LEI MARIA DA PENHA: Após 10 anos, registros de avanços, expectativas e necessidades de melhorias
LEI MARIA DA PENHA: Após 10 anos, registros de avanços, expectativas e necessidades de melhorias
A lei nº 11.340/06, conhecida popularmente como ‘Maria da Penha’, foi criada com o intuito de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Este mês, ela completa 10 anos em vigor. O que mudou desde a sua criação? Para aprofundar a questão e promover o debate, o portal Aratu Online conversou com especialistas da área e militantes que tiveram envolvimento direto neste processo.
Desde a sua criação, a funcionalidade da lei é colocada em questão. Um dos principais fatores é o desconhecimento das atividades atribuídas às Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, (DEAMs). Muitas vezes, ele parte dos próprios agentes da lei. Um exemplo foi protagonizado pelos policiais da unidade de Brotas, que negaram atendimento à cantora Aiace Felix em julho deste ano.
Ela não foi atendida porque a agressão sofrida não foi caracterizada como doméstica – quando a vítima possui algum tipo de relacionamento com o agressor. Segundo a coordenadora do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher (GEDEM), promotora Lívia Sant?Anna Vaz, a lei incluiu não só amparo às mulheres vítimas de violência doméstica, mas qualquer tipo de violência de gênero ? quando a mulher sofre agressão de qualquer natureza, pelo simples fato de ser mulher.
A delegada Heleneci Souza Nascimento, titular da DEAM/Brotas, explicou que a vítima deve ser recebida em qualquer delegacia, sendo que as DEAMs são especializadas em violência domésticas. As outras estão aptas a atender todas as demandas. “A vítima pode dar queixa e realizar os procedimentos de exames de corpo de delito em qualquer delegacia, até porque, as DEAMs não funcionam 24h, e depois da ocorrência feita, elas devem procurar a delegacia especializada em violência doméstica”, acrescentou.
No vídeo, ela esclarece dúvidas frequentes. Confira:
Os números apresentados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) mostram que, apenas em Salvador, foram contabilizados 64 casos de violência doméstica e sexual em 2016.
No ano passado, foram quase 10 mil casos de violência doméstica e sexual em toda Bahia. Além disso, houve a notificação de 154 mortes, das quais 43 em Salvador. Na capital, são realizados, em média, 30 atendimentos por dia.
Perfil das vítimas X Agressores
Logo no início da implantação da lei, os agressores eram pessoas com o nível de instrução mais baixo. “Eram, em sua maioria, oriundos das classes C e D. Hoje, essa realidade mudou, porque as mulheres anônimas e públicas estão denunciando seus agressores. Isto porque elas sabem que podem contar o amparo cível e jurídico, para auxiliar em questões como divórcio e divisões de bens”, diz Heleneci.
A maioria dos agressores está empregado e possui certa estabilidade financeira. Em contrapartida, as mulheres que procuram o atendimento possuem um grau de instrução mais elevado e independência financeira, “ou seja, elas não dependem dos seus companheiros” declarou a delegada.
Dados comprovam que a maior parte dos homicídios acontece entre as mulheres negras. Pior, eles somaram um aumento de 54% em 10 anos, apontou o Mapa da Violência 2015. Sendo que 50,3% das mortes violentas de mulheres são cometidas por familiares e 33,2% por parceiros ou ex-parceiros.
As vítimas
Encorajadas pelo desejo de justiça, as mulheres têm buscado amparo jurídico para relatar as agressões sofridas por elas. Recentemente, a atriz Luíza Brunet acusou o ex-companheiro, o empresário Lírio Albino Parisotto, de tê-la agredido fisicamente e psicologicamente. Luíza teve as costelas quebradas durante uma viagem do casal a Nova York, em 21 de maio deste ano. Ela participou de uma campanha de combate à violência.
Entre as mulheres anônimas, um dos casos mais famosos é o de Eliza Samudio. Após um relacionamento com goleiro Bruno, ex-Flamengo, em 2009, Eliza procurou a polícia para dizer que estava grávida e que Bruno a agrediu, em uma tentativa de forçá-la a ingerir remédios abortivos. Após o nascimento da criança, ela acionou a Justiça para pedir o reconhecimento da paternidade. Eliza Samudio foi morta no dia 4 de junho de 2010.
Os Avanços
Com 10 anos, a lei Maria da Penha passou por um processo de construção e aprimoramento. Hoje, ela se aplica não somente a casos de mulheres agredidas por seus maridos, mas por outros homens de seu convívio, as relações homoafetivas e outros tipos de relação onde haja violência.
Ainda são alcançados pela lei os casos de ameaça feita contra a mulher por um irmão, por exemplo, ainda que não residam mais juntos. A lei ainda pode ser aplicada a relações de namoro, independentemente de coabitação.
Recentemente, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais decidiu que todas as promotorias do país podem aplicar
a lei Maria da Penha também em caso de agressões a mulheres transexuais e travestis, que não fizeram cirurgia de mudança de sexo, e não alteraram o nome ou sexo no documento civil.
Contudo, ressaltados os progressos, fica claro que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “A lei, em si, é um marco legal histórico, mas infelizmente a efetividade dela não tem existido”, relatou advogada Laina Crisóstomo, especialista em violência contra a mulher.