Não importa o candidato, o Brasil estará sem governo a partir de 2027
Colapso fiscal: o nome para o apagão de investimentos públicos a partir de 2027. Projeções do governo indicam que vai faltar dinheiro para o mínimo constitucional em educação e saúde, por causa do pagamento de precatórios e de limites do arcabouço fiscal
Por Pablo Reis.
Quem vai ganhar a eleição presidencial em outubro de 2026? A pergunta do milhão é difícil até para o mais apurado vidente responder, até porque nem sabemos ainda quais serão os candidatos. Mas já dá pra definir que qualquer que seja o vencedor da eleição, ele não vai conseguir governar. Não se trata de ameaça de golpe de estado, mas de uma constatação aritmética.
Governar significa, essencialmente, tomar decisões, definir prioridades, executar políticas públicas. Mas as projeções feitas pelo próprio governo, a partir do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, apontam uma margem de manobra reduzida, de quase zero porcento do orçamento em 2029. É a inviabilização do Executivo federal, engolido pelo chamado colapso fiscal. Em outras palavras, não vai sobrar dinheiro para mais nada, nem para o que é obrigatório.
À beira de um shutdown
A história do Brasil é, em muitos momentos, escrita com tintas dramáticas. Mas talvez nenhuma tragédia nacional se desenrole com tanta discrição quanto o avanço constante e silencioso da crise fiscal. Um colapso que não ruge — apenas sufoca. Um colapso que não explode — apenas paralisa.
O PLDO de 2026, enviado ao Congresso, é mais que um documento técnico: é um aviso em letras garrafais. A projeção indica que, em 2029, as despesas livres — aquelas que permitem ao governo investir, manter estradas, financiar a cultura, inovar em políticas públicas — podem cair a praticamente zero. Isso significa que todo o orçamento estará amarrado a despesas obrigatórias, sem qualquer margem de manobra.
O governo, nesse cenário, será um gigante imobilizado. Existente, mas impotente.
Como chegamos aqui?
Há culpados demais para caber em uma CPI. A trajetória explosiva das despesas obrigatórias se deve a um emaranhado de regras, indexações e decisões políticas acumuladas ao longo dos anos:
- A vinculação constitucional do salário mínimo a benefícios previdenciários, bem como os pisos obrigatórios de saúde e educação, criam um crescimento automático e contínuo das despesas.
- A reincorporação dos precatórios ao orçamento a partir de 2027, conforme decisão do STF, injetará dezenas de bilhões em obrigações judiciais, que haviam sido parcialmente “postergadas” desde 2021.
- As emendas parlamentares impositivas crescem ano a ano, consumindo o que resta de liberdade orçamentária.
- A reforma da Previdência de 2019, embora necessária, foi tímida frente à velocidade do envelhecimento da população.
Essa equação é explosiva: crescimento automático das despesas obrigatórias versus limitação do aumento dos gastos totais. Resultado? As despesas discricionárias — as únicas que podem ser cortadas — viram pó.
A matemática do colapso
Em 2029, a previsão é que o orçamento discricionário do governo federal seja inferior ao orçamento atual do Ministério dos Transportes. Isso representa menos de 0,1% do PIB. Um número que não paga sequer a conta de luz de um Estado funcional. Essa projeção é um acúmulo de omissões e de um efetivo corte de gastos - não os truques contábeis que são apresentados para a sociedade como um artifício barato de ilusionismo.
Neste 2025, a despesa livre no orçamento é de R$221 bilhões (1,8% do PIB). Ela cai para R$ 208 bilhões em 2026 (1,5% do PIB), e segue ladeira abaixo em ritmo acelerado. Em 2027, vai ser R$122 bi (0,8% do PIB), menos de R$60 bi em 2028 (0,4%), até chegar em R$8,9 bi em 2029. Já imaginou ganhar uma Ferrari e não ter um centavo para pagar combustível e nem pagar o IPVA? Pois é isso: Não vai dar para nada.
Essa compressão não afeta apenas a burocracia de Brasília. Ela atinge a ponta: obras paradas, universidades em colapso, estradas intransitáveis, serviços públicos interrompidos. E pior: afeta a governabilidade. O nó fiscal não é apenas técnico — é profundamente político.
Qualquer tentativa de ajuste esbarra em resistências:
- Congelar o salário mínimo? Impopular.
- Revisar vinculações constitucionais da saúde e da educação? Exige PEC.
- Rever benefícios tributários? Desagrada os empresários e a sociedade em geral.
- Reformar novamente a Previdência? Toca em vespeiros poderosos.
O Congresso, fragmentado e focado em interesses paroquiais, resiste a qualquer movimento de médio prazo. A agenda fiscal se torna vítima do calendário eleitoral, da curta memória institucional e da miopia política.
Enquanto isso, a dívida cresce.
Segundo o próprio PLDO, a dívida bruta deve atingir 84,2% do PIB em 2028. Mas estimativas mais realistas, como as do BTG Pactual, apontam para 91,6% em 2027 e quase 100% em 2029, caso nada seja feito.
O déficit nominal previsto para 2025 é de 8,6% do PIB, o segundo maior entre países emergentes. A confiança dos investidores murcha. As agências de risco observam. O país dança à beira do precipício, e o chão já começa a ceder.
Ainda há tempo?
A saída não é simples, mas ela existe. E exige coragem.
Algumas medidas estruturais, embora politicamente espinhosas, são inevitáveis:
- Revisão das vinculações constitucionais, permitindo maior flexibilidade orçamentária.
- Reforma do salário mínimo como indexador, evitando o efeito cascata sobre toda a máquina pública.
- Redução de benefícios tributários, que hoje consomem mais de R$ 300 bilhões ao ano.
- Nova rodada de reforma da Previdência, mais ousada, mais técnica, menos populista.
- Corte de desperdícios e reestruturação administrativa, combatendo a ineficiência sem prejudicar os mais vulneráveis.
Também será necessário abandonar a crença de que aumentar receita é solução mágica. Sem controle das despesas, mais arrecadação apenas alimenta um monstro maior.
O Brasil precisa decidir se quer continuar sobrevivendo de remendos — como um náufrago remando com as mãos em mar revolto — ou se finalmente quer costurar um novo pacto fiscal que permita ao Estado funcionar com responsabilidade, previsibilidade e eficiência.
O colapso não é apenas técnico. É simbólico. Ele representa o esgotamento de um modelo de gestão baseado no improviso, no privilégio e na postergação do inadiável.
A pergunta não é se a crise virá. Ela já começou. A pergunta é: teremos coragem de enfrentá-la antes que a máquina pare de vez?
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