Filmes e séries

Divertido, mas profundo! Barbie supera expectativas através do olhar intenso de Greta Gerwig

Colunista On: Enoe Lopes PontesPesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries
Divertido, mas profundo! Barbie supera expectativas através do olhar intenso de Greta Gerwig

Referências clássicas do audiovisual, discurso político equilibrado e afiado, composição técnica elaborada. Estas são as características principais que resumem bem Barbie, o novo filme da Greta Gerwig - e, talvez, a produção mais esperada do ano. De 2001 - uma Odisséia no espaço até Matrix, Gerwig mostra que se utiliza do cinema cânone para fomentar o seu argumento de forma verbal e imagética.


É através destas menções estéticas que a diretora estabelece o laço de familiaridade com o público e consegue conectá-lo com a história que está sendo contada e com a sua protagonista, que dá nome ao título. Este elemento de proximidade também se dá pela estrutura redonda do roteiro - escrito por Gerwig, ao lado de Noah Baumbach.


Há uma preocupação em ambientar o espectador no universo da Barbilândia para, depois, desvirtuar ele. Esta estratégia cria suspensão, podendo evocar sensações múltiplas em quem assiste, como raiva, frustração, empolgação e torcida. Neste sentido, um dos maiores acertos do longa-metragem é a utilização da figura do Ken (Ryan Gosling) para a representação do patriarcado.


Afastando-se de um maniqueísmo, mas com uma argumentação bastante nítida, os males da humanidade, destes e de todos os tempos, são explicados. Contudo, isto não é feito de forma individualizante, como se os “Kens” do mundo fossem o real problema da humanidade.


O que fica posto durante a projeção é como a sociedade patriarcal branca aprisiona as pessoas e subverte a lógica da felicidade eterna e espontânea. No entanto, é preciso salientar que Barbie não chega como um longa panfletário. Apesar desta característica, não é exatamente ruim e deve ser analisada caso a caso, aqui, não seria inteligente realizar tal ação.


É por isso que se faz necessário repetir nesta crítica quanto Greta é perspicaz ao utilizar símbolos opressores, vindos da lógica do homem branco hétero cis – seja na obrigatoriedade de devoção e adoração para clássicos cinematográficos que os movem até no estereótipo da loira burra ou na rejeição da velhice da mulher – para usar cada uma destas questões ao seu favor.


O que pode fazer toda esta lógica realmente funcionar, no que ela parece desejar fazer, é que todo este conteúdo forte, político e um tanto rebelde, é diluído nas gags, no colorido vibrante, na própria imagem “barbienesca” da Margot Robbie. São nas risadas (soltas ou constrangidas) que as reflexões são provocadas e ecoam pela sala de cinema.


Ao mesmo tempo, o longa também conta com outras qualidades, que elevam a sua potencialidade. A começar pelas atuações. O elenco está bastante entregue e conta com uma fé cênica forte, o que é importante, porque revela a confiança no projeto e pouco medo do ridículo. Para que este tipo de mundo ficcional exagerado funcione, é preciso que os atores acreditem no seu texto e no trabalho que estão fazendo.


Com isto posto, Margot Robbie é, de fato, o destaque de interpretação. A sua Barbie possui uma construção complexa, com uma junção de diversas emoções no corpo e no olhar, a cada frame. Robbie, que já apresenta o talento em deixar falas esdrúxulas orgânicas – vide seus diálogos em O Lobo de Wall Street ou Esquadrão Suicida –, repete esta habilidade em Barbie, pois deixa seus diálogos fluidos.


Além disso, ela vai além de compor os trejeitos da boneca mais icônica do planeta. Ela o faz, porém também confere humanidade para a sua personagem. Dentro deste contexto de tantos pontos positivos, duas falhas são cometidas, que reduzem um pouco a qualidade do resultado geral de Barbie.


A primeira coisa é a relação de Sasha (Ariana Greenblatt) e Gloria (America Ferrera). As duas entram como representações femininas da vida real. A premissa em si é boa, mas os storylines delas acabam sobrando. Com tanto a ser mostrado e contado, não há tempo suficiente para explorar o relacionamento da dupla, que faz mãe (America) e filha (Ariana) em cena.


Além disso, a própria escrita das personagens é fraca, deixando que os propósitos, desejos e pensamentos delas sejam rasos e dispersos. Este problema é mais forte para Gloria, já que ela é o fio condutor de todo o enlace e desenlace da trama. Já o outro incômodo é a aparição exagerada do Ken principal (Gosling).


Na sequência musical da praia, na qual ele canta sobre a guerra e as suas frustrações, a cena prossegue para um momento “Travolta em Grease” e quem assiste pode se perguntar quando a Barbie será centro das atenções na narrativa novamente. Ken – assim como a maioria dos seres humanos que são como ele – é cansativo e bobo.


Ele cumpre uma determinada função dentro do enredo e o faz bem, no contexto total. Mas, o tempo de tela dele poderia ser reduzido e, de repente, haveria mais espaço para Gloria e Sasha, por exemplo. Ainda assim, Barbie é uma experiência especial, para quem ama cinema, para quem ama a Barbie, para quem ama se divertir e sonhar com um mundo melhor.


Aqui, Greta Gerwig quase consegue burlar o sistema. Ela só não o faz, porque ele, o sistema, está bem ciente de tudo que está acontecendo, inclusive, com o que dá lucro ou não, na contemporaneidade. Como é dito durante a projeção, o patriarcado continua existindo, só sabe disfarçar melhor hoje em dia.


Pelo menos, em 2023, há a chance de rir largamente deste patriarcado controlador através da arte, das cores, do glitter, de uma chuva cor-de-rosa e dos sorrisos que as mulheres que se identificarem com o filme estarão no rosto ao final da exibição!


https://youtu.be/Ujs1Ud7k49M

*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.

Importante: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Aratu On.

Enoe Lopes Pontes

Enoe Lopes Pontes

Doutoranda e mestre em Comunicação, formada em Artes Cênicas e em Comunicação Social, Enoe Lopes Pontes é pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries. É membro da ABRACCINE e do Coletivo Elviras. Cinéfila desde os 6 anos, sempre procurou estar atenta para todo tipo de produção, independentemente do gênero, classificação ou fama. Do cult ao pipoca, busca observar as projeções com cuidado e sensibilidade. Filmes preferidos: Hiroshima Mon Amour e Possession.

Enoe integra a equipe do Coisas de Cinéfilo, como crítica.

Instagram: @enoelp

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