OPINIÃO: “Não tá tranquilo. Não tá favorável. Nem vai ficar”, diz Malu Fontes, professora de jornalismo da Ufba
OPINIÃO: “Não tá tranquilo. Não tá favorável. Nem vai ficar”, diz Malu Fontes, professora de jornalismo da Ufba
Diferente da maioria das mulheres, eu nunca dei importância à minha idade após os 30 anos, quando, geralmente, começa a causar incomodo a prosaica pergunta: quantos anos você tem?
Eu tenho 50 e tenho preguiça só em pensar na possibilidade de mentir sobre isso. No entanto, a minha idade é, foi, está sendo, um fator essencial para a definição do meu estado de espírito diante da situação política que o Brasil está vivendo e da minha avaliação, como cidadã, do estado de coisas diante da votação do impeachment da presidente Dilma Roussef na Câmara dos Deputados.
Nunca me disse otimista, mas me dá cansaço ouvir pessimistas. Acho, mas só acho, que sempre estive com os dois pés enfiados no solo do realismo. Nunca soube ser Pollyana, nem menina nem moça e, portanto, desconheço as regras do jogo do contente dos otimistas.
Como a anti-Pollyana que me considero, acho de uma infantilidade fora de cogitação a tese daqueles que repetem, repetem, repetem – e parecem acreditar no mantra que adotam -, que tudo isso que estamos assistindo no Brasil vai servir para tornar o Brasil um país melhor; que essa lama toda, que essa puxada de toalha do jogo político, com todas as fichas e apostadores em cima, vai passar o país a limpo, corrigir as rotas, mudar as práticas políticas, blá blá blá.
De um país que em um intervalo de apenas 23 anos assiste ao seu segundo processo de impeachment e que mergulha num petrolão após um mensalão, pode-se dizer tudo. Exceto que sua saúde política seja boa.
Sou do tipo que acredita mais na viabilidade da migração para Marte tornar-se algo possível a médio prazo do que na possibilidade de sairmos disso tudo com um país mais honesto e um cenário político mais nobre. Isso não vai acontecer. Não a tempo de meus contemporâneos usufruírem dessa mudança.
BERLIM
Sim, já vivi mais da metade da minha vida. Minha matemática é objetiva. Como tenho 50, o tempo que tenho pela frente é menor do que aquele que já passou por mim. Primeiro, porque conheço raríssimas pessoas que atingiram ou ultrapassaram os 100 anos. Segundo, eu não desejo viver até me tornar centenária. Como creio que a minha dignidade física e fisiológica não dará para 100 anos de gasto, quero sair da vida antes dela, essa dignidade da qual falo, abandonar meu corpo e meu cérebro. Para que tanto tempo se não poderei ler os livros que não consegui antes da visão turvar demais ou se não terei autonomia corporal para ir onde quiser sem a tutela alheia?
Me vi pensando nisso, emparelhando a crise política na qual o país mergulhou e minha condição de cidadã, ao reiterar para mim mesma a minha trajetória: nasci e cresci durante uma ditadura, experimentei a frustração das diretas, vi o primeiro governador em que votei (Waldir Pires) abandonar o mandato para embarcar numa canoa furada de um projeto de candidatura à vice-presidente do “Doutor Ulysses [Guimarães]” na 1ª eleição direta à Presidência da República pós-ditadura militar, vivi meu primeiro emprego, saindo da faculdade, com uma inflação de mais de 80% durante o governo Sarney e votei para presidente pela primeira vez quando já tinha dois filhos e um divórcio, numa eleição em que o candidato eleito foi expulso do cargo num processo de impeachment.
Sim, vivi isso ao mesmo tempo em que assisti o Muro de Berlim cair e essa parte foi muito boa de sentir.
BOLÃO
Entretanto, aqui estou eu, de novo, num contexto onde multidões berram por um novo impeachment e o maestro do berro é um sujeito como Eduardo Cunha, uma caricatura pronta literal e a desonestidade corporificada sob a forma humana. Entre os meus afetos nunca vi ninguém lamentar a queda de Collor e eu mesma torci para que ela acontecesse. Agora, embora considere indefensáveis os erros e os abusos que esse governo cometeu, não me enfileiro, jamais, por minha trajetória, por minhas crenças pessoais, por convicção legal e por respeito aos princípios ideológicos que moldam minha formação intelectual, às fileiras que marcham com Cunha e sua caravana.
Se eu tivesse agora o mesmo desejo político que têm bolsonaros, felicianos, caiados e uns tipos fanfarrões de celulite nas bochechas que circulam aqui na vizinhança, seria porque haveria algo de muito errado comigo, não com eles.
À medida que a crise avança, embalada por escroques de todos os matizes partidários, é impossível, tendo visto o que já vi, que, aos 50 anos e diante do segundo cenário de impeachment, acreditar que o Brasil sairá mais limpinho dos seus escândalos políticos colossais. Assim como é impossível não sentir um quê de déjà vu. Sinto náusea quando leio os cientistas políticos do “Foicebook” escreverem em capslock que “É pelo Brasil”. Não é.
Não é pelo Brasil que moleques com mandato fazem do Congresso um parquinho de sacanagens e zombam do povo anunciando até mesmo um bolão do impeachment entre os parlamentares. O ganhador deverá acertar não apenas se o processo segue ou se é barrado, mas deve acertar também o placar, ou seja, com quantos votos a favor do impedimento.
CANALHAS
Um dos idealizadores da aposta é o tal ?Paulinho da Forrrrrça”. E quanto mais vejo gente do quilate de Paulinho falando em salvação do Brasil, lá nos termos dele, mais corticalizo a máxima do inglês Samuel Jhonson: “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. Eu queria mesmo era que houvesse morte temporária (tucanei a ressurreição).
Morreria por uns tempos para desmorrer daqui a um tempinho. Só nesses termos acredito hoje na possibilidade de experimentar um país com engrenagens diferentes dessas que estão aí, que só se movem azeitadas por dutos de corrupção numa escala tal que inviabiliza a gestão pública e, consequentemente, a vida da gente. Não tá tranquilo, não tá favorável. Nem vai ficar tão cedo.
Malu Fontes — jornalista e professora de jornalismo da Facom-UFBA