Filmes e séries

Thriller 'Os Desobedientes' expõe uso de conflitos juvenis por conservadores

Enoe Lopes Pontes
Colunista On: Enoe Lopes PontesPesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries
Personagem da série 'Os Desobedientes', da NetflixDivulgação/Netflix

Mae Martin é uma artista que procura imprimir suas experiências nas produções que cria, a partir da universalização desses sentimentos, através das relações interpessoais de suas personagens. Foi assim em Feel Good e permaneceu assim em "Os Desobedientes", novo thriller da Netflix. Baseando-se na história de uma amiga pessoal, Mae constrói um mundo de mistérios e repressões e consegue criar uma série viciante, sem perder o foco da discussão social.

De fato, acompanhar e compreender o que se passa na fictícia cidade de Tall Pines e traçar paralelos entre o que foi inventado pela equipe e o que Nicole, melhor amiga de Mae, realmente passou amplia essa dimensão de conexão com aquela ficção. A reflexão de como lugares de reabilitação de adolescentes, que se transformam em cultos, não apenas angustia e eleva a tensão da narrativa, como fomenta a revolta em relação à cultura dos Estados Unidos.

Nesse sentido, a produção é eficaz em entregar essa ambientação típica do “American Dream”, no qual todos podem fazer parte de uma dada comunidade, ganhar dinheiro e criar laços sentimentais – ninguém disse laços saudáveis, ok? –, contanto que as regras da região sejam cumpridas. E, nesses limites entre absurdo e palpável, o roteiro desenvolve suas personagens.

É curioso observar como não existe planificação nas figuras dramáticas aqui, nem mesmo nas mais coadjuvantes. Todos ali parecem ter um background criado, o que ajuda no entendimento das motivações de cada um. Consequentemente, as ações da trama soam mais lógicas, mais profundas e intrigantes. Assim, a sensação é de que todos têm muito a perder e não é possível confiar na história de nenhuma personagem.

Nesse sentido, as temperaturas claras e escuras se sobrepõem e dão o tom de cada sequência. Momentos com luz intensa são de intimidade e conexão de amor – romântico, de amizade etc. – e o escuro de frieza, medo e perigo. Progressivamente, a luz vai se esvaindo, juntamente com a esperança dos jovens retratados no enredo. No entanto, essa estratégia não é linear e as idas e vindas das luzes ajudam nessa dinâmica de medo, misturada com esperança e surpresa.

Os planos mais abertos, com grandes paisagens verdes, também brincam com as expectativas do público. Existem esses adolescentes, sozinhos, com questões psicológicas, mas abandonados por seus responsáveis, e toda a imensidão de Tall Pines é vista nos quadros gerais. Essa escolha da direção faz com que exista uma construção de sentido que revela como aqueles menores de idade, que já seriam indivíduos vulneráveis por suas idades, estão ainda mais em risco e sozinhos.

Já a antagonista, Evelyn Wade (Toni Collette), é quem controla tudo e todos; por isso, seu rosto está diversas vezes centralizado e com enquadramentos fechados. A opressão convocada por Evelyn é transmitida em uma decupagem que imprime em sua imagem a solidão dos jovens versus a clausura e o controle do Instituto Tall Pines Academy. A atuação de Collette contribui com essa sensação.

A mudança repentina de suavidade na voz e nas expressões faciais para dureza e ironia ajuda o espectador a entender a periculosidade vivida por aquelas meninas e meninos. O risco é alto e os movimentos e o colorido do texto de Toni Collette precisam ser calculados para que essa dualidade de suas emoções transpareça em um nível maior. Além disso, a dinâmica de todo elenco, que se permite jogar na contracena, faz com que o universo “absurdista” do seriado se torne não apenas crível como amedrontador.

Mas toda essa estrutura se perde um pouco a partir da metade da temporada. A obra não chega a ficar exatamente ruim, porém a qualidade do começo passa a se diluir. A quantidade de subplots e reviravoltas faz com que alguns propósitos das personagens e suas ações pareçam perdidos. Além disso, os três últimos episódios da temporada são cansativos e sem respiros.

A grande questão da qualidade inicial de Os Desobedientes é a mistura de tensão com momentos de alegria e tranquilidade. No entanto, ainda assim, a série possui discussões relevantes sobre juventude, com uma estética um tanto apurada e a serviço da narrativa. Talvez ela fique, aos poucos, cansativa de acompanhar, mas vale a pena para ver o destino de cada envolvido nas loucuras e crimes de Tall Pines.

*subtramas

*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On

Siga a gente no InstaFacebookBluesky e X. Envie denúncia ou sugestão de pauta para (71) 99940 – 7440 (WhatsApp).

Comentários

Importante: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Aratu On.

Enoe Lopes Pontes

Enoe Lopes Pontes

Doutora e mestre em Comunicação, formada em Artes Cênicas e em Comunicação Social, Enoe Lopes Pontes é pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries. É membro da ABRACCINE e do Coletivo Elviras. Cinéfila desde os 6 anos, sempre procurou estar atenta a todo tipo de produção, independentemente do gênero, classificação ou fama. Do culto ao pipoca, busca observar as projeções com cuidado e sensibilidade. Filmes preferidos: Hiroshima Mon Amour e Possession.

Enoe integra a equipe do Coisas de Cinéfilo , como crítica.

Instagram: @enoelp

Ver mais > >

Relacionadas

Nós utilizamos cookies para aprimorar e personalizar a sua experiência em nosso site. Ao continuar navegando, você concorda em contribuir para os dados estatísticos de melhoria. Conheça nossa Política de Privacidade e consulte nossa Política de Cookies.