OPINIÃO: “Tenho uma proposta para os homens: vamos inverter os papéis? “, diz jornalista Nadja Vladi
OPINIÃO: “Tenho uma proposta para os homens: vamos inverter os papéis? “, diz jornalista Nadja Vladi
Tenho uma proposta para os homens: vamos inverter os papéis? Como seria para você sair às ruas e ser molestado com cantadas baratas e expressões vulgares sobre o seu corpo? E como você se sentiria ao andar em uma rua à noite sozinho e saber que pode ser violentado a qualquer instante? Ou como você se comportaria ao ser ameaçado de morte por sua mulher ao tentar acabar com um casamento no qual sofre cotidianamente violência psicológica e física?
E como seria fazer uma denúncia de assédio e ouvir de um delegado: quem mandou andar na rua sem camisa?
É um esforço para os homens estar nesse lugar de insegurança e violência que, para nós mulheres brasileiras, é nosso cotidiano. Mas é um esforço necessário nesse momento para que as regras do jogo comecem a mudar. Os homens precisam sair do lugar seguro e confortável, socialmente construído pelo patriarcado, e entender que sim, é preciso, é urgente a igualdade de gênero. Olhar os números de violência contra as mulheres no Brasil é um susto. Segundo o Ipea, no período de 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a, aproximadamente, 5.000 mortes por ano.
Casos como o da vocalista da banda baiana Sertanília, Aiace Félix, que recebeu socos na cara de um taxista porque reclamou do assédio dele com sua irmã é um exemplo recente e local de todas as violências que sofremos cotidianamente: física, sexual, psicológica e emocional. Aiace foi agredida várias vezes: pelo taxista; na Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM) que não quis registrar sua queixa; e pelo advogado do agressor ao dizer que a ?suposta vítima? interpretou de forma equivocada a agressão. Vemos aqui o que acontece regularmente, a mulher, a vítima, passa a ser a culpada da agressão.
Mas existe um movimento em curso que aponta novas direções, os ventos estão mudando, mesmo que essa mudança ainda não represente uma redução estatística no número de violência contra as mulheres. Aiace representa essa nova direção pela potência do seu discurso: ?Não temos que nos calar diante dos assédios diários de vocês. Não sou propriedade de ninguém e não vou aceitar calada?.
A chamada terceira onda do feminismo está aí para lembrar que não aceitaremos mais nenhum tipo de abordagem machista. Se a primeira luta das mulheres era pelo direito ao voto, a segunda para trabalhar fora e ter liberdade sexual, essa desmascara a violência cotidiana a que estamos expostas. Porque sabemos como o patriarcado é conivente e alimenta a violência contra as mulheres em todas as instâncias: social, política, jurídica.
Vivemos em um país machista, branco, elitista. Nas diversas esferas (pública e privada) se constrói uma narrativa misógina, mas o momento atual é de resistência. E de resistência radical, necessária, porque cansamos de todas as formas de violência que sofremos pelo simples fato de sermos mulheres e, por isso, colocadas historicamente, como inferiores aos homens.
Uma das grandes aliadas nessa luta são as redes sociais, espaço para campanhas arrasadoras, de muito repercussão e impacto como o ?Meu Primeiro Assédio?, que deu visibilidade ao que sempre foi invisível. Cada depoimento visceral foi uma batalha contra a violência corriqueira, foi o grito de ?não me calo mais? e de que ?estamos na luta?, apontando o dedo para os homens que não respeitam as mulheres, que subestimam, matam e violentam.
Toda luta feminista é uma luta por igualdade de direitos. Desqualificar o discurso feminista como algo ressentido é uma distorção do patriarcado acostumado com séculos de submissão das mulheres. Ao condenar uma menina estuprada por 30 homens porque ?não se deu ao respeito? é mais uma vez o macho se colocando no lugar de poder, de proprietário das mulheres, de como elas devem se comportar e como devem ser castigadas se desobedecerem as regras masculinas.
O feminismo do século XXI não está disposto a aceitar nenhuma regra do patriarcado. As regras sobre nós, sobre nosso corpo, são nossas. Nossa luta é para andar na rua sem medo, para mostrar que não somos propriedade de ninguém. Parem de dizer como nos vestir, como nos comportar e que, ao contrário dos contos de fadas, não somos rivais, mas aliadas. Não existe mais silêncio!
Nadja Vladi é jornalista e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).