ENTREVISTA: “Um cara do gueto, da favela, cantando na Europa. Eu cheguei lá”, diz cantor Igor Kannario sobre turnê internacional
ENTREVISTA: “Um cara do gueto, da favela, cantando na Europa. Eu cheguei lá”, diz cantor Igor Kannario sobre turnê internacional
Igor Kannario não confirma se será candidato a vereador por Salvador este ano. Mas também não desmente. “O que for da vontade de Deus, será”, diz.
Suas palavras, porém, já estão recheadas de posições políticas. O cantor, de 31 anos, fala que amadureceu após a turnê pela Europa — realizada no último mês em países como Suíça e Itália. “Nunca tinha tido uma experiência em outra cultura. Lá percebi que as coisas funcionam. Percebi que ninguém lá paga por saúde e a saúde de lá é de qualidade. Por que aqui no Brasil não pode ser também?”, diz.
Em entrevista exclusiva ao Aratu Online, após show que marcou sua volta ao Brasil na laje do Universo Axé, nesta sexta-feira (22/4), Kannario falou também sobre a polêmica no bloco de Claudia Leitte, quando foi vaiado pelos integrantes do Largadinho durante o Carnaval. “Não entendo homossexual, que sofre tanto preconceito, reproduzir o preconceito. Deveriam ser os primeiros a não compactuar com isso”, diz.
O príncipe do gueto falou ainda sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff, a perda do título de música do Carnaval no troféu Dodô & Osmar e a saída da produtora showmix.
Confira entrevista completa abaixo.
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Aratu Online – Finalmente, você vai ou não ser candidato a vereador por Salvador?
Igor Kannario – Ainda não posso dizer nada sobre isso. Posso responder assim. O que for da vontade de Deus, será. Claro que se eu vier a me candidatar, e se vier a ser eleito, não quero ser mais um ali no meio dos outros. Quero fazer a diferença. Vou ter sido colocado pelo povo. E é o povo que vou representar. Porque eu sou alguém do gueto que passou dificuldade e sabe como as coisas são feitas.
AO – Você já se filiou a algum partido político?
IK- Sobre isso também não posso responder. Vou deixar no ar. Tem coisas que ainda não podem ser faladas.
AO – E sobre o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O que você pensa disso. Concorda ou é contra?
IK- A minha visão sobre isso aí é que o PT começou até bem. A gente abraçou. Na verdade, nós cidadãos colocamos eles no lugar que eles estão hoje. E como todos os brasileiros eu penso da mesma forma, eles nos decepcionaram. Também sei que não pode dizer que Dilma foi a principal responsável disso tudo aí. É uma quadrilha de 20 cabeças. Mas, eu, como todo brasileiro, não estou feliz com a situação do nosso país, principalmente depois dessa saída para a Europa. Lá eu vi diferença do nosso país para um de Primeiro Mundo… E é uma briga injusta. Com esses administradores que temos nunca vamos ser um país de Primeiro Mundo. E olhe que de tamanho o nosso país é mais que a Suiça, Alemanha, Holanda e muitos outros. A gente só precisa de pessoas competentes para organizar o nosso país, trazer muito mais estrutura, cultura, saúde, emprego. O Brasil está precisando de um administrador que traga tudo isso na bagagem…
AO – E quem seria esse administrador hoje?
IK – Olha, se fosse para hoje ser presidente, eu seria! Porque hoje é tudo bem claro, as pessoas colocam muito a culpa em cima do povo e a culpa não é nossa. A gente na verdade sobrevive sem estrutura nenhuma para viver. A gente vegeta. Não vive. Sobrevive.
AO – Você amadureceu muito suas posições políticas depois da sua turnê pela Europa? Comparou duas realidades distintas?
IK- Isso! Aqui tem muita qualidade que lá não tem, porém, lá tem organização, respeito e estrutura de trabalho. Lá não existe plano de saúde, todos os hospitais lá parecem clínicas. Aqui tem SUS, tem plano de saúde, clínicas particulares, lá não! O mesmo hospital que vai o pobre, vai o milionário. Eu entrei lá e vi, eu fui ver, não foi ninguém que me disse não. Então isso me chocou, porque foi a minha primeira vez conhecendo outra cultura, outros caminhos.
AO – E sentiu vergonha do Brasil?
IK – Eu senti vergonha… Não de ser brasileiro, mas de ser administrado por pessoas incapacitadas. Lá na Europa eles devem roubar, mas você não ver um lixo no chão. Lá o salário mínimo é R$ 15 mil, R$ 5 mil euros e dentro do seu salário você tem estrutura de saúde. A criança já entra no colégio aprendendo ler partitura, falando musicalmente. A criança já aprende tudo dentro da escola. Tem toda estrutura de desenvolvimento. E por que aqui não pode existir? Porque a gente não tem pessoas capacitadas administrar nossas vidas. E isso não é discurso. Tudo que eu estou falando aqui é o que eu sinto. Discurso é quando a gente escreve e eu não sou homem de caneta, sou homem de palavra.
AO – E como surgiu esse convite da turnê?
IK ? Foram pessoas que fazem muitos eventos lá, que levam Aviões, o Harmonia, Victor e Léo, Jorge & Mateus. Toda essa galera da nata da música são eles que levam. E em uma reunião foi cogitado o nome do Igor Kannário, do ?Príncipe do Guetto?. E os brasileiros de Zurique, de Milão fizeram uma campanha muito grande pra me levar. Foi voto popular, foi cobrança dos brasileiros que moram lá e o telefone tocou. Não precisei gastar nada, fui de boa, tudo pago, ainda ganhei um malotezinho, paguei as contas, representei o meu povo. Eu cheguei lá e vi a galera cantando de verdade, não foi nada meia boca, como muitos fazem . Teve fãs e televisão no aeroporto, teve fã tatuado na porta do hotel. Foi tudo verdadeiro. O que acontece comigo é muito surreal. Eu costumo dizer surreal porque tem coisas que nem eu acredito, que a ficha não cai. É um cara do gueto, da favela, cantando na Europa. Eu cheguei lá.
Neste vídeo Kannario fala sobre os boatos sobre ter sido barrado no aeroporto de Londres, durante a turnê na Europa:
AO – Mudando de assunto, você enfrentou uma situação no mínimo constrangedora no Carnaval de Salvador ao ser vaiado pelos integrantes do bloco de Claudia Leitte. O que achou daquilo? Foi preconceito?
IK – Isso tem nome. Hipocrisia é o nome disso! Quem são os homossexuais para falar de preconceito? Se eles são julgados a todo momento. Eu acho que uma pessoa que vive o preconceito não pode fazer o mesmo com outra pessoa. Então, eu acho que eles foram hipócritas. É isso que define. Eu tenho amigos homossexuais. Leo Kret, Murilete, vários amigos homossexuais. O preconceito não foi só comigo, mas com o povo, com seres humanos iguais a eles. Eles não podem julgar e nem discriminar.
AO – Por que você não falou isso lá na hora? Em cima do trio?
IK – Porque eu não me incomodei. A mídia se incomodou mais que eu. A matéria Kannario não estava nem aí. Eu queria mesmo que o mar pegasse fogo para comer peixe frito. Eu sei das minhas verdadeiras intenções e as pessoas têm uma mania muito grande de colocar palavras na boca do Kannário. Foda-se quem quiser, eu não tô nem aí. Eu tenho minha opinião própria, minha linha de raciocínio e no meu país existe liberdade de expressão, então eu tenho tudo que preciso: a liberdade de me expressar.
AO – Ainda sobre o Carnaval, você novamente perdeu o prêmio de melhor música no troféu Dodô & Osmar (venceu Paredão Metralhadora, da banda Vingadora). Em 2015, quando perdeu a primeira vez, chegou a dizer que tinham lhe ‘mafiado’. Acha que isso aconteceu novamente?
IK – Os caras são inteligentes porque eles já pensam futuramente no que as pessoas vão pensar Tomara que Deus me der o poder pra mudar isso aí. Porque é uma das coisas, se caso eu seja parlamentar, que eu vou brigar é pelo povo de verdade, porque o povo está envolvido em tudo, principalmente no Carnaval. E a gente tem que parar de dar moral para quem é de fora, de comprar o que os empresários dizem ser bom, porque eu vejo muita merda. Muitos empresários gastando muito dinheiro com merda. E, hoje, no meu ponto de vista, eu tenho como dizer que a música da Bahia está em decadência. E não é por causa dos artistas. Mas sim pelos administradores da música da Bahia. Eles fazem questão de apresentar uma música que não tem conteúdo, cultura nenhuma, que não tem mensagem positiva na cabeça das pessoas. Não traz nada pra uma criança, um adolescente, um idoso.
AO – O que isso significa?
IK – Que as pessoas tem a música da Bahia como chacota. Nada contra ninguém e artista. Eu estou falando de letra, poesia. Porque quando eu cantava que ‘um tiro mata’ significa que ‘um tiro é sempre um tiro’. Todo mundo dizia que eu estava levando a música para a marginalidade, incitando a violência. Então se eu tivesse cantado ‘trá trá trá’ iam dizer que eu estava mandando as pessoas matarem umas as outras.
AO – Acha que se o ‘Trá’ fosse seu, iria ser censurado?
IK – Essa música nunca seria minha, pois eu tenho conteúdo. E meu conteúdo não precisa de dinheiro injetado para aparecer, para ganhar nada. Eu sou dessa forma, dessa filosofia, eu gosto do certo. Eu não estou aqui alegando nada, não sou invejoso de nada. Eu não tenho esses pecados comigo. Eu gosto do justo, eu trabalhei dois anos inteiros sem tocar em rádio, fazendo só uma emissora, não tinha e não tenho nada que os outros tem.
AO – Você é um cara muito reservado em relação a sua mulher e sua filha. Mas, durante a viagem na Europa, publicou fotos com sua esposa. O que pode falar dela? O que ela Maria Quitéria significa pra você?
IK – Hoje para você conseguir uma mulher de verdade do seu lado você tem que mostrar que é um homem. E que merece uma mulher à altura do seu lado. Então, isso também eu tenho como um presente de Deus porque no começo da minha carreira era tudo muito complicado, eu era muito do mundo. Eu era muito despreparado para o sucesso, para as coisas da vida e graças a Deus ela foi forte para aguentar todo esse tempo. Eu também fui forte para amadurecer e mostrar pra ela que ela sempre estava certa. O homem que ela ama sou eu e eu, na verdade, só precisava saber disso. Eu tenho 10 anos juntos. Quando ela me conheceu eu era só Igor. Nem sonhava em ser o Kannario. Cantava em uma bandinha e ela foi uma das pessoas que me ajudou muito nessa trajetória. Hoje eu me considero muito bem resolvido. Sem ela eu fico capenga. Elas é kannariana totalmente. E quando estou errado não tem história de ser kannariana não. Ela diz: “Você está errado, amor, mas eu te amo” (risos).