Era madrugada quando o empresário Renan Carvalho, de 22 anos, dono de duas lojas de suplementos, viu um vídeo que o inspirou a ter uma ideia que acreditou ser uma grande sacada de marketing. No vídeo, o humorista Diogo Defante faz uma proposta para uma pessoa: “E se você fingir que é um dos atrasados do Enem para enganar a imprensa?”. E Renan pensou: “E se eu fingir que sou um dos atrasados do Enem para enganar a imprensa? Vestindo uma camisa da minha loja? Com um saco de suplemento na mão? E disser que perdi a prova porque fui comprar suplemento antes de ir para a escola?”.
É, poderia ter dado certo. Ele só não contou que jornalista é uma profissão "safa" que aprende até sem querer a reconhecer uma mentira – e a investigar ela depois -. E foi assim: após reconhecer a mentira e investigá-la, que a gente chegou na história de Renan Carvalho. Agora, a verdadeira.
Renan já trabalhava com delivery de suplementos há dois anos antes de decidir abrir a primeira loja física. No começo de 2020, inaugurou o espaço, fechado duas semanas depois por causa da pandemia. “Era só venda online. A gente tomou coragem de abrir a loja física e, quando abriu, já tomou logo esse baque da pandemia que fechou a loja por 1 ano e meio, direto”.
Parecia o fim, mas não foi: agora, em novembro, ele já vai abrir a segunda unidade. E foi também por isso, aliás, que ele decidiu que se passaria por um inscrito atrasado no Enem para aparecer na televisão: para divulgar também a nova loja que está para ser inaugurada.
“Fiquei até a madrugada pensando nas coisas, pensando na loja, no escritório que estou comprando agora. Todas as ideias que eu tenho são muito aleatórias, sabe? Eu estava no YouTube, aí eu vi um cara, acho que Defante, falando com um rapaz: ‘Bora simular que você chegou atrasado?’. Aí, eu falei: ‘Caramba, eu podia fazer isso para divulgar a loja’”.
O PLANO INFALÍVEL
Quando decidiu que havia encontrado um plano de marketing infalível, Renan começou a se planejar. Primeiro passo: escolher o local de prova. Precisava ser um lugar grande, com muitos alunos e, é claro, com a presença da imprensa. Ele perguntou nas redes sociais, mas sem revelar o motivo, e os seguidores apontaram um caminho: a Universidade Federal da Bahia (UFBA).
E aí, o plano infalível revelou a sua primeira pequena falha: o dia estava chuvoso. “Acordei assim: ‘Vai, não vai, vai, não vai’. Estava chovendo, aí falei: ‘Deixa para lá’. Mas, acabei decidindo ir. Se eu não fizesse, iria ficar me perguntando se teria dado certo ou não”. Ele pediu um carro por aplicativo e saiu de casa.
No caminho, começou a repassar a história. Personagem principal: um marombeiro. “Um marombeiro comum, que deu prioridade para comprar o suplemento, colocando em risco o horário da prova. O que eu queria passar era: ‘Sou um simples marombeiro, que foi para uma loja X. Um simples marombeiro que não podia esperar, foi em uma loja para comprar suplementos com a camisa da loja’. Porque, mesmo se cortassem a minha fala na TV, tinha a camisa. Também tinha a sacola da loja na mão”.
A história estava pronta, amarradinha. E aí, veio a segunda falha: Renan chegou na UFBA às 12h30, e estava tudo tranquilo, na paz. Nem parecia dia de Enem. “Estava bem parado. Fui até o meio, voltei… isso era umas 12h40. Aí, já dei como perdido, não tinha repórter, não tinha ninguém, estava bem tranquilo lá”.
Ele até que pensou mais uma vez em desistir, mas, como todo bom marombeiro, decidiu forçar os limites e ir até o fim. Ele saiu da UFBA e foi até o Colégio Central, em Nazaré. Chegando lá, viu uma câmera.
“Eu estava chegando no ponto que fica na entrada do colégio, e já vi logo a câmera. O Uber quase que para na frente do portão, mas eu saí antes”. Acabou que, graças ao pouco engarrafamento, Renan chegou cedo demais para chegar atrasado. A solução? Ir até a Estação da Lapa matar o tempo. Lá, aproveitou para entrar ainda mais no personagem.
“Fui ao banheiro. Aí, aproveitei para coçar o olho para demonstrar um pouquinho de emoção, o olho ficou lacrimejando. Aí, fui voltando devagarzinho”. Quanto mais perto da hora do ato final, mais o empresário cronometrava cada passo. “Eram 13h01. Parei um pouco. Vai que o portão está aberto ainda? Esperei dar 13h03, 13h04. Aí, quando eu estava passando, só ouvi os repórteres falando: ‘Olha o furo, olha o furo!’”.
E começou: ele andou até o portão, viu que estava fechado, voltou, foi até a guarita. “Fingi que estava chamando alguém, mas sabia que ninguém iria responder. Nisso, de canto de olho, vi que os repórteres estavam vindo atrás de mim. Aí, pronto, já estava inspirado. Olhei para trás, cheio de câmera. Aí, começou. Acho que a adrenalina subiu, a mão começou a tremer. Isso foi real. Era muita câmera na minha cara, muita gente, fiquei nervoso. Mas, usei esse nervosismo para parecer que estava emocionado por perder a prova. Fui respondendo às perguntas e tentando encaixar o meu ‘merchan’ nas brechas”.
Até o jeito com que ele falou com a imprensa foi pensado por Renan com antecedência: ele sabia que se falasse da loja muitas vezes, os repórteres poderiam perceber. “Tinha que esperar as brechas, pouco a pouco. Por isso, criei uma história para conseguir passar a minha mensagem sem demonstrar que estava ali só para fazer isso. Fiquei meio que driblando ali, querendo ou não, manipulando a mídia”.
Mas, a história não convenceu por muito tempo: durante a entrevista, Renan foi questionado sobre o porquê de estar vestindo a camisa de uma loja. “Você trabalha lá?”, perguntaram. Ele negou, disse ser coisa de marombeiro. “Depois, fui me afastando, saindo da entrevista, para mostrar que eu não queria aquele momento. Se eu ficasse ali querendo render assunto, iriam perceber”.
Já no ponto de ônibus, ele teve um novo estalo – se parasse de demonstrar tristeza, os jornalistas que estavam na frente do colégio, logo ali, poderiam suspeitar: "Mas como esse homem se recuperou tão rápido?". Aí, como o plano de Renan era infalível, ele continuou a encenar.
“Não sabia que iria ficar tão nervoso. Mas, aí, pensei: quando tem essas coisas, eles pegam a pessoa de longe, fecham a imagem, para mostrar a pessoa pegando o ônibus, refletindo, pensando… aproveitei isso para passar a mão na cabeça, fingir choro, sabe? Uma expressão assim, de ‘estou triste para caramba’. Fiquei de longe fazendo isso, e vi que tinha um rapaz filmando. Não podia demonstrar que era ‘fake’, precisava parecer verídico. Só tinha uma chance. A ideia não era só fazer, era que a mídia postasse, que virasse meme”.
Porém, não virou meme, não viralizou, e não saiu na TV – e Renan já se deu conta disso. Quando chegou em casa, viu que o vídeo foi publicado em um Instagram, mas foi só. De saldo positivo, foi parabenizado por amigos e seguidores nas redes sociais, que gostaram da ideia e da coragem. Mas, o empresário confessou: ele ficou triste por o resultado ter sido diferente do que esperava. “Mas, a minha parte eu fiz. Consegui fazer certinho o que eu tinha pensado. Fiquei rindo à toa quando cheguei em casa. Ainda estou esperançoso. Ou eu vou sair muito como idiota, ou vai dar bom. Mas, estou triste. No final, não foi como eu queria, não saiu na mídia”.
Quando a reportagem do Aratu On entrou em contato com Renan, ele perguntou se a matéria ainda iria ao ar na TV. Dissemos que não. O motivo? Logo após a entrevista, a equipe da TV, que não nasceu ontem nem nada e achou toda a conversa dele muito estranha, foi até o Instagram do empresário e assistiu aos stories que ele gravou entregando o que fez. Pois é.
O plano de Renan era infalível – até que falhou.
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