A stalker é a vilã? Bebê Rena investiga as complexidades humanas, mostrando que as aparências (geralmente) enganam
Quais são os limites da sanidade, da autocomiseração, do medo, dos conflitos internos que extrapolam para o externo, das inseguranças, que levam para caminhos sombrios? É possível prever ou parar ciclos viciosos de violência (quaisquer que seja ela)? Bebê Rena é uma minissérie da Netflix que, dentro de múltiplas camadas narrativas, trata sobre todas estas questões. É curioso observar a estratégia de roteiro, que engancha o espectador pela repulsa por Martha (Jessica Gunning), a típica stalker de filmes de suspense, que traz o fenótipo que a sociedade, doente por um padrão de beleza cruel, rejeita.
É inteligente segurar o público a partir desta perseguição de Martha com Donny – Richard Gadd, também criador do seriado, que é baseado em suas próprias experiências. Mas, a obra é mais do que isso, não é mesmo? Presos na dinâmica de tentar descobrir quem é mais vil, quem está errado, Donny ou Martha, quem alimenta o quê, quem seduz, quem ultrapassa mais as linhas tênues das relações sociais, a plateia recebe um soco no estômago, em formato de plot twist.
Sem dar spoilers, é possível dizer que a subversão da aparente premissa da produção, além de ser bem posicionada em relação à trama geral, provoca reflexões profundas, que fazem com que a história se torne cada vez mais interessante, à medida em que o enredo avança. Um dos pontos que pode rondar a mente DAS consumidoras é o fato de que o choque (maior) com o que acontece com Donny vem do fato dele ser homem.
A credibilidade do protagonista também parece vir desse lugar, no qual o rapaz possui, teoricamente, talento, migalhas de gestos generosos e certa coragem ao se expor para o mundo. Ao mesmo tempo, é necessário afirmar que a história não exime Donny de falhas – de caráter, principalmente. Ao humanizar a personagem principal, torna-se mais fácil de se estabelecer uma conexão com ele.
E todos estes elementos estão presentes na série através da tríade principal – no sentido de mais captável pela audiência geral –, sendo ela: atuação, escrita e direção. O elenco constrói com detalhes e organicidade as características daquelas personas. Apesar dos coadjuvantes ganharem menos desenvolvimento do que as figuras de Donny e Martha, é notável o esforço dos intérpretes para conferirem este tom profundo em suas construções de papel.
As pausas aqui desenham intenções textuais não verbais, fomentando a força das ações dramáticas dos indivíduos no ecrã. A composição da decupagem, com o trabalho da fotografia, amplia a sensação de angústia constante vivida por Donny, que se sente incapaz e frágil diante das intempéries que surgem em sua trajetória como comediante. As temperaturas terrosas, mescladas com vermelhos e azuis intensos, que surgem em momentos cruciais para a história, elevam a potencialidade das sensações.
Há algo de sinestésico e elétrico nas imagens colocadas na tela. Esta característica é progressiva e acaba criando uma imersão maior com o que é mostrado em cena. As emoções de Donny, e o seu olhar para o seu entorno ficam, impressos através das movimentações de câmera, do enquadramentos e das cores, que alertam, apaziguam ou tensionam o espectador. No entanto, pensando nesta veia cômica de Richard Gadd, falta um tanto de equilíbrio narrativo aqui.
O peso das violências que Donny vive e causa, bem como o sufocamento com a presença de Martha ou do agressor de Donny, ralentam a fruição. Respiros seriam precisos para criar uma equalização da obra. Ainda assim, Bebê Rena é uma escolha certeira para uma maratona. Com 07 episódios e uma construção de jornada do “herói” não convencional, o mergulho nas emoções humanas e no traquejo social, o absurdo que é viver em sociedade é mostrado
Entre expor os privilegiados que abusam do poder versus rejeitados que lutam por alguma atenção, a minissérie vem como um engasgo, sendo ela: dolorosa, intensa e que deixa um incômodo mesmo depois que já passou.
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On