O mês mais quente da história acende um alerta para as favelas
Tá calor aí? Pois é, o último mês de julho foi o mais quente já registrado pela humanidade, de acordo com os dados do observatório europeu Copernicus. Nesse período, a temperatura média do nosso planeta superou em 0,33 grau Celsius o recorde anterior, que era de julho de 2019. Além de confirmar a sensação que todos nós já tínhamos, de que os nossos dias estão cada vez mais quentes, a notícia é preocupante por diversos motivos. Para as comunidades, há uma relação direta com a vulnerabilidade diante das chuvas.
Antes de falar especificamente sobre o impacto dessa realidade nas periferias, é importante fazer uma contextualização e explicar porque a Terra está cada vez mais quente. Há cerca de 300 anos, o começo do uso de máquinas movidas a carvão desencadeou a chamada revolução industrial. Esse foi um processo importante para a história humana, visto que provocou profundas transformações nas relações econômicas, sociais e até mesmo políticas. Só que, a partir desse fenômeno, a humanidade também passou a emitir um volume maior de gases poluentes.
Um dos gases que passou a ser emitido pelos processos industriais foi o gás carbônico, o CO2, que também é liberado por todo carro movido a gasolina, por exemplo. Na natureza, ele é responsável pelo efeito estufa, fenômeno que garante que parte do calor emitido pelo Sol seja retido pela Terra. Esse efeito é essencial para manter o nosso planeta aquecido e os ecossistemas equilibrados. No entanto, ele só é positivo em determinada medida. Com mais CO2 na atmosfera, significa que mais calor do Sol é absorvido. E é isso que tem tornado os nossos meses cada vez mais quentes.
Com o aumento da temperatura média global, estamos começando a presenciar as mudanças climáticas, eventos de natureza meteorológica que perturbam ecossistemas, ameaçam a existência de espécies e, no fim das contas, representam um risco irreversível ao nosso estilo de vida atual. Temos visto, cada vez com mais frequência, notícias a respeito de furacões, tornados, queimadas, secas… sempre são fenômenos extremos, que inclusive têm provocado mortes e forçado pessoas a deixarem o lugar em que vivem – os chamados refugiados do clima.
Para as favelas, o maior perigo associado às mudanças climáticas é a chuva, que também se torna mais frequente e mais violenta na medida em que o planeta fica mais quente. Por uma questão histórica que remete ao fim da escravidão, as comunidades periféricas no nosso país foram construídas em áreas até então pouco povoadas, de maneira desordenada, porque essa foi a única forma que muita gente encontrou para ter o próprio teto. Assim, sem o devido cuidado do Estado, essas áreas ficaram extremamente vulneráveis a qualquer evento meteorológico.
Morador de comunidade ou não, o risco das chuvas em áreas periféricas faz parte do imaginário de todo brasileiro. Enchentes e deslizamentos, infelizmente, ocorrem com frequência e fazem as pessoas perderem tudo pela água que destrói suas casas. Eu, que nasci, cresci e vivo em Campinas de Pirajá, sinto desde pequena os impactos dessa realidade cruel. Vi muitos vizinhos passando pelo drama dos alagamentos, desabamentos e soterramentos. E agora em junho, às vésperas do São João, foi o telhado do nosso Centro Cultural que ficou danificado pelos fortes ventos e chuva. No nosso caso, graças a doações, felizmente a reconstrução foi quase imediata. A maioria das famílias, no entanto, não tem como reconstruir seus lares de forma tão rápida.
Em função desses eventos, é inegável que vivemos um momento crítico da nossa história. Só que a minha ideia não é espalhar o pânico, mas conscientizar sobre um problema que deve e pode ser combatido. Cada vez mais tem se falado sobre a importância da sustentabilidade, e nós precisamos valorizar ações nesse sentido.
Aqui em Salvador, por exemplo, temos uma Secretaria de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência que é referência no país. Em 2021, eu tive a honra de ser gestora em um de seus órgãos e gostei muito das iniciativas desenvolvidas.
Não será fácil resolver o desafiador cenário imposto pelas mudanças climáticas, mas falar sobre o assunto é um primeiro passo. Nas comunidades, como os efeitos já são sentidos com frequência, precisamos de ações de curto prazo que busquem mitigar o problema, a exemplo das obras em encostas que, ainda bem, têm sido cada vez mais comuns na nossa cidade. Além disso, precisamos pensar em soluções de médio e longo prazo, que envolvam arquitetos e urbanistas, para que as regiões mais carentes ampliem a sua capacidade de proteção diante de fenômenos naturais que estão cada vez mais frequentes. Da minha parte, eu estarei à disposição para trabalhar em tudo que melhore a vida dos moradores de favelas.
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