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Estrela de 'O Beijo da Mulher Aranha', Tonatiuh revela detalhes da produção

Enoe Lopes Pontes
Colunista On: Enoe Lopes PontesPesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries
Estrela de 'O Beijo da Mulher Aranha', Tonatiuh revela detalhes da produção

A nova versão de O Beijo da Mulher Aranha abriu a 40ª edição do Festival Internacional de Cine de Mar del Plata. Protagonista do longa-metragem, Tonatiuh, esteve presente no evento argentino e concedeu entrevista exclusiva à Enoe Lopes Pontes, crítica de séries e filmes e colunista do Aratu On.

Em uma sala do misterioso e tradicional Hotel Provincial, Tonatiuh contou sobre suas inspirações para o papel de Molina, como enxerga a história e a dinâmica do set de filmagem do longa-metragem de Bill Condon (Dreamgirls: Em busca de um sonho).

Indentificando-se dentro do gênero queer, Tonatiuh - que foi batizade em homenagem ao deus Azteca homônimo, conhecido como “O Quinto Sol” - relata como precisou aprender novas habilidades para seu papel. Durante os almoços, por exemplo, fazia crochê e colocava-se sempre disponível para novos conhecimentos durante a gravação. Como a sua personagem tem adoração por uma atriz famosa, interpretada por Jennifer Lopez, Tonatiuh afirma que passou a observar JLo, pensando em seus gestos e expressões faciais.

Neste clima de total disposição, também existia, de acordo com elu, o fato do filme ser rodado em uma dinâmica intensa, com seis a onze páginas de roteiros filmadas por dia. Por uma questão de orçamento, era necessário que as sequências fossem extremamente precisas. “Nós filmávamos e ensaiávamos aos finais de semana, para pré-planejar tudo, porque tínhamos um tempo tão curto para conseguir alcançar a missão”, explica Tonatiuh.

Contando cada detalhe de sua trajetória como Molina, seus sentimentos e visões políticas e artísticas, elu relata como enxerga as camadas plurais dentro da narrativa e em cada figura dramática da história. Em uma entrevista divertida, inteligente e poliglota (sim, idiomas foram misturados por aqui*), Tonatiuh falou sobre sua carreira, seu processo criativo e o que pensa sobre a sua personagem. 

Confira a entrevista completa:

Enoe Lopes Pontes (ELP) – Há uma construção muito única desse personagem, que é uma mistura. Quando você faz a parte de fantasia, é como se o personagem fosse mais suave. Embora as pessoas o vejam de forma normativa como forte.

Tonatiuh – Porque ele é masculino. 

ELP – Sim, masculino! E quando é o mundo real, nós vemos supostamente frágil, mas ele é tão forte. E como você fez isso quando você estava construindo esses personagens? Porque eles são iguais, mas também tão diferentes.

T – Ok, eu te amo, primeiro de tudo (risos). Então, é muito interessante que você lembrou isso, porque Molina é muito complicade, certo? E eu queria fazer Molina complicade. Minha primeira missão era criar uma pessoa que fosse sem gênero. Elu poderia ser masculine, feminine... quem se importa? Mas, mentalmente, Valentín é um pensador progressista, já Molina é conservadore. Molina mora em um mundo em que elu acredita no gênero binário. Então, eu acho que a justaposição de todas essas coisas é super importante.

ELP –  Entendo.

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T – Agora, para a sua pergunta original. Como eu fiz Molina forte e Kendall, certo? Internamente, eu acho que isso é parte do meu privilégio. Eu nasci em 1993, mas eu nasci em uma época em que eu odiava, pessoalmente, ser diminuído. Então, eu sempre lutei de volta. E eu acho que essa energia veio para Molina. Mas, Molina não pode realmente lutar de volta, mas pode ser mais esperte e ganhar assim.

ELP – Sim.

T – E Kendall, conversamente, mora em um mundo de vergonha. Então, eu pensei a mim mesmo, que ator daquela época, dos anos 1950, mais ou menos, do cinema clássico, morava com toda essa dor? Montgomery Clift! 

ELP – Eu estava em dúvida se você ia dizer Montgomery Clift ou William Holden. 

T – Poderiam ser ambos, mas para mim, Montgomery Clift viveu essa vida torturada e se Molina não estivesse dentro desse filme, quem seria Kendall? Kendall estaria em um triângulo amoroso com Armando e Amora. Então a música She's a Woman é sobre querer que ela o pegue, é a música de amor dele para ela. Mas porque nesse filme, Molina entrou nesse filme, então muda a dinâmica de querer possuí-la ou ser ela. 

ELP – Você e o Diego têm muitas cenas de intimidade, mas é construído muito lentamente…

T – E você não prevê isso…

ELP – Você não prevê! E é construído progressivamente. Então, como foi esse processo de construção? Há o processo com o Diego, mas também os movimentos, os gestos, a prisão... E há muitos movimentos, dentro da construção da mise-en-scène. Então você constrói progressivamente essa intimidade. Vocês estão tão separados no começo, e essa intimidade é também física. E, claro, eles são namorades. Então, como foi isso com ele e com você? 

T – Oh, muitas perguntas (risos).

ELP – Desculpa!

T – Não, não se desculpe. Eu amo isso. Eu dediquei a minha vida inteira a isso. Para começar, eu vou focar apenas na sala. Na prisão, nós começamos fazendo uma leitura regular, como você faz em qualquer espaço de teatro. Por uma semana, nós sentamos na mesa, o Bill, o Diego e eu. E tivemos uma conversa para entender as nuances de uma pessoa que estava vivendo na Argentina durante os anos 1980, sem os anacronismos de 2025, que nós temos de teoria de gênero queer, certo?

ELP –  Sim, claro.

T – Mas depois, nós filmamos o filme em ordem, o que é muito raro. Então, a primeira vez que Tonatiuh e Diego Luna viram um ao outro no personagem, foi a primeira vez que Molina e Valentín viram um ao outro no salão. Então, foi um processo muito difícil. Além disso, nós somos um grande filme com um orçamento pequeno, certo? Então, nós filmamos de 6 a 11 páginas todos os dias. 

ELP – Uau, sim.

T – Então, foi realmente interessante porque nós fomos, como atores, nós estávamos construindo a química entre os personagens, cada cena por cena, porque nós estávamos fazendo isso em ordem, para que nós pudéssemos lembrar exatamente o que aconteceu. E nós filmávamos, e nós fazíamos ensaios no fim de semana, para pré-planejar tudo, porque nós tínhamos um tempo tão curto para conseguir alcançar a missão. Nós íamos ao set antes que o sol saísse e deixávamos o set após o sol descer. Então, foi uma mistura interessante de todas essas coisas que realmente aconteceram. 

ELP – Outra pergunta é sobre esse mundo fantasioso que entra lentamente no mundo real e a presença de Aurora vai crescendo em cada cena. Então, como foi esse trabalho com a Jennifer (Lopez)?

T – A Aurora  é o diário de Molina. Você está olhando para a psique delu, porque nós não sabemos se o que Molina está nos contando é mesmo a verdade. 

ELP – Sim, claro, pode ser totalmente um filme de “mentirinha”. 

T – Claro! E, em alguns pontos, elu começa a confessar que não há nada mais terrível do que duas pessoas que estão amando e que não podem dizer que estão amando. Mas isso é uma confissão. E Kendall Nesbitt é o lado escuro de Molina, porque Molina é uma boa pessoa. E então ele se sacrifica por ela, o que também paralisa o sacrifício que Molina faz por Valentín, porque eles fazem isso por amor.

ELP – Sim, essa questão tem tudo a ver com as personagens.

T – E foi meu trabalho como ator estudar a Jennifer e estudar como ela se movia e onde estava o cabelo dela e onde ela estava. Quando ela cruzou os pés dela e quando pegou a mão dela, como foi? Porque é o meu filme favorito. Então, eu precisava saber todos esses detalhes. Porque ela é minha heroína. 

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ELP –  Você disse para mim, o que Molina fez para o Valentim foi por amor. Porque eu tinha essa dúvida. Elu** não é uma pessoa política.

T – Molina não é…

ELP – Sim, eu me referia à Molina. Eu tenho uma pergunta agora! Qual é o seu… 

T – Gênero?

ELP – Sim!

T – Meu ou de Molina?

ELP – Seu e de Molina!

T – Eu odeio ser rotulade como qualquer coisa, porque eu penso que tudo isso é uma grande piada. Se alguém usar o pronome “ela” comigo, eu vou achar engraçado. Quem se importa? Mas, isso sou eu, eu sou gênero queer e não não-binário. Eu sou tudo e não nada. Molina é mais complicado. Porque tem 2025 e tem 1980.

ELP – Exatamente! Essa é a minha grande questão.

T – E tem muita nuance lá. Eu acho que a Molina ama o glamour. Eu acho que a Molina ama a beleza. Eu acho que Molina está conectade com a energia espiritual que é a feminilidade. E quer ser mais como isso. Mas para mim, eu acho que Molina é uma pessoa de dois espíritos. Eu acho que naquela época, Molina, provavelmente usaria “el” e “lo” (ele e dele), mas só porque seria algo que as pessoas estavam vendo.

ELP - E eu não acho que elu se importaria. 

T – Molina veria como uma piada! Eu acho que existe uma cultura dentro da comunidade Queer, na qual as pessoas brincam com os pronomes. 

ELP – É, eu digo que estava pensando nisso, porque tem uma cena que é, para mim…

T – Quando Valetín diz “Você é um homem!”

ELP – Sim! E eu sou lésbica, então, esse tipo de discurso sempre chega complicado para mim. Mas, depois, a gente vai vendo que há mais elementos nessa conversa do que essa fala específica, que mostram que o problema está em Valentín, na verdade. Ele quer ser um “macho”.

T – Valentín é progressista dentro de sua própria experiência de vida. Ele não quer esse tipo de macho que bate em uma mulher ou controla ela. Ele está ok com mulheres que trabalham. É até onde o feminismo dele vai! Então, quando ele diz: “você não é um monstro” é a primeira vez que alguém reconhece que a queeridade de Molina não é um problema. Mas, quando ele diz : “você é um homem”, isso lembra a Molina das consequências da sua apresentação à expectativa de seu gênero. Então isso dói. 

ELP –  E a última pergunta é como foi o processo de construção da sequência da morte de Molina?

T –  É sobre estar presente. Eu acho que o maior exercício não é viver no futuro, não é viver no passado. Você só tem que estar presente. E isso para os humanos é muito difícil. É uma prática meditativa. Atuar. Molina nunca pensou em seu coração que elus se apaixonariam. 

ELP – Sim!

T – Então o que acontece? Elu começa a ter sentimentos por essa pessoa, mas mostra o amor como? Quem já mostrou amor por Molina antes? Sua mãe. É por isso que elu está tão desesperado para voltar à sua mãe. Então, nós mudamos o cabelo para representar uma mãe. E então se tornou o amor de uma pessoa protetora. E uma valentia para defendê-lo com força. E então se transforma em algo sexual. Isso não foi iniciado por Molina. Foi iniciado por Valentim. Depois de mostrar o coração dele. E então nós entramos em um território de amor que Molina nunca começou a experimentar.

ELP – Entendi.

T – E eu faço escolhas conscientes de começar a comer comida de novo. Para que eu possa ficar com um pouco mais de peso e  meu rosto pareça mais romântico. E nós mudamos os tons da minha maquiagem, para que você possa sentir o calor. E a linha é a coisa sobre ser feliz é que você pensa que você nunca vai ser feliz de novo. E BAM! Acabou. Tudo foi.

E então, nesse momento em que elu cai, elu não deveria morrer. Elu ia conseguir. Molina fez ser impossível. Porque, se eles morrem, “Valentín morre. Se eu morrer, Valentín vive. Então, está tudo bem, eu estou bem” e elu morre.

*Muito (ou quase tudo) foi perdido da mistura de idiomas, mas, vale a pena imaginar inglês, espanhol e umas pitadas de português em uma mesma conversa.

**Em inglês utilizamos o they, no gênero neutro, que quer dizer “eles”, em português.

'O Beijo da Mulher Aranha'

Clássico de 1985, a nova versão do clássico "O Beijo da Mulher Aranha" estreou em outubro de 2025, mas só deve chegar aos cinemas brasileiros no dia 15 de janeiro de 2026. 

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Enoe Lopes Pontes

Enoe Lopes Pontes

Doutora e mestre em Comunicação, formada em Artes Cênicas e em Comunicação Social, Enoe Lopes Pontes é pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries. É membro da ABRACCINE e do Coletivo Elviras. Cinéfila desde os 6 anos, sempre procurou estar atenta a todo tipo de produção, independentemente do gênero, classificação ou fama. Do culto ao pipoca, busca observar as projeções com cuidado e sensibilidade. Filmes preferidos: Hiroshima Mon Amour e Possession.

Enoe integra a equipe do Coisas de Cinéfilo , como crítica.

Instagram: @enoelp

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