Filmes e séries

Insana, intensa e surrealmente boa, Treta é uma das melhores produções já feitas pela Netflix

Colunista On: Enoe Lopes PontesPesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries
Insana, intensa e surrealmente boa, Treta é uma das melhores produções já feitas pela NetflixDivulgação/Netflix
Criada por Lee Sung Jin (Girlboss), Treta é um hit das premiações estadunidenses, vencendo diversos troféus em eventos como Critic 's Choice Awards, Emmy e Globo de Ouro. O reconhecimento através dos prêmios pode gerar uma curiosidade no público, que gosta de estar por dentro das produções mais badaladas nacionais e internacionais. Mas, o sucesso da Award Season vale mesmo a pena ou seria somente um hype vazio?
Comumente, acontece das pessoas decidirem encarar uma maratona cheias de expectativas, mas se frustrar com o que encontram. Mas, este não é o caso! Pelo contrário! Com um elenco afiado, que joga entre si, um roteiro surpreendente e uma direção consciente, Treta engancha o público com suas reviravoltas e carisma dos intérpretes. Há uma progressão no seriado, que deixa a sessão mais prazerosa e que, por este motivo, entretém mais.
Iniciando a história com uma briga boba entre os protagonistas Amy e Danny (Ali Wong e Steven Yeun, respectivamente), é instigante observar como o caos vai, lentamente, se instalando na trama. A cada ação de Amy e Danny, o emaranhado de tretas se alastra e o público pode até pensar que a obra irá se perder, com tantas bifurcações dentro da narrativa. Mas, há uma condução do enredo que conecta todos os enlaces, fazendo com que a minissérie se torne redonda.
Seja pela morte de algumas personagens, pela resolução do ódio de Amy e Danny, da reconstrução ou perda de algumas amizades, em seu desfecho, Treta não tem pontas soltas. Isto é um fator surpreendente, pois são muitos acontecimentos grandes dentro da minissérie, que possuem vários sub-plots. Neste sentido, a direção contribui para a conexão de quem assiste com a enxurrada de ações colocadas na tela.
Dividida entre três artistas (Jake Schreier, Hikari e o próprio Lee Sung Jin), a decupagem de cada episódio ajuda na elaboração deste universo ficcional rico e cheio de informações, com planos fixos em momentos de tensão relacional e mais movimentos de câmera quando os conflitos se tornam físicos. Todavia, o uso de deslocamento não é conferido de uma forma solta. É possível entender quem está atacando e sendo atacado, quem correu, morreu, fugiu etc.
Assim, o fôlego da plateia pode oscilar junto com o das personagens, porque, para além da direção consciente, a montagem também é feita de maneira dinâmica, trazendo o foco para a personagem que é o centro da ação em cada sequência. Neste sentido, o ritmo é equilibrado, porque existe a noção de organização temporal. E o que seria isso?
Há na obra o entendimento do balanço de velocidades, de quando acelerar e diminuir o passo, para deixar o que importa em destaque, abrindo espaço para que a suspensão seja construída. Outro elemento que chama a atenção é a direção de arte, principalmente no que se refere ao cuidado com as temperaturas do figurino e da iluminação.
É notável, mas não óbvio a ponto de tirar a graça do suspense, o quanto uma figura ficcional está correndo risco ou é a dona do comando em cada cena pelas cores que ela traja e a luz que está ao redor dela. Um bom exemplo é a sequência na casa de Jordana (Maria Bello), na qual se tem uma luz vermelha forte após a entrada dos ladrões, mas os sobreviventes deste ataque são nítidos pelas paletas que estão usando.
No entanto, é necessário apontar que o antepenúltimo e o penúltimo episódios contam com alguns fillers. De certo modo, eles são relevantes para a construção de camadas dos protagonistas, porém eles se arrastam demais e deixam a sensação de prolongação do desfecho.As idas e vindas quebram a fruição da plateia.
Esta é mais uma questão de como eles foram realizados, do que sua própria existência, pois os flashbacks que revelam o passado de Danny e Amy acontecem no final da minissérie e interrompem momentos de pico dramático. Ainda assim, Treta é uma produção que apresenta coesão. Com uma premissa aparentemente boboca, relações humanas e problemas concretos da sociedade são discutidos, a partir de uma suposta briga simples de trânsito.
Nesta atmosfera, Ali e Steven entregam papéis que mostram os seus talentos. Seja no processo de criação de corpo ou de voz, os dois entendem o que a narrativa precisa de cada uma de suas personagens, tanto nas forças como em suas fragilidades. De certo, esta é uma obra que vale cada minuto de sua exibição.
A Netflix geralmente tem errado muito nas suas escolhas, mas quando ela acerta, convoca produtos como este, que divertem, mas que possuem qualidade técnica refinada e apurada. A maior qualidade aqui é generalizada, pois a produção revela uma equipe que entende o que tem nas mãos e consegue, assim, um bom resultado.
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On

Importante: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Aratu On.

Enoe Lopes Pontes

Enoe Lopes Pontes

Doutoranda e mestre em Comunicação, formada em Artes Cênicas e em Comunicação Social, Enoe Lopes Pontes é pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries. É membro da ABRACCINE e do Coletivo Elviras. Cinéfila desde os 6 anos, sempre procurou estar atenta para todo tipo de produção, independentemente do gênero, classificação ou fama. Do cult ao pipoca, busca observar as projeções com cuidado e sensibilidade. Filmes preferidos: Hiroshima Mon Amour e Possession.

Enoe integra a equipe do Coisas de Cinéfilo, como crítica.

Instagram: @enoelp

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