MPF notifica Bahia para explicar CT em possível área quilombola; clube nega

MPF cobra garantias para proteger território de Quingoma, em Lauro de Freitas; ofícios são enviados à prefeitura de Lauro, órgãos públicos e Embasa

Por Da Redação.

O Ministério Público Federal (MPF) enviou ofícios ao Esporte Clube Bahia, a órgãos públicos e empresas para impedir a realização de obras no território quilombola de Quingoma, em Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador. A medida, segundo o órgão ministerial, busca resguardar comunidade tradicional e preservar a área ambientalmente sensível.

Entre os pontos questionados, estava a possibilidade de o Bahia erguer o novo centro de treinamento do time profissional no local. Após sucessivas cobranças, o clube respondeu que “não há quaisquer tratativas em andamento visando à aquisição de áreas inseridas na poligonal do território de Quingoma para construção de empreendimento”.

O procurador da República, Ramiro Rockenbach, afirmou que a atuação tem objetivo de garantir segurança jurídica e prevenir danos irreversíveis. “Estamos falando de uma comunidade tradicional com direitos reconhecidos e de uma área ambientalmente sensível. O MPF não permitirá que empreendimentos avancem sem a devida consulta e sem respeito às normas constitucionais”, disse.

O Quingoma abriga, atualmente, cerca de 3.500 pessoas, distribuídas em aproximadamente 630 famílias. | Foto: Matheus Caldas/Aratu On

Segundo o procurador, o posicionamento do Bahia reduz tensões, mas a instituição continuará acompanhando a situação. Ele também destacou que associações quilombolas locais manifestaram disposição para dialogar com o clube, caso haja interesse futuro.

No início de junho, o CEO do Bahia, Raul Aguirre, afirmou que o novo centro de treinamento do clube será "o maior da América do Sul". "Está mais perto do que se imagina. É um tema extremamente complexo. Questões de infraestrutura, meio ambiente, regulamentação, tudo tem que ser trabalhado com bastante confidencialidade. Não estamos longe de anunciar detalhes, mas, estamos com o maior cuidado, porque há muitas variáveis que têm que ser perfeitamente equacionadas", anunciou, em em entrevista institucional publicada no canal oficial do Bahia no YouTube.

O novo equipamento será construído para substituir o CT Evaristo de Macêdo, situado em Dias d'Ávila, também na região metropolitana. A avaliação do Grupo City é que a logística para treinamentos neste CT é inviável para o time profissional. Com isso, a tendência é que o espaço seja cedido para divisões de base e futebol feminino.

O Bahia não se manifesta oficialmente sobre o tema.

Nos últimos dias, o MPF enviou três ofícios:

•    Ao Incra, para solicitar o reconhecimento parcial do território e evitar impactos do empreendimento imobiliário “JoanesParque/Bairro Planejado”, da MAC Empreendimentos;

•    À prefeitura de Lauro de Freitas e à Secretaria Municipal de Saúde, para que não instalem uma unidade básica de saúde na área em disputa;

•    À Embasa, para que não realize obras de saneamento ligadas ao mesmo projeto, alvo de ação civil pública em tramitação na Justiça Federal.

Rockenbach ressaltou ainda que a defesa de Quingoma ultrapassa a disputa fundiária. “Não se trata apenas de uma disputa fundiária, mas de uma questão que envolve direitos humanos, justiça climática e preservação de patrimônio coletivo”, afirmou.

CT do Bahia, atualmente, é o Evaristo de Macedo | Foto:Rafael Rodrigues

Quilombo Quingoma

O Aratu On foi ao Quingoma em junho deste ano para conhecer a história dos quilombolas, que travam uma batalha burocrática contra o Estado para preservar a existência da área que ocupam desde 1569, ainda nos primeiros anos de ocupação portuguesa no Brasil. 

Enquanto isto, a especulação imobiliária avança sobre o Quingoma, com a construção do condomínio Joanes Parque. Em paralelo a isto, o Grupo City mira um terreno que, segundo os quilombolas, é de posse do quilombo, para o construção do novo CT do Bahia, cujo projeto é avaliado em R$ 200 milhões.

No final de abril, os quilombolas foram surpreendidos com a informação de que um acordo teria sido firmado para construção do novo centro de treinamentos do clube. Segundo a líder quilombola Rosemeire dos Santos, os moradores do Quingoma e o Ministério Público Federal (MPF) não foram consultados.

Certificado pela Fundação Palmares desde 2013, os líderes do Quingoma tentam, desde 2005, concluir o processo de titulação de terra pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Este processo, de responsabilidade do governo federal, é a etapa final de reconhecimento de uma comunidade quilombola e, além de garantir o usufruto exclusivo das terras, permite a reprodução do modo de vida das populações remanescentes de quilombos.

Enquanto o processo tramita, órgãos federais orientam que não sejam construídos empreendimentos em áreas quilombolas. Para Rosemeire dos Santos, o avanço imobiliário na região é um “ataque” aos moradores.  “É assim que diz a lei. Mas, infelizmente, somos atacados todos os dias pelos empreendimentos, grileiros, pessoas que vêm colocar empresas aqui dentro, e a gente já não sabe mais o que fazer, porque isso vem trazendo um sério risco para a gente, enquanto quilombola”, desabafa.

Impasses sobre tamanho do território do Quingoma

Os quilombolas sustentam ter uma área de 1.284 hectares, fruto de pesquisas realizadas durante séculos pelos anciãos do quilombo. No entanto, um contralaudo realizado pela prefeitura de Lauro de Freitas sugere uma área de 284 hectares, o que corresponde a um quinto do tamanho do território pleiteado pela comunidade. O documento embasou uma decisão da 14ª Vara Federal, em vigor no momento.

Diante disto, a MAC Empreendimentos sustenta que o terreno em que acontecem as obras está fora da poligonal do território quilombola. “Todas as etapas deste empreendimento têm sido conduzidas em estrito cumprimento com a legislação vigente e em total acordo com as exigências dos órgãos competentes”, diz trecho do comunicado da construtora, publicado no site oficial de vendas do Joanes Parque (leia aqui).

E a empresa assegura que possui os licenciamentos necessários para desenvolvimento do loteamento, apesar de o MPF, a DPU e a DPE terem recomendado que a prefeitura de Lauro de Freitas não fornecesse as autorizações.

De acordo com Rosemeire, os quilombolas nunca obtiveram acesso ao laudo. “A gente se pergunta quem fez esse contralaudo. A gente descobre que houve esse contralaudo, ao qual não temos posse para ter certeza disso. Mas é o que a juíza alega: que está fora desta poligonal”, conta.

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