O que (ainda) faz Carlos Lupi como ministro deste governo?
Na melhor das hipóteses, Lupi foi negligente. Na pior, foi cúmplice por inércia, omissão e lealdade a um jogo político arcaico. Sua permanência transmite mensagem de que alianças valem mais que ética. Que o escárnio tem cadeira cativa, se tiver uns votos
Por Pablo Reis.
Em culturas antigas, dizia-se que os reis eram ungidos por Deus. No Brasil contemporâneo, bastam fundo eleitoral e alianças parlamentares para blindar até os mais desacreditados. Carlos Lupi não é ministro apenas por competência — é ministro apesar da incompetência. E isso diz muito mais sobre o sistema do que sobre o personagem.
Imagine, por um instante, que a maior crise da sua empresa esteja sendo gerida por alguém que, no melhor cenário, é apenas omisso. Que o técnico do seu time, em queda livre, diga com arrogância que só sai “à bala”. Ou que, diante de um incêndio, o comandante do quartel decida esperar o fogo se alastrar antes de convocar os bombeiros. Estamos rindo, mas é de nervoso. Esse é o retrato - tragicômico - da gestão de Carlos Lupi à frente do Ministério da Previdência.
Não foi ele quem criou o esquema bilionário de descontos indevidos no INSS. Mas sob sua tutela, as fraudes quadruplicaram. E, ao invés de espanto, o ministro oferece soberba. Em vez de explicações, oferece frases infames. Em julho de 2023, nomeou Alessandro Stefanutto para presidir o INSS. Vinte e dois meses depois, Stefanutto e outros cinco nomes indicados por Lupi foram afastados pela Polícia Federal na Operação Sem Desconto. E o ministro? Pôs a mão no fogo. Afirmou que confiava plenamente.
Em junho de 2023, Lupi foi alertado formalmente, em ata do Conselho Nacional da Previdência Social — que ele preside — sobre o aumento de descontos indevidos em aposentadorias. Preferiu adiar a discussão. A pauta só foi retomada dez meses depois, quando os estragos já eram visíveis até do espaço. A essa altura, o rombo chegava a R$ 4,1 bilhões, apenas nos anos de 2023 e 2024 - valor que corresponde a mais de 63% dos desvios ocorridos entre 2019 e 2024. Uma marca de eficiência às avessas.
Quando enfim comentou o caso, tentou uma metáfora infeliz: disse que o INSS “não é botequim de esquina”. Ofendeu os donos botequins. Porque em muitos deles há mais honestidade, organização e respeito do que se vê hoje na autarquia.
É de espantar que uma figura com tamanhas controvérsias curriculares, para usar um eufemismo, ainda esteja na vida pública, presidindo um partido de tradições e, além de tudo, ministro de estado.
Lupi é aquele político cuja sobrevivência não se explica por feitos, mas por arranjos. Presidente de um PDT esvaziado, representa uma base de apoio de 17 deputados e 3 senadores. Tem o dom raro de transformar omissão em altivez. Disse que só sai do cargo “abatido a bala”, como se estivesse em guerra. De fato, está - mas não contra a corrupção, e sim contra qualquer crítica ou noção de autocrítica.
Arrotando uma onipotência que combina mais com charlatões do que com super herois, este senhor prometeu zerar a fila para atendimentos e resoluções do INSS para 45 dias de espera, quando grande parte dos interessados já está há 400 dias aguardando uma marcação. Chegou a dizer, um ano depois, que esse número já tinha sido reduzido significativamente.
E é aí que mora o ponto central: a permanência de Lupi no cargo diz menos sobre ele e mais sobre o governo que o mantém.
A cada investida da imprensa, costuma soltar pérolas de uma cretinice prepotente, como dizer que só sai do governo a tiros. Se no boxe tem pugilista chamado de queixo de vidro porque desmonta logo nos primeiros socos, este aí pode ser chamado de queixo duro. Resiste, insiste e ainda posa de inabalável diante dos fatos.
A gestão Lula se elegeu prometendo dignidade aos aposentados. Viu-se, agora, que parte deles foi vítima de um esquema fraudulento dentro da própria estrutura do Estado. Quando se esperava ação firme, o governo ofereceu silêncio. Quando se esperava um gesto de indignação, o ministro ofereceu frases de efeito.
Lupi está indiciado, sob suspeição ou previamente condenado pela investigação? Não. Ele está condenado pelas próprias palavras. Nos primeiros dias, provavelmente prevendo que o escândalo iria arrefecer, com aquela sabedoria de político carcamano apegado a velhas práticas de micropoderes, colocou a mão no fogo pelo indicado na presidência do órgão. Disse que era acima de quaisquer suspeitas.
Na melhor das hipóteses, Lupi foi negligente. Na pior - e mais plausível - foi cúmplice por inércia, por omissão e por lealdade a um jogo político arcaico. Sua manutenção na pasta transmite a mensagem de que alianças valem mais que ética. Que o escárnio tem assento cativo na Esplanada, desde que traga votos.
O Brasil não é um botequim, ministro. Mas tampouco pode ser um balcão de negócios partidários. Governar exige escolhas. E manter Carlos Lupi, neste momento, é uma escolha. É o tipo de decisão que cobra seu preço não apenas nos escândalos, mas na erosão silenciosa da confiança entre Estado e cidadão.
Vou eu mesmo responder a pergunta do título: Carlos Lupi é o garantidor de um apoio de 17 deputados e 3 senadores do PDT ao governo. Agora, cabe ao presidente, muito mais experiente do que eu, do que nós, avaliar se está compensando. Se está compensando sangrar e assistir o deboche contra os milhões de aposentados se repetindo a cada aparição canastrona do ministro.
Sobre o Escândalo do INSS
Um panorama geral sobre o que se sabe até o momento a respeito do escândalo do INSS mostra como a gestão, sendo generoso, é desastrosa. Os montantes de descontos somam R$6,3 bilhões entre 2019 e 2024, mas o grosso se concentra a partir da volta dele à Esplanada dos Ministérios. Assim, dos R$ 6,3 bilhões desviados entre 2019 e 2024, aproximadamente R$ 2,2 bilhões (diferença entre o total e os R$ 4,1 bilhões dos anos 2023-2024) podem ser atribuídos ao período de 2019 a 2022, com destaque para os R$ 706,2 milhões confirmados em 2022. Dos R$ 6,5 bilhões repassados pelo INSS a sindicatos e entidades desde 2019, cerca de R$ 4,1 bilhões (63,75%) foram desviados nos anos de 2023 e 2024. Em 2024, os descontos irregulares mais que triplicaram em relação a 2022, alcançando R$ 2,8 bilhões.
Os detalhes fazem com que a situação ganhe contornos mais graves. Lupi foi alertado sobre o problema do aumento de descontos não autorizados em junho de 2023, em atas de reuniões do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), que ele preside.
Uma conselheira, representante dos aposentados, chamou atenção para o problema e pediu que fosse discutido, mas Lupi não permitiu na reunião de junho de 2023, dizendo que seria abordado mais adiante. As fraudes só foram efetivamente pautadas e discutidas no conselho dez meses após o alerta, na reunião de abril do ano passado.
Críticos argumentam que ele sabia da existência de irregularidades desde janeiro de 2023, o mês de sua posse, olhando para o histórico de reclamações e o crescimento dos descontos. Em 2022, as reclamações já eram 198 mil, um aumento significativo em relação aos anos anteriores.
Sua declaração de que o INSS "não é botequim da esquina, não dá para fazer em 24 horas" o trabalho necessário foi interpretada como uma admissão de que "dormia no ponto" desde 2023 e uma ofensa.
Carlos Lupi nomeou Alessandro Stefanutto como presidente do INSS em julho de 2023. Stefanutto, juntamente com outros cerca de cinco gestores do INSS (incluindo diretores e o procurador-geral) nomeados sob a responsabilidade de Lupi, foram afastados pela Polícia Federal como alvo da Operação Sem Desconto. Ele inicialmente tentou blindar Stefanutto após a operação, dizendo que ele era sua responsabilidade e deveria ter direito à defesa.
Argumentos pela saída
1. Responsabilidade Política e Omissão
Na melhor das hipóteses, Lupi é omisso e negligente diante das conhecidas fraudes e desvios dos aposentados. Reportagens apontam que ele foi alertado sobre irregularidades em junho de 2023, mas não teria agido de forma célere para conter o problema. Essa demora não só permitiu a continuidade do esquema, como o crescimento significativo até chegar a montantes bilionários. Se foram realmente R$6,3 bilhões desviados, mais de R$ 4 bi foram na gestão de Lupi.
2. Impacto na Imagem do Governo
O escândalo do INSS mancha a imagem do governo Lula, especialmente por afetar diretamente os aposentados, um grupo que o governo afirma priorizar. A permanência de Lupi no cargo pode ser vista como tolerância ou conivência com a corrupção, algo politicamente danoso em um momento de desafios à popularidade do governo. A resposta esperada seria uma ação que marcasse intransigência com corrupção até as últimas consequências.
3. Pressão Política e Pedidos de Demissão
Há uma forte pressão política, inclusive de aliados do governo, para que Lupi deixe o cargo. A oposição, por sua vez, aproveita o caso para atacar o governo, aumentando a urgência de uma resposta que evite desgaste político prolongado.
4. Histórico de escândalos
Lupi carrega um histórico de problemas em gestões anteriores, como sua saída do Ministério do Trabalho no governo Dilma Rousseff, após denúncias de irregularidades. Esse passado reforça a percepção de que ele não é a pessoa mais adequada para um cargo tão sensível quanto o da Previdência Social, especialmente em meio a um escândalo que exige credibilidade e firmeza na condução do ministério.
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