"Qual é o problema da energia ficar 'um pouco' mais cara?"
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Esse questionamento só pode ser de alguém que esteja completamente desconexo da realidade brasileira. Muito provavelmente você já tenha se sentido fora da realidade ao estar em determinado espaço ou ao ouvir certos questionamentos como esse que trouxe no título dessa breve reflexão de hoje para os leitores(as) do AratuOn.
Acredito que se sentir deslocado da realidade não seja uma sensação incomum. Em alguns momentos do cotidiano é natural percebermos que determinadas falas ou práticas de terceiros não se encaixam muito bem no que estamos acostumados a vivenciar e acabamos ficando meio perdidos. Muitas vezes essas situações ocorrem ao ouvir discursos políticos, em rodas de conversas com amigos e colegas de trabalho ou até mesmo entre familiares.
Ultimamente, tenho tido essa sensação com frequência ao ouvir certas afirmações e alegações de membros do governo federal. São falas que beiram tanto a surrealidade que me pergunto se não é a minha percepção do Brasil que está incompatível com o que tem sido dito. Porém, em um breve momento olhando a realidade à minha volta, percebo o quão desconexas são as falas que questionam “qual é o problema da energia ficar um pouco mais cara” ou que afirmam que “a gasolina e o gás estão baratos”.
Esses são só dois exemplos recentes de falas ditas pelo Ministro da Economia e Presidente da República, respectivamente, que trazem reflexões e questionamentos sobre o que é real ou pura fantasia perversa. Para mim, que nasci e cresci vivendo a dura realidade de uma periferia em Salvador, sei o quanto cada centavo importa e o quanto cada aumento nos preços dos alimentos e outros tipos de produtos impactam severamente no bolso da população brasileira.
Vivemos em um país de histórica desigualdade social. Contendo, atualmente, cerca de 116 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar e 19 milhões passando fome, segundo pesquisa feita em dezembro de 2020 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Para grande parcela da população, as dificuldades são sentidas a cada passo ou a cada impossibilidade de avançar diante de absurdas restrições.
Acredito que grande parte daqueles que não vivenciam essas adversidades, conseguem perceber um cenário difícil através do noticiário dos jornais ou simplesmente ao andar pelas ruas de grandes e pequenas cidades brasileiras. Entretanto, parece que, para os principais responsáveis em propor alternativas que podem alterar essa realidade, existe uma total cegueira ou insensibilidade com essa situação que os brasileiros(as) estão vivenciando.
Me corta o coração ler no noticiário o relato de uma senhora aposentada contando que vai “ao açougue pedir 'pelanquinhas’ para comer”. Esse é o maior retrato de um país que passa por um profundo cenário de volta da fome e que gestores do mais alto escalão da República fazem discursos completamente desconexos com a realidade.
Não é de hoje, por exemplo, que especialistas de setores energéticos vêm alertando sobre a crise hídrica e a necessidade do governo ter aplicado medidas no início do ano para conter esse quadro de possíveis apagões e alta dos preços na conta de luz.
Além da falta de capacidade para apresentar antecipadamente saídas viáveis desse cenário, falta sensibilidade da gestão para não realizar falas tão distantes do que os brasileiros (as) estão passando neste momento. Na verdade, falta um diploma de realidade e competência para muitos dos membros deste governo. Todo Brasileiro merece muito mais do que discursos superficiais de que “não há problema em pagar mais”, “está tudo bem” ou de que nada pode ser feito diante desse contexto de crises.
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.