Pssica corre para causar impacto, mas cansa por não saber equilibrar o seu tom
Há muita confusão, dentro e fora do audiovisual, em relação ao que é ritmo*. Por algum motivo, ficou preso no imaginário social que aceleração seria sinônimo de ritmicidade. Essa ideia está acorrentada à narrativa de Pssica, nova série brasileira da Netflix. Em uma correria intensa, a trama se esgarça e a estratégia da velocidade intensa vai perdendo seu efeito, deixando cansaço.
Porque é justamente o equilíbrio de tons que cria uma dinâmica rítmica, o que, definitivamente, não é algo que existe em Pssica. A denúncia ao tráfico de mulheres e menores de idade é necessária, mas o audiovisual é também linguagem e, por isso, precisamos olhar para como a história é contada. Essa aceleração da montagem e dos próprios acontecimentos dramatúrgicos não se sustenta.
Além da exaustão em acompanhar essa velocidade intensa, a produção erra ao apostar apenas na tentativa de atingir o sensorial e esquece do desenvolvimento da trama. As personagens são planas e maniqueístas. Até mesmo a protagonista carece de profundidade. Quais são os sonhos e desejos de Janalice (Domithila Cattete)? Além de correr e fugir dos bandidos e sequestradores, quais são as motivações da menina?
Nessa dinâmica, falta ir mais além na investigação das figuras dramáticas da história, para envolver o público que busca mais do que o superficial da aceleração — algo tão comum em obras da Netflix. Em uma linguagem popular, poderia se dizer que essa série é “uma pilha da zorra”. Mas essa ausência de talento no trabalho de roteiro acaba sendo compensada pela inteligência do elenco.
Ainda que os atores do seriado não sejam muito carismáticos, eles conseguem jogar em cena. Através de olhares, respiração e deslocamentos conscientes, não há desperdício de intenção aqui. Essa qualidade do elenco fomenta um pouco mais da conexão de quem assiste com a história. Dentro desse grupo, o destaque maior fica para Marleyda Soto (Mariangel).
Com cuidado com a progressão, ela vai revelando as camadas de sua personagem por meio da atuação — algo que não está presente no roteiro. Através de gestos e olhares contidos, sua Mariangel vai ganhando expansão física à medida que a trama avança. Dessa maneira, o seu subplot ganha contornos.
É bem verdade que os roteiristas tentaram mais com Mariangel do que com as outras personagens. Ela tem um passado difícil, que reflete em seu presente e em suas ações. A única questão é que a sua problemática não sai dos flashbacks e não interfere diretamente no que ocorre com a narrativa. Dentro dessa dinâmica, essa sensação de repetição, que está presente no enredo, também ocorre com os recursos visuais.
O uso dos efeitos de câmera e dos filtros de lente é feito sem estratégia. Eles não parecem estar a serviço da narrativa, mas apenas para causar uma sensação superficial e enganchar o espectador mais ingênuo. Em termos de discurso, algumas pessoas podem se sentir incomodadas também. Há uma questão racial pulsante na discussão de Pssica. O fato de Janalice ser branca é citado com exaustão na história.
O preconceito das personagens é trazido como uma pauta, que é interessante de ser convocada. Mas o problema é que a série parece se afinar com o pensamento criticado na obra, ainda que de forma inconsciente. Essa menina branca sequestrada é diferente de todas. A ausência de agenciamento por parte das outras garotas, negras e indígenas, acaba por finalizar o desgosto em acompanhar a produção.
Assim, Pssica começa bem, com debates cruciais para a sociedade, uma intensidade narrativa com sua aceleração e uma visualidade provocativa com filtros e efeitos de câmera. Mas, a cada episódio, essa estrutura se torna cansativa e falta desenvolvimento, reflexão e aprofundamento, tanto em termos de linguagem quanto de discurso.
Veja trailer de Pssica:
*Recomendo a leitura do livro Ritmo e dinâmica no espetáculo teatral, da professora Dra. Jacyan Castilho.
Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.
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