SUICÍDIO: Como a imprensa pode tratar o tema sem sensacionalismo e evitar novos casos?
SUICÍDIO: Como a imprensa pode tratar o tema sem sensacionalismo e evitar novos casos?
Em meio a tanta tecnologia e inovação, um novo fenômeno de massa tem causado espanto por conta da gravidade embutida no tema. Tratado como novidade, o ‘Baleia Azul’ revela um antigo problema, por tempos negligenciado pela sociedade e sequer tratado como caso de saúde pública: a depressão e o suicídio.
De acordo com dados da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), somente nos primeiros meses deste ano, 114 casos de suicídios foram registrados na Bahia. O número assusta, mas em níveis globais é ainda mais estarrecedor. Algo próximo a um milhão de pessoas tira a própria vida por ano. A maior parcela está situada entre 15 e 29 anos, demonstrando que o problema é mais evidente entre jovens.
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Falar de suicídio, como estamos fazendo aqui, nesta reportagem, sempre foi um tema delicado para a imprensa. Há quem defenda que o assunto não deva ser tratado explicitamente para não provocar o chamado efeito repetição — quando outras pessoas imitam determinada ação, entre outras razões, por conta da repercussão gerada.
No entanto, desde que o fenômeno ‘Baleia Azul’ começou a ser pautado na imprensa algumas emissores passaram a ignorar esta restrição. O Baleia Azul é um grupo que obriga o cumprimento de tarefas e incentiva jovens a cometerem suicídio. Na construção do produto exibido, telejornais revelaram o passo a passo dessas tarefas, além de terem tratado o Baleia Azul como “jogo”.
O psicólogo e diretor de educação da SaferNet, Rodrigo Nejm, discorda desta abordagem. À frente da associação civil que previne e denuncia crimes na esfera virtual, ele defende que o uso do termo “jogo” remete ao lúdico, ao divertido ou mesmo a um desafio.
?Não se pode tratar como um jogo algo é marcadamente um crime contra a vida?, diz.
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Pensando nos perigos que norteiam a abordagem indevida desse tema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) disponibiliza uma cartilha para ensinar profissionais de imprensa a tratar do suicídio em uma cobertura.
Um dos tópicos apresentados é o cuidado de não publicizar o suicídio e abordá-lo de maneira consciente. É preciso atenção no uso de palavras para não parecer que, de alguma forma, este seja um caminho possível para solução de problemas. O documento alerta, ainda, que os profissionais devem seguir critérios de notícia e jamais deixar o sensacionalismo fazer parte dessas coberturas, principalmente quando se refere à pessoas famosas. Algumas expressões, por exemplo, devem ser evitadas.
Usar termos como ?epidemia de suicídio? ou detalhar como foi o óbito, usando fotos, vídeos e materiais deve ser sempre evitado, de acordo com as orientações da OMS.
Outra recomendação é indicar locais de ajuda para pessoas que estão passando por estas dificuldades — algo que esta reportagem tratou de fazer na parte final do texto.
SEM ROMANTISMO
Fazendo parte da imprensa baiana, quando o tema Baleia Azul veio à baila, a TV Aratu precisou tratar do assunto suicídio em seus noticiários locais. O maior cuidado da empresa foi levar informação com prestação de serviço, buscando atender o real interesse do público sobre o que fazer nestes casos.
“A gente não segue essa linha que o suicídio não deve ser falado ou noticiado. Achamos que cada caso tem sua particularidade, sobretudo se envolver um interesse público como esse caso da Baleia Azul. Isso não é um fato isolado, mas um movimento”, explica o gerente de conteúdo da emissora, Pablo Reis.
Ainda segundo ele, esse padrão do jornalismo brasileiro de não falar desse problema está mudando, mas a preocupação em respeitar as orientações da Organização Mundial de Saúde, continua intocável.
“Não devemos detalhar a história dando qualquer tipo de glamour ou romantismo. A matéria deve ser sempre de maneira crítica, levantando o questionamento sobre o problema”, comenta Reis.
A cartilha com orientações para a imprensa brasileira feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pode ser encontrada nesse link.
CUIDADOS
Para a psicanalista Clarissa Lago o papel dos pais é essencial para desmantelar essa corrente de influências negativas na vida das crianças, jovens e adolescentes. Ela ressalta que a linha de separação entre o desejo de viver e morrer é muito pequena e isso precisa ser falado, explicado e entendido.
“É tarefa dos pais, familiares, educadores que acompanham esses jovens perceber e falar sobre tudo. Esse público precisa de mais diálogos pois aquilo que não pode ser falado se manifesta sob forma de sintoma. Sendo assim, é preciso estar atento sempre para diálogos francos e escutá-los é importante”, explica Clarissa.
Quem tem predisposição a cometer suicídio dá sinais ao longo da vida, seja pelo isolamento, timidez excessiva dificuldade de relacionamentos ou depressão.
“Os jovens não estão interagindo na vida da realidade e terminam por se tornarem reféns virtuais. Muitos deles crescem com babá eletrônica. Freud aponta que na adolescência temos o retorno do recalcado – tudo que se viveu na infância, nada foi perdido – e na adolescência vem com tudo”, diz.
Clarissa enfatiza também o papel do profissional de saúde nesses casos, afirmando que nos dias de hoje, ainda existe um preconceito quando se fala em tratamentos para a saúde mental da população. “É muito importante procurar um bom profissional que possa ter essa habilidade. Além disso, é dever da mídia tratar esse tema de forma natural sem tornar banal, desmitificando e parando de tratar com tabu promovendo reflexões, diálogos e debates, incentivando políticas públicas”.
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BUSQUE AJUDA
Assim como em outras capitais do país, em Salvador existem 18 Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que funcionam em horário comercial das 8h às 17h, com objetivo de oferecer um atendimento intensivo para pessoas que sofrem de problemas psíquicos em vários níveis. Nesses encontros, o paciente conta com atividades individuais, em grupo e exercícios que estimulam o viver comunitário e a vida humana.
O Coordenador da Emergência Psiquiátrica da capital baiana, Ivan Araújo, explica que o direcionamento dado a população vai de acordo com a necessidade de cada paciente. Segundo ele, a ida ao Centro Apoio Psicossocial (Caps) pode ser espontânea ou induzida por algum outro profissional de saúde.
“A gente recebe as pessoas da melhor forma possível, e o tempo do atendimento e tratamento varia de acordo com cada situação. Em alguns casos existe a necessidade de internação, mas isso só é feito quando o paciente não consegue tomar decisões”, contou.
Ivan enfatiza também que existem características especificas para perceber se a pessoa necessita do atendimento. “A maioria são jovens adultos, com idades entre 16 e 29 anos, que sofrem de depressão, ansiedade, medo de sair de casa, falta de apetite, sintomas que podem desencadear o caminho para o suicídio”, apont.
Com a proposta de massificar ainda mais a prevenção ao suicídio, a Sesab vai disponibilizar, nesta quarta-feira (26/4), 5 mil cartilhas sobre o tema, orientando profissionais de saúde da rede estadual. Além disso, será feito uma webpalestra falando dos ‘Aspectos técnicos e éticos na abordagem de pessoas em risco de suicídio?.
Os interessados em assistir podem acompanhar através do link.
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