PERFIL: Entre selfies e pagodão, ACM Neto afina discurso político, prepara terreno, mas não fala de futuro
PERFIL: Entre selfies e pagodão, ACM Neto afina discurso político, prepara terreno, mas não fala de futuro
A caminhada de Antônio Carlos Peixoto de Magalhães Neto (DEM) – ou simplesmente ACM Neto – começou quente no bairro de Marechal Rondon. Era uma segunda-feira, 19 de setembro. Restavam ali 13 dias para o fim da corrida eleitoral. Naquela mesma segunda, o instituto Ibope divulgaria a terceira rodada da pesquisa de intenção de voto apontando larga vantagem do democrata e, consequentemente, indicando vitória já no primeiro turno: 69% em favor dele contra 12% de Alice Portugal (PCdoB), adversária mais bem colocada.
A alusão à quentura do ambiente não era apenas pelo clima eufórico dos correligionários, das dezenas de carros de som, assessores e seguranças que já esperavam a chegada do candidato para percorrer as ruas estreitas do bairro. Trinta minutos antes do horário da concentração cerca de 15 tiros foram efetuados no local. A reportagem presenciou o momento dos disparos. Na versão da polícia, um homem foi morto por traficantes. Há suspeita de acerto de contas por dívidas de droga. O episódio assustou, mas não foi suficiente para cancelar o evento político.
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A guerra urbana revelada naquele momento tem aquecido o termômetro muito mais que as eleições municipais deste ano. A campanha tem seguido morna até aqui. Os ataques e revides são os habituais de outras disputas, mas, por conta das alterações como diminuição do tempo de TV feitos pela Justiça Eleitoral, isso tem repercutido pouco no eleitorado. Não sabe se os 40 minutos de atraso para o início da caminhada ocorreu por conta do tiroteio. Já era final de tarde quando o carro de luxo, com vidro transparente, trouxe o democrata na carona e abriu espaço na multidão aglomerada.
“Foi o prefeito que mais trabalhou aqui. Reformou a escola ali da frente, por exemplo”, me conta um homem pouco antes do início da caminhada, sem saber que conversava com um repórter.
Um outro, com idade aproximada de 65 anos, manteve um discurso mais ácido. “Daqui para o final de linha ACM Neto não fez nada. Porém, votei no avô e vou votar no neto também”. Depois de revelar minhas intenções jornalísticas, ele silenciou, renegou às investidas e voltou a jogar dominó com amigos dentro de um bar.
À sombra do avô, Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), maior figura política baiana na segunda metade do século XX, o neto se elegeu deputado federal pela primeira vez em 2003 como o mais votado no estado — algo bem inusitado se tratando de alguém que, aos 24 anos, apenas debutava nas urnas e ainda não tinha experiência político partidária.
ACM Neto foi deputado federal por três mandatos até assumir a prefeitura de Salvador em 2012, derrotando no segundo turno o candidato petista Nelson Pellegrino. Ficou como herdeiro solitário do carlismo — grupo político liderado pelo avô — após a morte do mesmo há 9 anos. Neste ínterim, viu o PT assumir o governo do estado e estabelecer uma hegemonia que já dura uma década.
Político, “Netinho”, como passou a ser chamado pelo eleitor, parece ter aprendido a se comportar na adversidade. No passeio por Marechal Rondon, embalado pelo pagodão que marca seu jingle, durante um dos abraços, um morador cobrou-lhe providências para um problema específico da localidade. Sem estender muito a conversa, desvencilhou do enlaçamento e, de bate-pronto, emendou: “procure a prefeitura-bairro e vamos resolver”.
Aos 37 anos, o pragmatismo é outra de suas características centrais. Por articulação política, para a disputa desse ano, trocou sua candidata a vice, a professora Célia Sacramento (PPL) por Bruno Reis, do PMDB. Em 2012, quando foi eleito pela primeira vez, Célia cumpriu um papel de escudo para Neto.
Há quatro anos, os adversários usaram o argumento que o partido de Neto, o Democratas, havia entrado na Justiça contra as cotas raciais. Uniam isso ao fato de Salvador ser a maior cidade negra do Brasil e deixavam no ar a possibilidade da existência de “racismo” nesta ação. A equipe do prefeito tentou barrar as acusações nos tribunais — sem sucesso. A munição só foi aplacada quando Célia, ativista do movimento negro, ingressou na chapa.
Este ano, precisando de maior apoio do PMDB (partido que recém assumiu a presidência com a pose de Michel Temer após impeachment de Dilma Roussseff), sem maiores cerimônias, Neto substituiu Célia por Bruno Reis.
Já no ponto final da caminhada, percebo que existia uma peça fundamental para o visível sucesso daquela empreitada. É uma espécie de assessor, que aponta para onde ACM Neto deveria acenar (você pode ver o flagrante de no vídeo abaixo). De vez em quando o assessor não era atendido.
Aquele “mar de gente” já se aproximava do final de linha do bairro quando um pequeno incidente aconteceu. O fotógrafo oficial da campanha – que não mede esforços para conseguir os cliques – tropeçou em um manequim que estava na porta de uma loja de roupas. Em efeito dominó, caíram outros cinco ou seis. As donas do comércio pareciam não se importar com os bonecos já caídos no meio da via, mas fizeram questão de reerguê-los.
A caminhada por Marechal Rondon culminou em um discurso inflamado, que teve até pitaco na gestão estadual. “Quero ver com vocês a questão do nosso posto de saúde. Se bem que é um problema a questão da segurança pública e pedimos às autoridades competentes que resolva isso”, falava no microfone ligado ao carro de som.
O prefeito não fala sobre o assunto, mas correm rumores que, caso reeleito agora, pode deixar a prefeitura de Salvador em 2018 para se candidatar ao governo do estado, contra Rui Costa (PT). Questionado pelo Aratu Online, após visita à TV Aratu para participar da sabatina do programa Bom Dia Bahia, ele rebateu em palavras firmes: “Esse assunto de 2018 não está em pauta. Não falo desse assunto e nem cogito. Não vou tratar de 2018 agora”.
Questionado se assinaria algum documento garantindo que não abandonaria a prefeitura para ser candidato ao governo, a exemplo do que fez (e acabou descumprindo) o então prefeito de São Paulo José Serra (PSDB), Neto diz que não, pois, segundo, ele, se trata de uma “armadilha”.
“As pessoas me conhecem sabem que minha palavra vale muito mais”.
Assista o vídeo:
Reportagem: Jean Mendes
Foto destaque: Max Haack/divulgação/ACM Neto
*Publicada originalmente às 6h