Bloco 'As Muquiranas' tenta reconstruir imagem em Carnaval sem pistolas de água
Estigmatizados pela prática, considerada de mau gosto, os travestidos mais famosos da folia em Salvador, neste Carnaval, têm o desafio de reconquistar seu público.
Arte/Tiago Oliveira
Foliões do bloco "As Muquiranas" apostam na irreverência e criatividade para resgatar o brilho perdido pela agremiação, ao longo dos últimos anos, por conta do uso inadequado das pistolas de água, no Carnaval de Salvador.
A situação havia tomado proporções incontroláveis e para conter a "brincadeira" que gerava mal-estar, foi necessário a criação de uma lei, regulamentada no dia 29 de janeiro, quando o governo baiano proibiu o uso do artefato em festas populares, no estado.
Estigmatizados pela prática, considerada por muitos de mau gosto, os travestidos mais famosos da folia, na capital baiana, têm o desafio de reconquistar um público construído há quase seis décadas.
Em 2024, "As Muquiranas" completa 58 anos de muita tradição na Festa de Momo. Mas, infelizmente, a boa relação que o bloco tinha com o seu público, anda estremecida.
A pistola de água, utilizada pelos associados, se transformou em um objeto temido nos circuitos do Carnaval, já que, de forma indiscriminada, as pessoas passaram a ser alvos dos disparos de algumas "muquiranas" e, por vezes, a atitude provocava constrangimentos.
A "ranhura" que a "brincadeira" causava ao bloco, há algum tempo, incomodava, não só, a gestão, mas também a um número significativo de integrantes, ao perceber que estavam perdendo a simpatia do povo pelas ruas.
A pistola de água, porém, nunca foi um acessório fornecido pelo bloco e não tinha o seu uso defendido pela entidade carnavalesca. Segundo o empresário e responsável pela instituição, Washington Paganelli, a cultura foi criada por um pequeno grupo e acabou se alastrando sem qualquer incentivo de sua gestão.
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"Inclusive nós deixamos de contratar uma atração que animava o bloco porque fez uma música que induzia o folião ao uso da pistola. "Depois disso, nós não renovamos mais com eles”, disse ao Aratu On, sem querer mencionar o nome do artista.
Contudo, a nossa reportagem verificou que, em 2012, a banda Saiddy Bamba foi uma das atrações do bloco e, em seu repertório, a música "Pistola do Amor" fazia alusão à polêmica atitude dos integrantes.
Paganelli acredita que a nova lei terá total adesão da população e que o Carnaval promete ser mais seguro para o público feminino (principal alvo das pistolas), bem como para a imprensa, músicos e técnicos de som, que estavam sujeitos a prejuízos por conta do contato da água com equipamentos eletrônicos.
O dirigente do bloco salientou que, antigamente, não usar o artefato era uma recomendação, mas agora é uma norma e quem não concordou com a regra, não comprou a fantasia. "Nós só queremos no bloco aquele que cumpre a lei. Esse ano, nós conseguimos numerar a fantasias, o folião que burlar, no próximo ano, será excluído", garantiu.
IRREVERÊNCIA E CRIATIVDADE
Muitos, entres os foliões que usavam as pistolas de água, perceberam bem antes de a proibição ser regulamentada, que a atitude prejudicava a imagem do grupo e começaram a se desvincular da "brincadeira".
O auxiliar administrativo Tárcio Tavares de Souza, de 28 anos, participa do bloco desde 2012. Totalmente a favor da lei, ele contou que deixou de usar a pistola em 2017 e começou a utilizar urso de pelúcia e pirulitos de coração como objetos de entretenimento.
“Inclusive, tenho registros de 2017 até hoje, com o mesmo ursinho panda que levo comigo: ele curte mais do que eu", brincou. Tárcio disse também que seu pai sempre foi associado do bloco e já lhe alertava para deixar de fazer uso do brinquedo.
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"Ele me dizia que as pessoas não iriam me olhar por conta do uso da pistola, mas sim por conta da minha irreverência, por aquilo que eu tinha a presentar e pelos adereços da minha fantasia”, comentou.
O corretor de seguros, de 37 anos, Leandro Mascarenhas, conhecido como Leo Nicuri, sai no bloco desde 2006 e classificou a decisão do governo como: "Maravilhosa!". Amante incondicional do bloco, o folião tem uma tatuagem na perna, alusiva às Muquiranas, desde que saiu pela primeira vez.
Leo relatou que aposentou a pistola há mais de dez anos e ficava entristecido com o que via. "Não são todos! São uma minoria. Porém, se o cara está com um cassetete batendo nos outros e eu estou também com um cassetete, mesmo que não esteja batendo, me faz sentir que sou igual a ele”, avaliou.
Nicuri contou que decidiu abandonar e usar a criatividade: "eu saio com pirulito, com kangoo jump no pé. No ano da fantasia das baianas, inclusive, eu saí batendo massa de acarajé. Então é isso que eu estou querendo, que As Muquiranas usem a criatividade pra voltar a ser o que era", defendeu.
Para o técnico de segurança do trabalho, Alan do Nascimento Bonfim, a ideia da pistola era diversão, mas acabou virando agressão. Ele tem 36 anos, há 15 sai no bloco e acha que a lei é essencial, considerando que as pessoas não queriam mais seguir o grupo.
"Acho que agora o bloco vai voltar a ter o brilho de antes, com as pessoas do lado, acompanhando a gente, principalmente, as mulheres que gostavam do nosso desfile".
Alan também admitiu que há algum tempo já havia desistido de usar a pistola para não ser mais um e meio àqueles que faziam mau uso da "brincadeira".
A LEI
A lei nº 14.584 foi regulamentada, no último dia 29 de janeiro, através da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres (SPM), proibindo a utilização de “pistolas de água” e similares durante a folia e em outras festas populares de rua em todo o estado.
De acordo com a titular da SPM, Elisângela Araújo, a política tem o objetivo de garantir a segurança das mulheres que forem curtir as festas. "A gente acredita na prevenção e na sensibilização das pessoas para acabar com esse tipo de violência machista e misógina dentro do nosso Carnaval, que é uma festa linda e o mundo ama”, disse a secretária.
CONTROLE
Para que a determinação seja cumprida, as pistolas de água serão recolhidas logo nos portais de acesso dos circuitos do Carnaval e dentro dos espaços da festa. O governador Jerônimo Rodrigues destacou que as medidas adotadas são para acabar com esta prática. "Para além de apreender as pistolas de água, o nosso principal objetivo é criar um ambiente de tranquilidade e entendimento das pessoas, para que internalizem que essa não é mais uma prática aceitável e liberada”, frisou.
De acordo com o governo do estado, diálogos também já foram realizados com diretorias de blocos, agremiações e demais organizações vinculadas aos festejos, para que adotem meios de impedir a utilização das “pistolas de água” por foliões e associados através de campanhas educativas e penalidades. Nesses espaços, também vão ocorrer fiscalizações por agentes identificados para orientação dos foliões e associados e cumprimento do decreto.
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) firmou com o bloco As Muquiranas um termo de ajustamento de condutas (TAC) como ação de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres. As pistolas de água recolhidas serão encaminhadas, através da SPM, para cooperativas de reciclagem lideradas por mulheres.
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A situação havia tomado proporções incontroláveis e para conter a "brincadeira" que gerava mal-estar, foi necessário a criação de uma lei, regulamentada no dia 29 de janeiro, quando o governo baiano proibiu o uso do artefato em festas populares, no estado.
Estigmatizados pela prática, considerada por muitos de mau gosto, os travestidos mais famosos da folia, na capital baiana, têm o desafio de reconquistar um público construído há quase seis décadas.
Em 2024, "As Muquiranas" completa 58 anos de muita tradição na Festa de Momo. Mas, infelizmente, a boa relação que o bloco tinha com o seu público, anda estremecida.
A pistola de água, utilizada pelos associados, se transformou em um objeto temido nos circuitos do Carnaval, já que, de forma indiscriminada, as pessoas passaram a ser alvos dos disparos de algumas "muquiranas" e, por vezes, a atitude provocava constrangimentos.
A "ranhura" que a "brincadeira" causava ao bloco, há algum tempo, incomodava, não só, a gestão, mas também a um número significativo de integrantes, ao perceber que estavam perdendo a simpatia do povo pelas ruas.
A pistola de água, porém, nunca foi um acessório fornecido pelo bloco e não tinha o seu uso defendido pela entidade carnavalesca. Segundo o empresário e responsável pela instituição, Washington Paganelli, a cultura foi criada por um pequeno grupo e acabou se alastrando sem qualquer incentivo de sua gestão.
LEIA MAIS: A Melhor Segunda-Feira do Mundo acontece hoje (05) no circuito Orlando Tapajós
"Inclusive nós deixamos de contratar uma atração que animava o bloco porque fez uma música que induzia o folião ao uso da pistola. "Depois disso, nós não renovamos mais com eles”, disse ao Aratu On, sem querer mencionar o nome do artista.
Contudo, a nossa reportagem verificou que, em 2012, a banda Saiddy Bamba foi uma das atrações do bloco e, em seu repertório, a música "Pistola do Amor" fazia alusão à polêmica atitude dos integrantes.
Em 2012, atração de "As Muquiranas" fez música com alusão às pistolas de água. pic.twitter.com/HVmTWdoWrP
— Aratu On (@aratuonline) February 1, 2024
Paganelli acredita que a nova lei terá total adesão da população e que o Carnaval promete ser mais seguro para o público feminino (principal alvo das pistolas), bem como para a imprensa, músicos e técnicos de som, que estavam sujeitos a prejuízos por conta do contato da água com equipamentos eletrônicos.
O dirigente do bloco salientou que, antigamente, não usar o artefato era uma recomendação, mas agora é uma norma e quem não concordou com a regra, não comprou a fantasia. "Nós só queremos no bloco aquele que cumpre a lei. Esse ano, nós conseguimos numerar a fantasias, o folião que burlar, no próximo ano, será excluído", garantiu.
IRREVERÊNCIA E CRIATIVDADE
Muitos, entres os foliões que usavam as pistolas de água, perceberam bem antes de a proibição ser regulamentada, que a atitude prejudicava a imagem do grupo e começaram a se desvincular da "brincadeira".
O auxiliar administrativo Tárcio Tavares de Souza, de 28 anos, participa do bloco desde 2012. Totalmente a favor da lei, ele contou que deixou de usar a pistola em 2017 e começou a utilizar urso de pelúcia e pirulitos de coração como objetos de entretenimento.
“Inclusive, tenho registros de 2017 até hoje, com o mesmo ursinho panda que levo comigo: ele curte mais do que eu", brincou. Tárcio disse também que seu pai sempre foi associado do bloco e já lhe alertava para deixar de fazer uso do brinquedo.
LEIA MAIS: Vice-presidente Alckimin repudia ataque racista a judia em Arraial d’Ajuda ; saiba mais
"Ele me dizia que as pessoas não iriam me olhar por conta do uso da pistola, mas sim por conta da minha irreverência, por aquilo que eu tinha a presentar e pelos adereços da minha fantasia”, comentou.
O corretor de seguros, de 37 anos, Leandro Mascarenhas, conhecido como Leo Nicuri, sai no bloco desde 2006 e classificou a decisão do governo como: "Maravilhosa!". Amante incondicional do bloco, o folião tem uma tatuagem na perna, alusiva às Muquiranas, desde que saiu pela primeira vez.
Leo relatou que aposentou a pistola há mais de dez anos e ficava entristecido com o que via. "Não são todos! São uma minoria. Porém, se o cara está com um cassetete batendo nos outros e eu estou também com um cassetete, mesmo que não esteja batendo, me faz sentir que sou igual a ele”, avaliou.
Nicuri contou que decidiu abandonar e usar a criatividade: "eu saio com pirulito, com kangoo jump no pé. No ano da fantasia das baianas, inclusive, eu saí batendo massa de acarajé. Então é isso que eu estou querendo, que As Muquiranas usem a criatividade pra voltar a ser o que era", defendeu.
Com criatividade, integrante de As Muquiranas brinca com foliã, no Carnaval. pic.twitter.com/RjtFa2w7Ao
— Aratu On (@aratuonline) February 2, 2024
Para o técnico de segurança do trabalho, Alan do Nascimento Bonfim, a ideia da pistola era diversão, mas acabou virando agressão. Ele tem 36 anos, há 15 sai no bloco e acha que a lei é essencial, considerando que as pessoas não queriam mais seguir o grupo.
"Acho que agora o bloco vai voltar a ter o brilho de antes, com as pessoas do lado, acompanhando a gente, principalmente, as mulheres que gostavam do nosso desfile".
Alan também admitiu que há algum tempo já havia desistido de usar a pistola para não ser mais um e meio àqueles que faziam mau uso da "brincadeira".
A LEI
A lei nº 14.584 foi regulamentada, no último dia 29 de janeiro, através da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres (SPM), proibindo a utilização de “pistolas de água” e similares durante a folia e em outras festas populares de rua em todo o estado.
De acordo com a titular da SPM, Elisângela Araújo, a política tem o objetivo de garantir a segurança das mulheres que forem curtir as festas. "A gente acredita na prevenção e na sensibilização das pessoas para acabar com esse tipo de violência machista e misógina dentro do nosso Carnaval, que é uma festa linda e o mundo ama”, disse a secretária.
CONTROLE
Para que a determinação seja cumprida, as pistolas de água serão recolhidas logo nos portais de acesso dos circuitos do Carnaval e dentro dos espaços da festa. O governador Jerônimo Rodrigues destacou que as medidas adotadas são para acabar com esta prática. "Para além de apreender as pistolas de água, o nosso principal objetivo é criar um ambiente de tranquilidade e entendimento das pessoas, para que internalizem que essa não é mais uma prática aceitável e liberada”, frisou.
De acordo com o governo do estado, diálogos também já foram realizados com diretorias de blocos, agremiações e demais organizações vinculadas aos festejos, para que adotem meios de impedir a utilização das “pistolas de água” por foliões e associados através de campanhas educativas e penalidades. Nesses espaços, também vão ocorrer fiscalizações por agentes identificados para orientação dos foliões e associados e cumprimento do decreto.
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) firmou com o bloco As Muquiranas um termo de ajustamento de condutas (TAC) como ação de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres. As pistolas de água recolhidas serão encaminhadas, através da SPM, para cooperativas de reciclagem lideradas por mulheres.
LEIA MAIS: Carnaval de Salvador: confira principais cachês pagos aos artistas pela prefeitura
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