo que chamou de falta de clareza sobre os reais interesses do Executivo. E ficou a impressão de que o próprio Wagner tinha articulado secretamente os votos necessários para a aprovação

Quem acompanha a política mais de perto entendeu a charada da seguinte forma: era o interesse de Lula não avalizar que, individualmente, ministros do STF pudessem derrubar leis aprovadas pelo Congresso. O governo, por óbvio, não ficaria satisfeito em que um único membro da Suprema Corte tivesse prerrogativa para decidir monocraticamente. Em outras palavras, Presidente da República, de fato, só existe um mesmo. A mensagem era essa. O porta-voz, que ficou com os ônus, foi o líder no Senado.

Batcanal aberto com Alfred

Uma outra imagem para delinear melhor o que é esse trabalho de quase mártir. Desde janeiro de 2023, quando Wagner foi oficializado no posto de líder, tenho conversado com políticos de todos os partidos - parlamentares ou não. Nos microfones, cumprem o protocolo esperado: os aliados afagam e elogiam, os adversários criticam e atacam. Câmeras desligadas, a mágica acontece: todos parecem convergir para o mesmo ponto. “Ele nunca diz que algo é impossível. Ele apenas dá os caminhos e condições para que se torne possível”, confidencia um rival. “Ele não é de atirar pelas costas, não tem pegadinha surpresa”, admite outro.

Na bancada baiana, todo mundo sabe que quando tem um BO com o governo, ou algo grave, pode chamar o Galego. Sobre isso, uma assessora direta dele em Salvador cochichou: “rapaz, tem horas que chegam umas pessoas lá da oposição, no gabinete, que eu não acredito… manda esconder logo em uma sala pra ninguém ver”. Pense aí na impossibilidade de o Coringa tratar diretamente com Batman… sempre há uma porta aberta, um batcanal, pra tratar com Alfred.

Sem estar discursando em palanque, sem entregar obras, sem anunciar as medidas mais populares, o coadjuvante saca do cinto de utilidades um extintor providencial: as chamas são debeladas, o fogo não vem à tona, o governo sai ileso perante a opinião pública, sabe-se lá o que aconteceu fora do palco.

“O combinado sai barato”

Aos 74 anos, uma das figuras mais influentes da política nacional, com 11 premiações desde 2019 como destaque no Senado, Jaques Wagner cuida da cozinha para o bolo não solar. Gerenciando a Batcaverna, ele adota diálogo e discrição como elementos. Mas o superpoder mais mencionado é o de manter a palavra. "O homem do fio do bigode" prescinde de assinaturas nos acordos firmados. “Na política, o que é combinado sai barato”, ensina, equilibrando a bandeja diante de um Congresso hostil e empoderado. 

Por isso, houve da parte dele uma visível irritação (quase uma explosão), quando a Câmara dos Deputados derrubou o decreto do Executivo sobre aumento do IOF, em junho deste ano. Ele mesmo tinha costurado com os líderes de partidos e presidentes da Casa a aprovação, que não aconteceu. “Houve muita intriga e fofoca”, desabafou. 

Em fevereiro, antes de Lula definir Gleisi Hoffmann como ministra, eu escrevia que Wagner era o melhor nome para a Secretaria de Relações Institucionais, como forma de articular um ambiente favorável para a viabilidade de uma reeleição. A situação era crítica e, aos olhos do governo, melhorou um pouco desde então.

Alto custo eleitoral

Agir como para-raios político, absorvendo o choque e a crítica para evitar uma crise maior que pudesse macular a imagem e a governabilidade do líder. A missão confiada pelo amigo desde 1978, o mesmo que deu o apelido de Galego em uma reunião de sindicalistas com defensores da redemocratização de múltiplos partidos, no Hotel da Bahia, tem mais do que dissabores. Tem um grande custo nas urnas. 

Os concorrentes dele a uma das duas vagas ao Senado estão constantemente em pré campanha eleitoral, enquanto ele em política de estado. Rui Costa tem agenda positiva no interior. Ângelo Coronel pode escolher as pautas mais interessantes do ponto de vista da opinião pública. João Roma está na cruzada anti PT. E outros estão fazendo oposição sistemática. "Como líder do governo, não posso cuidar só da Bahia, eu tenho que cuidar do governo como um todo".

Os cabelos brancos de Alfred ficam mais alvos tapando buracos, estancando sangrias, enxugando gelo...

 

 

Na entrevista ao Linha de Frente, o experiente político comentou uma série de outros temas. 

  1. A origem do apelido "Galego" e a decisão de fundar o PT:

"Deixa eu dizer: na verdade, Galego foi a primeira vez que eu conheci o presidente Lula, em  1978. Uma terra como a nossa Bahia, que a moçada tem a melanina mais acesa do que a minha, aí ele falou: 'Porra você aqui parece um galego' e o apelido pegou, ele ficava me chamando de galego, todo mundo chamou de galego. Então, na verdade, o responsável pelo apelido de Galego chama-se Luiz Inácio Lula da Silva, com quem desde essa época, há 47 anos, que eu conheci ele".
"Foi aí, inclusive, pela primeira vez, Pablo, que ele conversou comigo: 'Galego, não adianta a gente ficar só no movimento sindical”. Eu era dirigente sindical e ele também. Nós precisamos fundar um partido político para influenciar na política nacional, porque aqui a gente fica só enxugando o gelo. Precisamos interferir na política para melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Então, ele falou do PT em 78 aqui. Em fevereiro de 80, em São Paulo, a gente estava fundando o PT. Presidente Lula foi o primeiro presidente do PT no Brasil. E eu fui o primeiro presidente do PT na Bahia".

2. O Estilo Conciliador e a Confiança Política 

"Eu acho que essa é uma característica pessoal que é positiva na política porque a política é a arte de você conseguir dialogar com pessoas que pensam diferente de você. Essa, na minha opinião, é a arte da política dentro da democracia.
A minha vida inteira, acho que aprendi isso com minha mãe. Eu sempre fui de fazer conciliação. Em vez de estressar uma briga, eu prefiro apostar no entendimento". O espírito conciliatório é de minha mãe, e esse espírito do fio do bigode é de meu pai. Quando a gente era guri, ele sempre no dia domingo juntava a família para almoçar... ele sempre dizia... 'Olhe não tenha medo de passar fome porque você acha um prato de comida amanhã. tenha medo de passar vergonha que quando o homem ou mulher perde a vergonha não presta mais para nada´.
"Eu acho que essa linha que a gente imprimiu aqui na Bahia, na minha opinião, Rui seguiu a mesma linha: combinado sai barato na política, a gente diz isso combinado sai barato".
"Com muita modéstia eu digo para você que essa é uma das marcas da minha liderança porque as pessoas digam: 'Ó se combinou com ele tá combinado.'".


3. Disputas Eleitorais e Vitórias para Governador

"Eu fui candidato 2002... só tinham quatro partidos conosco... meu tempo de televisão devia ser um minuto... e eu fiz 37,5 porcento. Aí você pega de 2002 e vem para 2006. Em 2006, eu tinha nove partidos, o grupo adversário que tava no poder tinha envelhecido mais 4 anos. Meu tempo de televisão era praticamente igual ao do candidato do governo... era uma conjuntura favorável. Eu falei: 'Presidente é impossível eu perder a eleição´. Ele me ligou para dar parabéns: parabéns, achei que você não ia pro segundo turno chegou no primeiro".

4. Ataques à Soberania, Donald Trump e Relações Internacionais

"Eu acho que o nosso presidente Lula é esperto demais para cair em arapuca ou cair em armadilha. E a diplomacia brasileira também é uma diplomacia que tem muita experiência. Mesmo gente do partido do presidente americano, do presidente Trump, dos republicanos, reconhecia que a tarifa em cima do Brasil era um absurdo.
O Brasil na balança comercial com os americanos, com os Estados Unidos, a gente compra por ano 7 bilhões de dólares a mais do que os americanos compram da gente... quer dizer, o cara tá no lucro ainda vai botar tarifaço pra gente a troco do quê?".

5. Neutralidade Diplomática e a Pressão China-EUA

"Se depender da vontade do presidente Lula, e da minha, seguramente, a gente vai continuar nesse mesmo padrão. Eu não vejo porque o país ter alinhamento automático, seja com a China, seja com a França, seja com os Estados Unidos ou com qualquer país.
Nós temos que ter uma diplomacia, Pablo, que leve adiante os interesses nacionais. Qual o nosso interesse? Atrair novas empresas, gerar novos empregos, fazer justiça social, melhorar o sistema tributário brasileiro e vender nossos produtos".
Eu acho que a medida mais inteligente que a gente tem quando vê dois graúdos brigando é saber o que eu levo de melhor nessa briga... eu acho que a gente tem que ficar aqui e dizer assim quem dá mais.
Tem um provérbio indiano que diz: 'Em briga de elefantes quem sofre é a grama, os elefantes não estão sofrendo.' Então, eu não diria que a gente é a grama, a gente é a árvore, mas também não podemos sofrer, não".

6. O Crime Organizado (PCC) e a Infiltração Financeira

"Hoje você não vai combater o crime organizado, que virou uma multinacional do crime, só com policial em cada esquina. 
Os caras estavam infiltrados na Faria Lima, que é o coração financeiro do país em São Paulo, e tava cheio de fintech, não tô agravando todas, mas tava cheio de fintech, que tava ali só lavando o dinheiro dos caras.
A investigação da Polícia Federal constatou que eles usavam o Pix para lavar dinheiro.

Para você atacar o cara no lugar que mais dói do corpo. Qual o lugar que mais dói do corpo? O bolso. Na hora que você cortar o financiamento das organizações criminosas, aí você mata".

7. A Questão da Anistia e os Atos de 8 de Janeiro

“Aquilo que fizeram no dia 8 de janeiro de 2023, Pablo, é um absurdo. Aquilo é um golpe de estado, aquilo merece penas superiores a 12 anos.
A anistia é uma ferramenta, um instituto dentro da democracia, que você usa quando termina um ciclo histórico... Eu pergunto a você: como é que tá falando em anistia, quem é a outra parte que vai ser anistiada? Não tem. Só quem cometeu o crime foram os fanáticos aliados do ex-presidente da República... o que eles querem é perdão".

8. A Importância e o Poder do Senado Federal

"Tem algumas coisas que só são apreciadas no Senado. Por exemplo: indicação de ministros de tribunais superiores, a indicação de embaixador para qualquer país, Ministro do Superior Tribunal Federal. A mesma coisa: impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal tem que passar pelo Senado. Agências de água, energia, Banco Central, os membros são aprovados pelo Senado. Então, isso é um poder muito grande.
Uma maioria no Senado contra um governo pode atrapalhar muito o governo e interditar o governo".

9. Renovação de Lideranças e o Futuro do PT na Bahia

"Eu paguei até um preço caro em 2022. Todo mundo queria que eu me apresentasse como candidato de novo a governador, eu falei: 'Não, eu avisei a vocês que eu não ia voltar, nós precisamos formar novas lideranças. Fizemos uma aposta.
Eu tô muito tranquilo. A renovação do PT, pelo menos do PT da Bahia, eu diria até que é o estado que tá mais avançado na renovação.
Inteligência é você juntar a experiência do cabelo branco, ou seja, de quem já caminhou mais, e errou mais, também para aprender juntar isso com a energia da moçada nova".

 

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