Quem ganha? SP posa grandão no Carnaval, enquanto a gente treta no Porto
Nossas feridas narcísicas e nietzschenianas estão sendo expostas e magoadas, até virar pus, jamais cicatrizando. E uma picuinha sendo repercutida ad eternum, sem que se apresente um adulto na sala pra resolver de uma vez a questão.
Por Pablo Reis.
Estupefação e espanto na terra do encontro de trios da Castro Alves, do bloco do Jacu, da Pipoca do Kannário no campo Grande: chegou o dia em que São Paulo não tem vergonha de se anunciar como o maior Carnaval de rua do país. A gente até imaginava que esse momento poderia chegar, mas, não assim, na tora, por uma postagem de redes sociais, sem nem pagar um combo de Ice, ou três piriguetes por R$ 10. Desse jeito, à primeira vista, dá mesmo vontade de rir e de fazer uma zoeira.
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Prefeitura de São Paulo anuncia Carnaval da cidade. | Foto: Redes Sociais
Pois foi isso que os gestores das redes sociais de Salvador, de Recife e de Olinda fizeram. Tiraram um sarro, publicaram umas fotos, geraram um excelente engajamento, promoveram as folias do Nordeste que, afinal, são as mais democráticas e inclusivas do país.
E aí, @prefolinda e @prefrecife! Eu conto ou vocês contam? 🤭🤣 pic.twitter.com/E0Eby6A33k
— Prefeitura do Salvador (@prefsalvador) February 4, 2025
Sabe-se lá os critérios adotados pela prefeitura de São Paulo para usar esse slogan. Pode ser a quantidade de pessoas. As manifestações na capital paulista se espalham por grandes extensões e, além de boa parte dos 11,5 milhões de habitantes, foliões em potencial, ainda recebe turistas.
Salvador passou décadas com estimativas irreais de público. Chutes de centavos falando sobre milhões, que não tinham respaldo, por exemplo, no número de leitos disponíveis, ou na quantidade de assentos em voos.
Inteligências: artificial e natural
A instalação de câmeras de identificação nos portais de acesso trouxe os dados um pouco mais para a realidade. Espera-se que a inteligência artificial seja usada para nos dar exatidão neste ano. Ou seja, São Paulo tem um ponto.
E aí precisamos falar sobre como lidamos com organização, com comunicação, e com profissionalismo para o turismo. Vale para o Carnaval, vale para o verão, vale para o todo.
Há semanas, a mídia e a bolha das redes sociais dedicam espaço e energia para discutir a “guerra” entre ambulantes e banhistas no Porto. O debate é bem-vindo, salutar, necessário e, por que não dizer, atrasado?
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Há semanas, a mídia e a bolha das redes sociais dedicam espaço e energia para discutir a “guerra” entre ambulantes e banhistas no Porto. | Foto: Pexels/Fabio Souto
O problema dele está numa aparente falta de propósito. Ninguém assume para si a tarefa de dar uma diretriz. A missão de dizer, afinal, o que representa essa faixa de terra e o que se quer com ela.
Nossas feridas não cicatrizam
A quem interessa essa repetição de estica-e-puxa (praia vazia num dia, superlotada em outro), com câmeras focando e análises enviesadas, num eterno retorno do mesmo, que só demonstra nossas feridas narcísicas e nietzschenianas sendo expostas e magoadas, até virar pus, jamais cicatrizando. E uma picuinha sendo repercutida ad eternum, sem que se apresente um adulto na sala para resolver de uma vez a questão.
Porto da Barra, às 6h58. Quem está ganhando em escalar intrigas entre banhistas e comerciantes, justamente nesse período de Verão? Quais os beneficiados com o clima de beligerância em uma de nossas jóias turísticas? Quem vai ser o adulto na sala pra resolver essas questões? pic.twitter.com/VOygLxIlco
— Pablo Reis (@opabloreis) February 5, 2025
Se, com a visibilidade internacional que o Porto tem, numa faixa de terra tão reduzida, não conseguimos um desfecho civilizado e consensual, favorável a todos, como poderemos pensar que isso vai acontecer no ambiente, incontrolável por definição, que é o Carnaval?
Porto da sobrevivência
Aliás, o modus operandi dos meus amigos ambulantes do Porto não é causa, é sintoma.
A lei da sobrevivência já foi suficientemente rigorosa com eles para empurrarem, com barriga, com ombros, com muita lábia - até com pequenas trapaças - uma situação de necessidade. Pode-se até avaliar que eles cometam equívocos no método, mas jamais na intenção.
Salvador é uma capital pobre, o dinheiro novo não circula (como repetem os empresários). E se não chega para os empresários, o que dizer para os autônomos, que enxergam no verão uma canoa da salvação?
O certo é que os holofotes estão lançados no Porto e, lamento informar, não para fazer a mais bela praia urbana das Américas, brilhar. A atenção dispensada está mais é ajudando os “alemão”, para ficar na gíria muito usada nas periferias da capital.
Precisamos ver, enquanto é tempo, onde estamos errando - repetidamente, a cada ano. O maior carnaval de rua do país ser em São Paulo soa como piada e motiva a pilhéria nas redes sociais. Ainda.