Cidadania

O Brasil perde uma grande oportunidade de aumentar a diversidade no STF

Colunista On: Isabela SousaAtivista pela redução das desigualdades e fundadora do Move Bahia
O Brasil perde uma grande oportunidade de aumentar a diversidade no STFFábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Cada período da história humana reúne o seu próprio conjunto de valores e pautas dignas de atenção – é o que os alemães costumam chamar de zeitgeist, que pode ser rapidamente traduzido como “espírito da época”. Nesse sentido, é inegável que um dos valores mais debatidos e defendidos no nosso tempo é o da diversidade.


Aqui no Brasil, especificamente, essa é uma luta ainda mais sensível, dada a ampla gama de grupos, etnias e culturas que compõem a nossa nação. Mas parece que o nosso país vai perder a oportunidade de aumentar a representatividade em um dos seus principais espaços de poder: o Supremo Tribunal Federal (STF).


Historicamente, a participação política no Brasil tem gênero e cor: durante séculos, apenas homens brancos tinham a possibilidade de opinar e participar das tomadas de decisão – seja no Executivo, no Legislativo ou, no caso do tema desta coluna, no Judiciário. No STF, apenas três mulheres e três homens negros já ocuparam uma cadeira. E nunca uma mulher negra foi nomeada para a Suprema Corte do nosso país. Atualmente, a composição de ministros é completamente branca e com apenas 20% de mulheres.


Por se tratar do Poder mais distante da população, o Judiciário ainda é menos lembrado quando debatemos sobre a ampliação da representatividade nos espaços públicos. Outros países, no entanto, já identificaram essa necessidade e têm avançado em políticas para que o número de mulheres e pessoas negras seja maior nos tribunais nacionais. A Bélgica, por exemplo, instituiu em 2014 a obrigatoriedade de pelo menos um terço de presença feminina nas cadeiras do Tribunal Constitucional – percentual que já foi superado, visto que hoje mulheres são 41,7% entre os juízes da corte belga.


Nem precisamos ir tão longe, ao continente europeu, para identificar o tamanho do buraco em que estamos. Um braço da Organização das Nações Unidas (ONU) na América Latina é o Observatório da Igualdade de Gênero, que divulga levantamentos sobre questões de gênero na nossa região. Em gráfico publicado pelo órgão com base em dados de 2021, o Brasil apareceu com o 5° menor percentual de mulheres na Suprema Corte, com 18,2%. Ficamos atrás de vizinhos como Colômbia (21,7%), Equador (23,1%), Chile (36,8%) e Uruguai (40%). Também ficamos muito abaixo da média latino-americana, que foi de 30,4%.


Quando pensamos na questão racial, é possível traçar um paralelo com os Estados Unidos, outro país historicamente marcado por um brutal processo de escravidão e cujos resquícios ecoam até hoje. Por lá, sete pessoas não-brancas – sendo quatro negras – já foram nomeadas para a Suprema Corte. É um número baixo, sobretudo se pensarmos no total de 116 pessoas que já foram indicadas ao longo da história, mas ainda supera o Brasil, país que tem uma população negra muito maior que os EUA. No ano passado, inclusive, Ketanji Brown Jackson se tornou a primeira mulher negra a se tornar juíza da maior instância do Judiciário norte-americano, acontecimento que ainda aguardamos ver no STF.


Todas essas reflexões, cabe ressaltar, têm uma importância que não se restringem à representatividade no âmbito da imagem. Trata-se, também, de termos um Tribunal que sintetize a pluralidade do povo brasileiro e, assim, esteja mais sensível às questões que afetam grupos desfavorecidos. Não é que uma corte completamente branca não seja capaz de deliberar sobre temas raciais, por exemplo, mas nesse caso falta o componente do “conhecimento de causa” – que não é, evidentemente, um requisito obrigatório, porém é algo desejável. Com mais mulheres, negros e indígenas entre os ministros, não tenho dúvida de que teríamos um STF extremamente enriquecido em perspectivas para debates tão importantes sobre os rumos do nosso país.


Sobre os requisitos para o cargo, os dois principais são “notório saber jurídico” e “reputação ilibada”. Além de serem termos genéricos, que podem ser avaliados a partir de diferentes parâmetros, uma obviedade precisa ser dita: certamente, muitas mulheres e pessoas negras atendem esses critérios. Em 2021, uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça apontou que a presença de mulheres negras na carreira da magistratura saltou de 12% para 21% em sete anos. É um número que, evidentemente, precisa crescer ainda mais, porém já reflete o fato de que temos, hoje, uma diversidade muito maior do que no passado. Não consigo acreditar, portanto, que é tarefa difícil encontrar uma mulher e/ou pessoa negra apta a ocupar a vaga. Basta ter boa vontade.


Por fim, é válido destacar que o Brasil terá outra oportunidade, em alguns meses, de contemplar o desejo coletivo por mais representatividade no seu mais alto Tribunal. Com a aposentadoria de uma das duas ministras mulheres, Rosa Weber, o apelo pela nomeação de uma mulher tende a ser ainda maior. Caso contrário, iremos caminhar para um cenário de apenas 9% de representação feminina no STF.


Espero, de coração, que o nosso país não sofra tamanho retrocesso na busca por maior presença feminina nos espaços de poder. Estejamos de olho!


*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.

Importante: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Aratu On.

Isabela Sousa

Isabela Sousa

Ativista pela redução das desigualdades, filha mais velha de quatro irmãos e fundadora do Move Bahia. Essa é Isabela Sousa, uma jovem de Campinas de Pirajá que cresceu sentindo na pele as dificuldades de uma realidade periférica de Salvador. Hoje, é uma formanda em Direito que sonha pela igualdade de oportunidades e tem a educação como pilar das transformações que a sociedade precisa. Aos 25 anos, Isabela já foi embaixadora do movimento Mapa Educação, é Líder Estadual do Movimento Acredito e representou o Brasil no maior congresso de jovens líderes do mundo, o One Young World, em Londres.

Instagram: @isabelasousaba

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