Assassino Zen: série alemã da Netflix investe em discutir dualidades da identidade humana
Investigar as complexidades humanas e da sociedade é um bom caminho para produzir um produto midiático que, pelo menos em sua premissa, será instigante para os consumidores. Assassino Zen se encaixa neste tipo de obra que conta com uma temática, aparentemente, diferentona, que instiga o espectador a dar play. A série alemã da Netflix se vale dessa ideia contrastante de um assassino que, se baseando em técnicas de mindfulness, torna-se um criminoso “zen”. Todavia, em termos técnicos, ela é uma produção que não alcança um padrão de alta qualidade.
Ainda que debater o fato de algo como o mindfulness, supostamente pensando para o bem estar das pessoas, pode ser mal utilizado, a depender de quem se vale dele, ser inteligente e proporcionador de dicotomias que elevam a potencialidade de uma trama, os episódios da produção são óbvios e não o seu lado interessante fica apenas nesta primeira camada. Todas as ações do protagonista e seus coadjuvantes são fáceis de prever, o que gera uma sensação de tédio.
Além disso, assim como diversos seriados da Netflix, o enredo é somente pautado em gerar espaço para cliffhangers*. O objetivo deste tipo de estratégia é criar no público o desejo de acompanhar a história. Mas, este recurso não funciona caso não venha junto com pouco ou nenhum desenvolvimento. O que acontece aqui é que, na tentativa de parecer que conta com um enredo eletrizante, a investigação sobre as motivações das personagens e o desenrolar dos acontecimentos provocados por elas não ganham espaço em Assassino Zen. E o mesmo pode ser dito pela sua tecnicidade.
A câmera somente se interessa pelos clímaxes. O restante do planejamento de enquadramentos, movimentos e efeitos de câmera são protocolares e/ou repetitivos. Um exemplo é a dinâmica de flashback entre Björn Diemel (Tom Schilling) e seu guru. A iluminação, os movimentos de câmeras e os deslocamentos dos atores em cena seguem a mesma lógica, durante todas as sequências nas quais esta interação acontece. Por esta razão, a dinâmica que, inicialmente, gera curiosidade, no sentido da observação das camadas de Björn, vão se tornando tão somente uma reiteração.
A obviedade transborda dentro da narrativa de tal maneira que até mesmo os elementos sonoros não surpreendem e não causam tanta emoção. Porque uma obra de ação e crime precisa criar uma atmosfera que deixe quem a assiste intrigado e com tensão sobre o que está por vir na história. Contudo, cada explosão, ruído de pneu, de música estilosa – que parece servir para mostrar que Björn é descolado, agora que ele também comete ilegalidades –, não funcionam, pois seguem uma espécie de cartilha sonora (e visual também).
Assim, o que salva a espectatorialidade do tédio é o ar carismático que Tom Schilling e seu companheiro de cena, Murathan Muslu (Sacha), carregam. A interação entre eles é bem construída, por ser trabalhada mais nos silêncios, olhares e gestos do que no textual verbal e expositivo do restante das relações da produção. Desta forma, acompanhar como o relacionamento de amizade e trabalho da dupla vai crescendo e se transformando em lealdade é o único ponto que realmente funciona. Ali, existe uma dúvida inicial se Sascha e Björn irão se unir na criminalidade e até onde a parceria pode ir, que instiga quem assiste ao seriado.
O fato de Sascha ser um bandido “amável” também confere uma camada maior de complexidade ao rapaz. Com ambos em cena, os fenótipos versus as atitudes e sentimentos que estão guardados em cada um, cria este questionamento sobre como as aparências podem enganar (ou não). Björn é um advogado, pai de família, de estatura baixa, magricela, que realizava, até a virada dentro da sua trajetória, “apenas” a defesa de gangsters. Sascha é alto, forte, barbudo, de longa estrada na parte física do crime e também um grande pai. No entanto, a periculosidade deles é alta, seja no embate físico, com Sascha, ou mental, com Björn.
Por isso, observar a ironia da união deles é um ponto alto da obra. De toda maneira, Assassino Zen pode ser uma experiência relevante para quem se interessa pelo Universo do debate sobre gurus, meditação e técnica de mindfulness. Para o restante, que não se importa tanto com esta temática, a série pode ser enfadonha.
*Cliffhanger = situação extrema que acontece em uma narrativa serializada para criar uma curiosidade no espectador, fazendo com que o mesmo continue a acompanhar um seriado.
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On