Cidadania

Reconstrução: o ato que melhor simboliza a nossa luta

Colunista On: Isabela SousaAtivista pela redução das desigualdades e fundadora do Move Bahia
Reconstrução: o ato que melhor simboliza a nossa lutadivulgação

Na terça-feira da semana passada, o nosso Centro Cultural teve o seu telhado arrancado pela chuva e pelos fortes ventos típicos desta época do ano. Quando recebi a notícia, fiquei muito triste. É muito duro ver um espaço que foi pensado e construído com tanto carinho sendo afetado de forma tão violenta por um fenômeno climático. Além do mais, o Centro é, para a nossa comunidade, um lugar que simboliza a esperança no futuro. Ele, inclusive, já se tornou praticamente um segundo lar para as nossas crianças. Por conta disso tudo, o ocorrido me fez pensar bastante nas dificuldades que a gente enfrenta e como o ato de reconstrução é o melhor símbolo possível para a missão que temos de transformar vidas.


A vontade de melhorar a região em que vivo é algo que tenho desde pequena, quando via todas as dificuldades que meus vizinhos enfrentavam e que, à medida que fui crescendo, também passei a enfrentar. E, nesse sentido, demos um grande passo em fevereiro do ano passado, quando a comunidade se uniu para a construção e fundação do Centro Cultural. Desde então, nós já conseguimos trazer inúmeras melhorias e serviços que antes não chegavam até aqui. A cada dia que passa, mais moradores veem o nosso projeto como a semente para um amanhã mais desenvolvido, próspero e repleto de oportunidades.


No entanto, apesar do apoio e das mensagens de incentivo que sempre recebo das pessoas, não foi fácil construir e não é fácil manter o Centro Cultural funcionando. Recebemos algumas doações pontuais, incluindo a que viabilizou os reparos do nosso telhado, mas nenhuma em caráter recorrente. Isso nos demanda um esforço imenso para manter as nossas portas abertas, muito à base de recursos próprios. Mesmo assim, conseguimos oferecer aos nossos visitantes uma ótima estrutura, que não deixa nada a desejar.


Por conta disso, assim que recebi a notícia do que havia acontecido, além da tristeza que senti, tive que começar a pensar em como viabilizar a reconstrução. O Centro está em recesso até o dia 3 de julho, e eu não queria adiar o retorno das atividades. Iríamos fazer um esforço financeiro hercúleo, mas não deixaríamos o problema nos paralisar. Foi então que, para a minha felicidade, o empreendedor e filantropo Rodrigo Pipponzi me avisou que faria uma doação. Rodrigo é um amigo que tive a oportunidade de visitar em São Paulo no ano passado, ocasião em que ele se disponibilizou para contribuir conosco. E a ajuda veio na hora certa. Prontamente iniciamos o processo de reconstrução do telhado e, mesmo em período de São João, conseguimos finalizar a obra em uma semana.


Ao longo desse percurso, aquela tristeza que senti no começo foi completamente substituída por um sentimento de esperança e de contemplação de toda a nossa luta até aqui. “Não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”, escreveu certa vez o poeta espanhol Antonio Machado. Para mim, essa frase sintetiza com maestria a trajetória de todos que se dedicam a melhorar a vida das pessoas: o caminho que estamos percorrendo só é concebido na medida em que decidimos percorrê-lo, e às vezes ele irá nos pegar de surpresa com alguns desafios, mas é justamente nesses momentos que não podemos recuar e permitir que a nossa trilha seja desfeita. São acontecimentos que apenas reforçam a necessidade de seguirmos nessa missão.


Também penso no ato de reconstrução como uma grande metáfora para as pessoas que, como eu, cresceram e vivem em comunidades periféricas. As coisas nunca foram fáceis para nós, e os desafios que costumamos enfrentar diariamente exigem muita coragem e força. Reconstruir, nesse sentido, é um verbo que compõe um léxico muito presente em nossas vidas, ao lado de outros como reerguer, reparar, restaurar, renovar… todos bem comuns no nosso imaginário, e não é por acaso. A nossa rotina é um constante exercício de encarar situações que nos farão recorrer a essas palavras como possíveis soluções, a exemplo das famílias que já perderam suas coisas durante as chuvas. E é justamente para mudar essa realidade que o Centro Cultural existe. A reconstrução que tivemos que fazer apenas reforça o propósito de estarmos aqui e a transformação que pretendemos causar.


Por mais que não pareça, visto o tanto que já fizemos em cerca de um ano e meio, o Centro Cultural está no começo de sua história. Ainda iremos, com certeza, trilhar um longo caminho de conquistas, realizações e melhorias em prol da nossa comunidade. Mas também é muito possível que, ao longo do percurso, outros desafios apareçam, e nesses momentos de reconstruções é que nós precisaremos mobilizar a nossa esperança para que sigamos trilhando o caminho que se faz com o caminhar. Esse caminho que nos revela, a cada dia que passa, novas possibilidades de um amanhã melhor. Um amanhã em que as nossas reconstruções, nesse sentido, não serão mais necessárias.


*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.

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Isabela Sousa

Isabela Sousa

Ativista pela redução das desigualdades, filha mais velha de quatro irmãos e fundadora do Move Bahia. Essa é Isabela Sousa, uma jovem de Campinas de Pirajá que cresceu sentindo na pele as dificuldades de uma realidade periférica de Salvador. Hoje, é uma formanda em Direito que sonha pela igualdade de oportunidades e tem a educação como pilar das transformações que a sociedade precisa. Aos 25 anos, Isabela já foi embaixadora do movimento Mapa Educação, é Líder Estadual do Movimento Acredito e representou o Brasil no maior congresso de jovens líderes do mundo, o One Young World, em Londres.

Instagram: @isabelasousaba

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